João Marcos Constante de Figueiredo- 170146260
João Vítor Cordeiro Daniel- 170106489
Vinícius Martins Diniz- 170115445

Joseph Nye, um cientista político norte-americano, propôs que existem duas formas de um país demonstrar seu poder. A primeira forma, denominada Hard Power, são meios diretos de um Estado exercer poder, englobando o poder militar e o poder econômico. Porém, existe a segunda forma,  mais sutil e muitas vezes imperceptível, chamada de Soft Power, que se refere a capacidade de um Estado seduzir o povo de outro Estado a copiar as suas instituições e  cultura. Trata-se  de cooptação da intenção de se parecer com o Estado, sem que sejam necessário empregar meios militares ou a influência econômica.

Não há dúvida de que nós, brasileiros, sofremos grande influência do Soft Power americano. As crianças devem aprender  inglês como segunda língua e  as rádios  tocam músicas americanas ou inglesas. Todos querem conhecer a Disney ou passar o ano novo em Nova York. O celular mais valorizado é um Apple.

Um grande aspecto dessa influência é a quantidade de filmes e livros americanos que temos contato. Por meio deles, criamos imaginários de valor sobre nossa cultura e nossas instituições. Como demonstrou Maíra Ouriveis, na Revista Acadêmica de Relações Internacionais da UFSC, “a identificação e introjeção desses valores na vida do espectador ocorre devido à experiência que o cinema proporciona, onde o indivíduo percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de assistir” (p. 180).

A ideia do Soft Power não se desvincula nem mesmo da visão jurídica do nosso país. Desde pequenas, as crianças são apresentadas a diversos desenhos que retratam uma cultura jurídica na qual os juízes usam uma “peruca branca” e  batem com seu martelo enquanto gritam por “Silêncio no Tribunal”. Mais tarde, começam a assistir séries de investigação e de advocacia, as quais mostram um processo quase totalmente oral, em que os juízes decidem sempre por meio de precedentes e, na maioria das vezes, contam com a presença do júri. Trata-se do sistema anglo-saxão de direito, chamado de Common Law.

Esse, definitivamente, não se assemelha à lógica jurídica brasileira, que possui sua origem distinta, possuindo um processo praticamente escrito, baseado primeiramente na aplicação da lei, em que o júri só é aplicado numa esfera pequena do processo. Este é o sistema continental de direito, chamado de Civil Law.

Consequentemente, forma-se uma mistura entre o imaginário popular com a verdadeira prática jurídica. Confunde-se, assim, estes dois sistemas, um que representa a expectativa do que seria um bom direito, enquanto o outro a prática. Como resultado, encontra-se um direito que falha com ambos os sistemas. Ele busca ser exegético (como o Civil Law), extraindo a melhor interpretação de cada norma. Mas falha em diversos pontos devido à confusão quanto às fontes utilizáveis e a falta de uma adequada reflexão filosófica sobre os temas enfrentados.

Entre Dois Sistemas: o Common Law e o Civil Law

Existem, no mundo ocidental, dois grandes sistemas jurídicos que merecem a atenção de qualquer jurista, o Common Law e o Civil Law. Hoje, dificilmente se encontra em algum país um modelo totalmente puro de qualquer um dos dois, porém, eles ainda possuem distinções relevantes que valem serem estudadas.

O Common Law é típico da Inglaterra, tendo uma relação profunda com a história feudal inglesa. Os tribunais, chamados na época de Tribunais de Westminster, sob o comando do rei, tinham o papel de fazer valer uma lei comum por todo o país. Em função do peso das decisões destes tribunais, essas “decisões acabaram por suplantar os direitos costumeiros e particulares de cada tribo ou grupo de primitivos, povos da Inglaterra, nos idos do ano de 1066, denominado Direito Anglo-saxônico”. (DELLAGNEZZE, 2020).

Neste sistema, os juízes têm a autoridade para criar o direito quando estabelecem o precedente. Assim, pode-se concluir que a jurisprudência é o ponto mais importante deste ordenamento. Conforme René David, “as regras que as decisões judiciárias estabeleceram devem ser seguidas, sob pena de destruírem toda a "certeza" e comprometerem a própria existência da common law.” (2002, p.428). Para garantir que as regras sejam aplicadas, estabeleceu-se o stare decisis assegurando que os tribunais inferiores cumpririam as decisões dos superiores.

A lei existe, mas tem um papel de trazer “apenas corretivos e adjunções aos princípios; não se devem procurar aí os próprios princípios do direito, mas somente soluções que precisem ou retifiquem os princípios estabelecidos pela jurisprudência.” (2002, p. 434).

Esse sistema foi empregado nos Estados Unidos, porém, com algumas pequenas mudanças. Entre elas, destaca-se a possibilidade de controle de constitucionalidade pela Suprema Corte Americana,  situação que não existe na Inglaterra.

Já o Civil Law tem bases completamente diferentes. Suas origens remontam ao Direito Romano e as Codificações provenientes da Revolução Francesa. Este sistema buscava o formalismo jurídico, com normas fixadas de forma objetiva e clara, de modo a evitar o autoritarismo político, comum durante o Absolutismo europeu.

