Grupo Constants

  1. A tensão entre Direito Natural e Direito Positivo na Antiguidade Clássica

Há,  na antiguidade clássica, construções filosóficas que associam a realidade social com as leis naturais. Com base nessa forma de pensar, existe uma ordem por força da qual a organização social se submete, devendo funcionar como o reflexo de um espelho cujas imagens são as formas naturais de organização da  vida em sociedade (1). Nesse sentido, reconhece-se a existência de um momento em que a ordem natural e social se confunde, o que, todavia, torna-se difícil à medida em que o estabelecimento de um governo e suas regras pode provocar tensões com relação à manutenção de tradições. Essa tensão foi explorada pela tragédia grega em Antígona, personagem que, seguindo os desígnios divinos, contrariou as leis de sua polis para realizar o enterro de seu irmão. (1)

Desse modo, sobre a figura do governante surge um imperativo, qual seja, o de garantidor da ordem natural, sendo incumbido de proteger a sociedade em face da corrupção ou das ofensas aos valores tidos como naturais. Há de se questionar, nesse sentido, com base em qual critério é possível reconhecer  a transgressão da ordem natural, bem como em que medida é possível sustentar a função de garantidor quando o próprio governante desrespeita as leis naturais. (1)

A filosofia grega, ao invés de utilizar mitos de origem como categoria explicativa, dispõe da  noção da imutabilidade da ordem natural. Portanto, este é um modelo explicativo  que se baseia em uma ordem natural,imanente e imutável,  de forma que qualquer ação em sentido contrário à ordem pré-estabelecida configura uma ofensa às leis naturais.  Assim, mesmo reconhecendo o governo como uma necessidade imediata e natural, o governante que desrespeita esta ordem, isto é, quando não garante as leis naturais, atuando conforme suas vontades particulares, transforma-se em um tirano, de maneira que não deverá governar, visto que sua autoridade não é absoluta. (1)

Isto posto, reconhece-se, nesse contexto, algumas limitações aos governantes, em especial  as obrigações religiosas, os deveres dos filhos com relação aos pais, as regras de herança, o papel dos homens e das mulheres e todas as outras relações fundamentais que organizam uma sociedade. (1)

Dessa maneira, é possível compreender que a tensão entre Direito Natural e Direito Positivo na filosofia grega provém , de início, da imutabilidade, da metafísica imanente às leis naturais em contraponto ao aumento da complexidade da vida em sociedade e a necessidade de se desenvolver  leis “humanas”.

1.1  Lidando com a Tensão : E se os Deuses e os Governantes emitem Comandos Intencionais?

Se de um lado  a existência de uma ordem imanente é considerada a base da organização da vida política, ou seja, a nomos,  por outro lado, como seria possível internalizar os comandos intencionais proferidos pelos governantes?

A internalização foi possível pela ampliação do conceito de nomos, que passou a abranger tanto a ordem natural, quanto às decisões dos governantes. (1) No entanto, em seguida, o próprio conceito de nomos foi modificado e se transformou em uma referência às regras convencionais, enquanto a physys  passou a designar a ordem natural. Nesse cenário, surgiu a necessidade de se estabelecer a forma com a qual seria possível acessar esta ordem, e isto, a partir dos filósofos gregos, ocorre a partir da nossa própria cognição através da diferenciação da physys em  relação às tradições. Portanto, a filosofia assumiu, nesse contexto, a função de afastar as instituições incompatíveis com os mandamentos naturais. (1)

É precisamente esse modo de se distinguir que foi incorporado pelos modernos no sentido de  diferenciar o Direito Natural, a ordem natural do mundo, e o Direito Positivo, como criações políticas.


  1. A Tensão entre Direito Natural e Direito Positivo como Herança  aos Modernos

Talvez a maior herança dos modernos sobre a tensão constituída entre Direito Natural e Positivo é a percepção de que é possível acessar padrões normativos da natureza por meio da cognição.Todavia,Os modernos reconhecem que os governos poderão ser constituídos artificialmente, mas, ainda assim, a necessidade de um governo seria natural.  (1) Rousseau, por exemplo, afirma que, com o desenvolvimento da agricultura, as primeiras civilizações foram constituídas proporcionando desigualdade. (1) Assim,  os humanos, inicialmente iguais em sociedades primitivas, passaram a viver em um contexto de exploração do homem pelo homem em que o desenvolvimento da propriedade privada propiciou o estabelecimento de uma classe de governantes. surge daí, então,  a necessidade de se reconhecer  liberdades   por meio das leis  extraídas da virtude  proveniente da Vontade Geral. (2)

Vê-se, portanto, nas construções filosóficas dos modernos, a comparação entre dois estados, em que um deles representa como são os humanos na natureza ou em seu estado natural, e o outro sobre como a vida em sociedade destoa desse primeiro estágio, como propõe Rousseau, ou como base para a manutenção dos direitos naturais, como se vê em John Locke. (3)

A propósito, tais construções remontam ao estado natural sob perspectivas racionalistas ou empiristas.

