Autores: Jezebel de Melo Eiras, João Victor dos Santos Bomfim, Nikolly Milani Simões Silva e Roberto Augusto Brito Alves.

A preocupação com a interpretação do mundo está presente no pensamento dos mais diversos filósofos e, sem dúvidas, é um dos temas mais fascinantes em que estudiosos buscam através de sua ótica decifrar os acontecimentos. Esta preocupação, embora posta anteriormente como presente no pensamento dos filósofos não se limita a eles.

O próprio estudo da história exige determinada interpretação do mundo, uma vez que a história é um estudo do passado que se coloca como pergunta no presente. Desta forma, o historiador olha pro passado com a preocupação voltada para o futuro e atento ao seu presente, sem abandonar o rigor e o dever de investigação e interpretação dos fatos ocorridos ao longo do tempo.

Ocorre que, diferente do que muitos pensam, este processo de interpretação do mundo não adota uma postura completamente pacífica, pelo contrário, é marcada por disputas de narrativas que visam dar razão ao mundo, as ações e as interpretações acerca daquilo que acomete a humanidade.

Durante este processo que inclui a disputa de narrativas e a busca por uma tomada racional das ações que atue como fator legitimador, é nítido que haverá um mal-estar intrínseco a própria atividade de perceber-se enquanto indivíduo dentro de um mundo que, da passagem do moderno para o contemporâneo, é marcado pela fragmentação da sociedade com noções cada vez mais subjetivas.

Em seus escritos “Teses Sobre Feuerbach”, Marx faz uma reflexão importante acerca do dilema entre a interpretação e transformação. As transformações das mais diversas ordens estão presentes na história da humanidade, que por sua vez, se caracteriza por rupturas, continuidades e, por último e não menos importante, transformações. Neste ponto, a modernidade vivenciou um processo de profundas transformações com o racionalismo, individualismo e noções político-econômicas que se diferem das estruturas anteriores.

Por obviedade, os conflitos não demorariam a surgir e, sob o risco de dar um grande salto, temos o momento pós-moderno marcado por um mal-estar que novamente coloca em conflito de narrativas a exigência de reconhecimento dentro de uma perspectiva de mundo cada vez mais voltado a pluralidade e por outro lado uma corrente de pensamento que enxerga nas bandeiras plurais uma carga vitimista, popularizada como “mimimi”.

O embate muitas vezes perpassa uma noção que muitos atribuem ao conflito geracional, pois as diferentes experiências trazem a capacidade de leitura, interpretação e capacidade de se ver enquanto indivíduo diante do mundo e, quando uma determinada geração já não mais responde aos anseios das novas experiências formuladas, o conflito torna-se iminente.

O presente momento traz um mal-estar bem traçado por Bauman e que remete a uma realidade cada vez mais fluída que sequer permite a criação de padrões sólidos, sob o risco de engessamento social que não acompanha as constantes mudanças ocorridas.

Ao passo em que a fluidez se apresenta, urge a necessidade cada vez mais destacada de apelo a singularidade do indivíduo que exige o reconhecimento e em decorrência disso verifica-se a presença pautada pelas subjetividades ocuparem cada vez mais o debate no campo político.

Na prática, o termo mimimi é comumente utilizado de modo a atacar e banalizar bandeiras e pautas de relevância, geralmente reivindicados por grupos de minorias, por exemplo, a população negra, indígena, a população LGBTQIA+, as mulheres, as pessoas com deficiência, entre outros. A tensão que se estabelece pela conquista dos direitos faz parte do processo de transformação social.

Em um mundo cada vez mais plural e inclusivo, é nítido que a geração que desenvolve e se enxerga dentro deste panorama carregará o mal-estar que se estabelece entre a conquista e expansão de direitos em face de um modelo de pensamento voltado ao modo que estabelece uma estrutura menos plural.

Neste sentido, Zygmut Bauman diagnosticou um novo mal-estar, ou seja, uma nova fonte de sofrimento psíquico: enquanto Freud entendeu que o desconforto das pessoas com a modernidade estava no fato de que as necessidades sociais de ordem deixavam pouco espaço para a liberdade individual, os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade. A busca pela felicidade passa a ser vetor e um objetivo a ser alcançado.

Nessa procura pela felicidade, nos últimos anos a internet tem sido um importante instrumento da geração “mimimi”, já que estes cresceram em meio à uma sociedade extremamente digital, onde o que se fala tem extrema relevância e repercussão. Nesse sentido, um aspecto que também está atrelada à geração de 2000 é a onda dos cancelamentos que tem se difundido pelas mídias sociais. Tal comportamento tem se mostrado um tanto quanto inadequado levando em consideração as consequências que a sociedade tem sofrido.