Neste sistema, a principal fonte jurídica é a própria lei. A lei deve ser produzida pelo legislativo, cabendo ao judiciário aplicá-la e interpretá-la (uma grande diferença para o Commom Law). Como veremos abaixo, esta ideia se relaciona com o positivismo jurídico e a Escola da Exegese.

A jurisprudência neste sistema possui um papel reduzido. Durante o positivismo jurídico, ela foi praticamente obsoleta. Hoje, ela apresenta maior importância, mas ainda é limitada pela lei, não possuindo a mesma autoridade. Todavia, ele permanece relevante quando se analisa a hierarquia dos tribunais e a uniformização das decisões. Algumas decisões de determinados Tribunais, principalmente os Superiores e Supremos  devem ser seguidas, no caso do Brasil o STJ e o STF.

O caso do Brasil

O Brasil adota o sistema de Civil Law. Segundo o artigo 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei seria a principal fonte primária do nosso ordenamento, aplicando-se o costume, a analogia, e a jurisprudência de maneira auxiliar. Não por acaso, afirma-se que o Brasil contém aproximadamente 180.000 normas legais, das quais 10.204 são leis ordinárias (PEREIRA, 2021). Entretanto, alguns aspectos específicos do Brasil vêm colaborando para que alguns institutos comecem a se adequar ao sistema de Common Law, entre elas a influência americana e o número exorbitante de recursos julgados pelos Tribunais Superiores.

A influência americana no Brasil, como dito acima, sempre foi um aspecto marcante na determinação de políticas pelo nosso país. Com o fim da monarquia, o Brasil adotou o nome de Estados Unidos do Brasil, mantendo-o de 1889 a 1967. A intenção era estabelecer um governo republicano e descentralizado, que os Estados teriam mais autonomia. Foi um modelo inspirado na própria Constituição dos Estados Unidos.

Outra influência foi na adoção de um controle de Constitucionalidade difuso, ainda em 1891. Segundo a tradição dos sistemas de Civil Law, o controle ocorreria na esfera política, como na França, ou por uma Corte Constitucional, como na Alemanha. Porém, num primeiro momento, o Brasil se inspirou em um modelo difuso típico dos Estados Unidos, no qual qualquer juiz pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei por meio de um pedido preliminar pelas partes, ocorrendo no processo concreto e não em abstrato (como na França e na Alemanha). Apenas com a Constituição de 1946, o controle concentrado de constitucionalidade foi estabelecido no Brasil.

A outra justificativa para a adoção de instrumentos típicos do Common Law é a superlotação dos Tribunais Superiores. Parte considerável dos processos chegam ao STF e ao STJ por meio de recursos. Assim, estes tribunais têm criado instrumentos para se prever uma espécie de Stare Decisis, como a Súmula Vinculante e as Teses de repercussão Geral. O objetivo é reduzir a demanda destes tribunais, evitando que, em todos os processos, seja possível recorrer até a última instância cabível.

Dessa mistura de influências, surgiu, no Brasil, um sistema confuso. Ele é um sistema de Civil Law, mas com diversos aspectos que o aproximam do Common Law. Entre os exemplos de estruturações conflitantes, está o fato de que o juiz deve priorizar a aplicação da lei sobre a jurisprudência, mas essa às vezes essa pode prevalecer por uma modelo de Stare Decisis. Ou ainda que não cabe ao juiz criar leis, mas qualquer juiz pode declarar determinada lei inconstitucional e deixar de aplicá-la.

Essa confusão se mostra nos protestos do dia 7 de Setembro de 2021, quando inúmeras pessoas foram às ruas protestar contra a formação do STF. Dentre os principais argumentos trazidos pelos manifestantes, a ausência ou falta de representatividade do povo perante o Supremo Tribunal foi apontada. Todavia, não se levou em consideração o fato de que o judiciário foi desenvolvido como um órgão contramajoritário, que não necessita de identificação popular para se manter.

Este é o primeiro problema referente às possibilidades exegéticas no Brasil. O judiciário gasta mais tempo definindo quais as fontes ele deve aplicar e como aplicá-la do que como interpretá-las de maneira correta. Porém, esse não é o único problema enfrentado pelo judiciário brasileiro quanto à capacidade de tomar boas decisões. Cabe analisar a própria história de formação dos juízes e dos tomadores de decisão e suas inúmeras falhas.

A formação do Jurista Brasileiro

Além da confusão entre sistema de Civil Law e o Common Law, percebe-se que o próprio ensino da Civil Law tem sido problemático. Como dito acima, esse sistema possui suas raízes na Codificação Francesa, movimento fortemente influenciado pelos jusnaturalistas (COSTA, 2021), que defendiam a ideia de direitos naturais como a liberdade e a igualdade.

Porém, uma vez positivados, não havia mais espaço para criatividade jurídica, competindo aos juízes apenas aplicar o texto escrito. Tratava-se de um trabalho técnico e legalista. Nem mesmo para interpretar a lei os juristas eram qualificados, antes deveriam consultar a interpretação que os legisladores da lei propuseram.

