1. Breve biografia
Hans Kelsen foi um filósofo nascido em Praga (à época Império Austro-Húngaro) em 11 de outubro de 1881. De origem judaica e pensamentos socialdemocratas, foi perseguido pelo Regime Nazista e forçado a migrar para os Estados Unidos, onde lecionou na Universidade da Califórnia em Berkeley. Escreveu mais de 400 livros abordando vários campos científicos e é considerado um dos principais pensadores do positivismo (não só jurídico) e do direito como um todo. Sua obra mais importante é a “Teoria Pura do Direito”. Foi o principal precursor do controle concentrado de constitucionalidade, tendo influenciado diretamente a previsão do modelo na Constituição da Áustria de 1920. Entre 1921 e 1930, Kelsen atuou como juiz da Corte Constitucional austríaca. Devido ao autoritarismo crescente na Áustria, Kelsen foi dar aulas na Alemanha, mas foi impelido a deixar o país com o avanço do regime nazista em razão de sua ancestralidade judaica. Mudou-se para os Estados Unidos, onde foi professor na Universidade da Califórnia. Faleceu em 19 de abril de 1973, com 91 anos, na cidade de Berkeley, onde lecionava.
2. Principais contribuições
A principal proposta de Kelsen foi a abstração da ideia de justiça do conceito de Direito, pois invariavelmente ligada a conceitos variáveis em sua imprecisão, a ideia de justiça invalidaria um conceito de Direito universalmente válido. Seus conceitos de norma fundamental, de controle concentrado de constitucionalidade e sua técnica da modulação dos efeitos de decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade são outros pontos relevantes de seu pensamento.
Baseado em sua obra “Teoria Geral do Direito e do Estado”, este texto elenca abaixo importantes proposições do jurista no que tange a abstração que orientou seus estudos para a estabelecer as bases para uma ciência do Direito.
O
direito é um sistema dinâmico de normas |
Kelsen
distingue dois tipos diferentes de ordens ou sistemas normativos a partir da
natureza de sua norma fundamental, a saber: Estáticos - Normas
“válidas”, ou seja, presume-se que os indivíduos sigam as prescrições
normativas por seu conteúdo com iminente garantia de qualidade. Nesse tipo de
sistema, todas as normas particulares são obteníveis a partir de uma operação
intelectual de inferir o particular a partir do geral. Dinâmicos - Não
permite que suas normas sejam obtidas por qualquer operação intelectual e a
norma fundamental é a única regra segundo a qual devem ser criadas as normas
do sistema, sendo entendida como definitiva e de acordo com a qual as normas
jurídicas recebem e perdem sua validade. |
O
direito é sempre direito positivo |
A positividade
do Direito reside no fato de ter sido criado ou anulado por atos de seres
humanos, independente da moralidade e de sistemas não jurídicos de normas,
podendo ser criadas de duas maneiras: a) normas gerais: por meio de costume ou
legislação (direito consuetudinário); b) normas individuais: por meio de atos
judiciais e administrativos ou de transações jurídicas (direito estatutário). |
A
norma fundamental é a base e a garantia de validade de uma ordem jurídica |
Kelsen
afirma que a derivação das normas de uma ordem jurídica acontece
demonstrando-se que as normas particulares foram criadas em conformidade com
a norma fundamental. Uma norma particular é válida porque foi criada de
maneira prescrita pela constituição. Segundo o autor, a validade da
constituição pode ter origem em uma constituição mais velha, e assim por
diante, até se chegar, pressupostamente, em alguma constituição que é
historicamente (mesmo que supostamente, em âmbito abstrato) a primeira
estabelecida, e da qual depende a validade de todas as normas da ordem
jurídica, e que seria a norma fundamental de uma ordem jurídica nacional. Segundo
o autor, a hipótese última do positivismo é a norma que autoriza aquele que
foi historicamente o primeiro legislador. O autor explica que a norma
fundamental é apenas uma pressuposição necessária de qualquer interpretação
positiva do material jurídico. A norma fundamental não seria válida por ser
criada por um ato jurídico, mas sim por ser pressuposta como válida; porque
sem essa premissa nenhum ato humano poderia ser interpretado como ato
jurídico ou criador de direito. O
pesquisador afirma que as normas jurídicas, a menos que tenham prazo
determinado pela própria ordem jurídica, permanecem válidas enquanto não tiverem
sido invalidadas pela própria ordem jurídica. Kelsen chama essa dinâmica de
“princípio da legitimidade”. Ele deixa de ser válido em algumas situações,
como em uma revolução, que sempre modifica não só a constituição, mas toda a
ordem jurídica. Nesse caso, é possível até que o conteúdo de algumas normas
permaneça o mesmo, mas não o fundamento de sua validade não, já que foram
criadas de maneira prescrita pela velha constituição. Elas permanecem válidas
apenas quando a nova ordem dá validade aos seus conteúdos. O jurista chama
esse fenômeno de “recepção”. |
A coerção é um elemento essencial da
norma |
Segundo
Kelsen, só é norma jurídica se pretende regular a conduta humana