  1. A Inexistência da Tensão entre Direitos Naturais e Positivos nas Civilizações Orientais: A autonomia entre autoridade política em relação à Ordem Natural e a indistinção entre as Duas Ordens.

É possível imaginar que a tensão inicialmente vista na antiguidade clássica e na Modernidade tenha se estendido às civilizações orientais. No entanto, não é o que se visualiza em face da  construção da sociedade chinesa e indiana.

Desenvolveu-se, na civilização chinesa antiga, a noção de ordem natural, denominada “li”, a qual, de modo geral, compreende as ordens naturais, bem como a ideia de “fa” que compreende as obrigações impostas pelos governantes (1). Com efeito, a noção de ‘li” abrange  cinco relações: as relações entre pai e filho, governante e governado, marido e mulher, irmãos mais velhos e mais novos e entre amigos (1), o que denota a ideia de que tais deveres de ordem natural são exercidas individualmente, enquanto a fa apresenta um caráter externo, qual seja, a preservação da própria sociedade, como por exemplo, com a  punição dos atos criminosos ( 1).

Portanto, ambas as dimensões têm funções próprias, específicas, e cuidam de diferentes esferas da vida, motivo pelo qual a autoridade política tem autonomia sobre a ordem natural, já que não colide com esta ao preservar interesses  que são distintos.

Sobre a sociedade indiana contemporânea à chinesa, a ordem natural e a autonomia da autoridade política não se diferenciavam, ainda que assumissem papéis distintos. Havia a noção de Rta e Dharma: a primeira é a ordem natural do mundo e esta seria o estabelecimento de regras a fim de que as pessoas cumpissem a rta. (1) É interessante notar a semelhança com um primeiro momento da antiguidade clássica, em que as autoridade política ainda não se tencionava contra a ordem natural. Por outro lado, observa-se que, na cultura indiana, a relação de Rta e dharma com o tempo foi desenvolvida de um modo em que se cristalizou, principalmente com a prevalência da DHRAMA  e a complementação do conceito de Karma, fazendo com que se estabelecesse deveres a serem cumpridos na ordem individual, sob pena de prejuízos à vida próxima, e em respeito a casta.  (1)

Conclui-se que a rta e dhrma confluem no sentido de resguardar a ordem natural e, por isso, não se diferem e não se tensionam.

  1. As Sociedades Primitivas:  contra o Estado, a Manutenção da Igualdade e impossibilidade de Tensão entre Ordem Natural e autoridade Política

Ao pensar sobre as formas de organização das sociedades primitivas, somos inclinados a imaginar que estas vivem em um estágio de desenvolvimento pré-estatal, de modo que, conforme se desenvolva, a constituição de uma autoridade política mais forte que os indivíduos seria inevitável. Entretanto, o antropólogo Pierre Clastres questionou tal concepção, com pano de fundo em tradições filosóficas europeias, ao apontar que as sociedades tidas como primitivas organizam-se de modo a evitar a consolidação de um governo ou a concentração de poder (4). Além disso, é possível supor que a distinção entre Physys e nomos decorre da ruptura do modo de organização social com igualitarismo forte ( 4).

Assim, a tensão  entre ordem natural e autoridade política, de algum modo, se associa à mitigação da igualdade em prol da concentração do poder político.

4. Considerações Finais

Considerando que a principal herança dos modernos em relação à tensão entre direito natural e autoridade política é a capacidade de distingui-los a partir da cognição, tal ferramenta é incapaz de ser um referencial às demais culturas analisadas. Primeiro porque ,em algumas civilizações orientais, inexiste a tensão entre Direito Natural e positivo, uma vez que as duas dimensões ocupam-se de afazeres distintos;  noutras porque a autoridade política conflue no sentido manter a ordem natural, sendo indiferente essa distinção. Por fim, em outras sociedades inexiste autoridade política e, por isso, somente existe a ordem natural.

Como utilizar a cognição para comparar, por exemplo, um único conceito ou conceitos que não se ocupam dos mesmos aspectos ou, por fim, conceitos inexistentes?

Desse modo, a oposição entre Direito Natural e Positivo, bem como a noção de logos,  refere-se a uma  sucessão de construções filosóficas ocidentais e que fazem sentido dentro de certas categorias explicativas.

Autor: Vinícius Martins Diniz, Matrícula 170115445

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1-      Ideias contidas no artigo Ordem natural e autoridade política. COSTA, Alexandre

2-      O contrato social de Jean-Jacques Rousseau: uma análise para além dos conceitos. VILALBA, Hélio Garone. Acesso: https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/heliovilalba.pdf, Acessado em: 21/08/2021

3-      História, filosofia política e educação na gênese do capitalismo: John Locke. Da SILVA, Valdair. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=119621. Acesso em: 21/08/2021.4-      COSTA, Alexandre. Da 'Sociedade sem governo' à 'Sociedade contra o Estado'