Parte deste pensamento foi aprofundado pela Escola da Exegese. Este movimento foi liderado dentro das universidades, e buscava apenas oferecer uma descrição minuciosa e técnica da legislação. Como destaca o professor Alexandre Araújo Costa, formou-se “um tipo de postura que implica a valorização dos saberes práticos e é avesso à teoria e à filosofia que lhe subjazem, perspectiva essa que até hoje predomina no senso comum dos juristas”. Buscava-se apenas a exegese dos textos, compreendendo todos os seus sentidos, porém sem entenderem a base filosófica que os compunha.

Esta escola ainda reconhecia o valor do direito natural, mas apenas para reforçar o culto à lei. Entendia-se que “nenhuma norma do direito positivo poderia ser considerada pelo juiz como incompatível com o direito natural” (COSTA, 2021). Isso porque o direito natural era muito amplo e abstrato, de forma que todas as leis se encaixam nos princípios. Criou-se um sistema paradoxal, uma vez que reconhecia os princípios naturais, mas não havia espaço para sua aplicação, já que entendiam o legislador como todo poderoso.

Esta escola apenas perdeu sua força quando as faculdades passaram a ensinar matérias que relacionam o direito com a sociedade, a história e a política. Os alunos passaram a ter uma visão mais ampla do direito, deixando de aplicar o texto puro da lei.

A situação brasileira se assemelha aos problemas encontrados na Escola da Exegese. Além dos alunos entrarem na universidade com uma falsa concepção do mundo jurídico (influenciados pela visão jurídica americana), rapidamente percebe-se a necessidade de se passar nos concursos para exercer a profissão. Mesmo que o aluno busque advogar, é necessário passar no Exame da Ordem (uma prova de 80 questões objetivas das quais o aluno deve acertar, no mínimo, 40). O resultado é que as universidades se tornam grandes tradutores do Direito, ensinando ao aluno passar na prova, mas não sobre a utilidade, ou mesmo sobre as leis.

A situação atual pode ser considerada pior do que a da Escola da Exegese. Enquanto esta  ensinava apenas as leis para seus alunos, sem desenvolver capacidade crítica, ou interpretativa. Aquela, representada pelas universidades atuais, nem mesmo foca em ensinar a lei, foca em ensinar os “macetes” de prova. Os formandos devem saber marcar a resposta certa entre quatro alternativas, mas não precisam possuir nenhuma experiência prática, assim como tornam-se pouco habilitados a fim de compreender a sociedade que vivem.

O problema se agrava ao analisarmos a realidade dos demais concursos públicos para cargos de alta competitividade nos Tribunais. As provas avaliam conhecimento da lei, mas não prestigiam saberes como a filosofia, sociologia, história, economia, ou qualquer mecanismo que avalie a capacidade dos juristas de entender e  analisar de forma contextualizada  seus atos perante a sociedade. Fato este de que virou notícia uma questão do TJMG que cobrou uma questão sobre Habermas em seu concurso.

Essa falta de preparo prático, sem que se ensine a relação entre o direito estudado com a realidade, é o segundo fato que impede uma boa exegese jurídica brasileira. Não é possível pensar criticamente a realidade quando os alunos aprendem apenas a resposta para questões de múltipla escolha.

Conclusão

O Brasil enfrenta uma séria crise no judiciário. Diversos fatores colaboram com a situação, entre eles a confusão sobre o sistema adotado no Brasil, e até a carência de um ensino de qualidade nas universidades. Diante deste cenário, percebe-se a  incapacidade exegética brasileira, uma vez que mal se entendem as práticas processuais adotadas e que os novos advogados estão mais preocupados em passar em provas do que adquirir conhecimentos relevantes.

Quanto ao primeiro aspecto, cabe salientar que os sistemas jurídicos não são estáticos, sendo  possível estabelecer relações positivas entre os dois sistemas. Porém, é de extrema importância a clarificação de quais sistemas são adotados internamente no país, e quais os fundamentos válidos para uma decisão no Brasil. Não é necessário que ocorra um combate às ideias jurídicas americanas, visto que, em muitos aspectos, elas podem acrescentar ao direito brasileiro. Contudo, é  relevante pensar no papel ao qual a sociedade impõe-se, que é  entender as estruturas aplicáveis internamente, isto é, conforme sua própria realidade jurídica e social.

Em relação aos problemas relacionados ao ensino jurídico, é necessário a valorização do ensino filosófico e sociológico do direito. O caminho é semelhante à superação da Escola da Exegese: os alunos devem ser capazes de entender as origens e as consequências do Direito, absorvendo mais do que respostas de provas, mas a capacidade interpretativa e crítica para aplicação da lei.

Assim, conclui-se que a sociedade atual se encontra de fato em um momento assemelhado ao encontrado na França do Século XIX. Contudo, não é uma situação idêntica, uma vez que, no Brasil, a falta do ensino de qualidade e de pensamento filosófico se soma com dificuldades de um sistema jurídico confuso e mal compreendido.

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