Esse hábito do cancelamento tem tido reflexo direto na saúde mental dos indivíduos e retrata exatamente o conceito de mal-estar para Bauman, já que a sociedade tem desenvolvido diversos problemas psíquicos decorrentes das demonstrações de ódio que a internet expõe, sendo mais frequente ainda em jovens.

Não só isso, nos últimos tempos as divergências de opinião têm causado um mal-estar constante, já que a exposição e o consequente julgamento têm se mostrado fortes gatilhos para impulsionar problemas como depressão, processos judiciais, suicídios, problemas familiares, conjugais etc.

No vídeo de Christian Dunker ele explica que os jovens “mimimi” se sentem ameaçados ao se depararem com o diferente, o que faz com que eles reajam de maneira indevida. Há uma falta de tolerância muito grande que acaba repercutindo na vida de quem expõe suas opiniões e crenças nos meios digitais.

Diante das diversas mudanças e rupturas, quem decide compartilhar sua vida pessoal com centenas ou milhões de espectadores tem que lidar diariamente com críticas relacionadas a posições políticas, religião, gosto musical, classificação social ou até mesmo a maneira como as pessoas respondem perguntas.

Como já mencionado, as pautas dos grupos minoritários são as que mais sofrem com essa geração, já que todas as vertentes têm seus apoiadores e as redes sociais viraram um verdadeiro tribunal em que as pessoas se polarizam e proferem discursos de ódio somente para afirmar que determinado posicionamento é o mais acertado. Diante disso, é evidente que a geração “mimimi” tem extrema dificuldade de lidar com as opiniões divergentes e sempre tentam fazer com que as suas convicções sejam ouvidas e levadas em consideração.

Nesse sentido é que surge o questionamento: Nós somos realmente livres? De acordo com Bauman, a liberdade contemporânea é mitigada em detrimento da construção constante de camadas sociais que propagam várias percepções do mundo.

Entretanto, não se há liberdade para expor todos os ideais, as pessoas escolhem se manter na zona de conforto, mantendo relações somente com pessoas que compartilham das mesmas concepções.

Em 2018, ano das últimas eleições presidenciais, diversos foram os desentendimentos causados em razão da opção política. Este foi um dos primeiros anos em que as redes sociais influenciaram fortemente as pautas políticas.

Essa diferença de gerações ficou muito evidente nesse período, afinal, a geração "mimizenta" já estava adentrando na vida política, o que causou uma incompatibilidade entre integrantes das mesmas famílias que por estarem em gerações diferentes, não possuíam a mesma concepção de mundo e, portanto, não concordavam politicamente.

Tal ponto representa muito do conceito de modernidade líquida para Zygmunt Bauman, já que a atual geração se mostra tão inconstante que qualquer divergência de ideais pode causar rupturas de relações profundas. Isto é, quaisquer relações são frágeis diante da falta de identificação.

Neste ponto, Christian Dunker fala da exigência de reconhecimento na linguagem em que os jovens escolheram ser reconhecidos, ou seja, todos estão a todo tempo tentando expor suas opiniões para se situarem diante das inúmeras conjunturas sociais que se pode ocupar hoje em dia.

Contudo, o que a geração “mimimi” também reproduz é que as pessoas que não partilham dos mesmos ideais, ou não acolhem a maneira como aquela pessoa se amostra, são vistas enquanto ameaça. E é onde está o problema, já que diversas pessoas tentam impor como lei as suas convicções, simplesmente anulando as que destoam, não havendo espaço para discussão.

Apesar de estarmos em um período em que as pessoas começaram utilizar as redes sociais de maneira muito mais frequente, além de agora servirem como ferramenta de trabalho, este também é o período em que os casos de distúrbios psicológicos também aumentaram exponencialmente, principalmente entre os jovens.

Com isso, até que ponto as pessoas continuarão atacando as outras por simplesmente não compartilharem dos mesmos pensamentos?

É evidente o mal-estar da modernidade e o quanto isso tem afetado o cotidiano de cada indivíduo. A sociedade ainda tem muito a evoluir, e as individualidades são pontos essenciais que devem ser respeitados. A cultura do cancelamento propagada pela geração "mimimi" possui consequências irreversíveis que precisam de uma maior conscientização para que não cause danos ainda maiores em um futuro breve, já que até lá mais diversas rupturas irão ocorrer.

Bibliografia

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DUNKER, Christian. O que é geração mimimi? (vídeo). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JU6LdsszXEo. Acesso em: 18 de ago 2021.

JUNIOR, Clodoaldo; VIEIRA, Ana Lúcia. A influência das redes sociais nos casos de suicídio entre jovens e adolescentes brasileiros e o seu aumento durante a pandemia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/332002/a-influencia-das-redes-sociais-nos-casos-de-suicidio-entre-jovens-e-adolescentes-brasileiros-e-o-seu-aumento-durante-a-pandemia. Acesso em: 19 de ago 2021