estabelecendo um ato de coerção como sanção. O
legislador pode decretar comandos sem necessariamente vincular sanção a sua
violação. De acordo com esse conceito, direito seria qualquer coisa efetuada
da maneira que a constituição prescreve para a criação do direito. Segundo o
autor, entretanto, esse conceito seria apenas aparentemente um conceito de
direito e não conteria nenhum critério pelo qual ele possa ser distinguido de
outras normas sociais. |
Há normas superiores e inferiores |
Para
Kelsen, a norma que determina a criação de outra norma pode ser entendida
abstratamente (ou mesmo figurativamente) como “norma superior”, e a norma
jurídica criada sob essa regulamentação, como “norma inferior”. |
Há dois tipos de constituição: a
material e a formal |
Formal: documento
solene que estabelece a forma de produção da lei. Material: obediência
do conteúdo da lei ao conteúdo da Constituição no que tange às regras de
criação das normas jurídicas gerais. |
Normas secundárias são as que estão
submetidas hierarquicamente à constituição |
Depois
da constituição (estatutária ou consuetudinária), vêm as normas gerais, que
também podem ser estabelecidas por legislação ou costume. Essas normas gerais
são aplicadas conforme definição da ordem jurídica, que determina também o
processo que deve ser seguido para essa aplicação por tribunais e outros
órgãos estatais – que, por meio de seus atos, criam normas individuais
aplicando a casos concretos. |
Uma norma que regula a criação de outra
norma é “aplicada” na criação daquela |
A
criação do direito é sempre sua aplicação – não sendo esses conceitos, como
aponta a teoria tradicional, opostos absolutos. |
A ordem jurídica deve ter um controle de
constitucionalidade concentrado de normas |
A
Constituição exerce supremacia sobre todas as demais normas do sistema
jurídico. Desse modo, o ordenamento jurídico deve passar sempre pelo crivo de
constitucionalidade de maneira concentrada. |
É possível haver, no controle
concentrado de constitucionalidade, a modulação dos efeitos de uma declaração
de inconstitucionalidade |
Kelsen
desenvolveu a técnica da modulação dos efeitos do controle concentrado de
constitucionalidade. Modular os efeitos significa restringir a eficácia
temporal das decisões da corte constitucional em sede de controle de
constitucionalidade – isto é, limitar a retroatividade dessas decisões,
determinando que possuem efeitos a partir de determinada data (geralmente
apenas para o futuro, ou seja, depois do julgamento). |
É possível haver lacunas preenchíveis no
direito |
Quando
direito vigente não puder ser aplicado a um caso concreto pela falta de uma
norma que se encaixe a ele, o julgador poderá tomar duas posições: a de
recusar a sanção alegando que o direito não estipula a obrigação reclamada ou
legislar para o caso concreto. |
Normas gerais podem ser criadas por atos
judiciais |
A função legisladora do
tribunal é especialmente manifestada quando uma decisão tem um caráter de
precedente, ou seja, quando uma decisão judicial cria uma norma geral,
aplicável não somente ao caso individual, mas obrigatória para todos os casos
similares futuros. O autor distingue o precedente, entretanto, da criação de
normas por meio da prática permanente e difusa dos tribunais, ou seja, por
meio do costume. |
A interpretação judicial é dividida
entre ato de conhecimento e ato de vontade |
Hans Kelsen explica que a interpretação
judicial seria realizada em duas etapas. A primeira delas seria um ‘ato de
conhecimento’ do caso concreto, do qual seriam extraídas várias
possibilidades de solução. A segunda seria um ‘ato de vontade’ do
Estado-juiz, que dentre as possibilidades adequadas, escolheria a norma mais
correta de acordo com sua perspectiva. |
A nulidade de normas jurídicas é
impossível |
Segundo
Kelsen, nenhuma norma jurídica pode ser nula, mas apenas anulada, pois quando
se diz tornar uma norma nula ab initio,
abolindo efeitos anteriores, na verdade está se aplicando não uma declaração,
mas direito constitutivo – no caso, criando-se uma decisão com efeitos
retroativos. Isso porque deve existir algo juridicamente existente ao qual
essa decisão se refere. |
3. Perfil das questões anteriores na prova de Ordem
Kelsen divide o terceiro lugar em popularidade de aparições nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil com autores como Stuart Mill e Miguel Reale. Ele apareceu em duas questões em todos os exames realizados do 10º ao 31º. Na tabela a seguir, extraída da bibliografia da disciplina Filosofia do Direito (https://filosofia.arcos.org.br/modulo14-2/), elenca-se os temas abordados diretamente referidos ao autor:
XVII - Ato de vontade e ato de conhecimento
XXVIII - Validade das normas na visão positivista
4. Referências
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 7 ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006.
COSTA, Alexandre Araújo. Módulo 14 - Filosofia do Direito para a Prova de Ordem. Filosofia do Direito. Website. Disponível em: https://filosofia.arcos.org.br/modulo14-2/. Acesso em: 19 abr. 2021.