QUEM FOI LUIS ALBERTO WARAT?
Luis Alberto Warat foi um professor argentino que por muitos anos viveu no Brasil. Possuía um conhecimento muito sólido e o apresentava de maneira muito vasta e de difícil sistematização, visto que transitava facilmente por diversas áreas, como, por exemplo, teoria do direito, psicanálise, filosofia e literatura.
Tinha uma forte crítica à interpretação formalista da lei, ainda que embora, em seu período de formação, tenha refletido bastante sobre a purificação da linguagem jurídica como forma de realizar uma construção e estabelecer uma verdade das diversas proposições da ciência jurídica. Todavia, pelas preocupações com as lacunas da lei e do abuso do direito, tenha desistido – conforme trazem os autores LOIS, Cecília; MELEU, Marcelino e ROCHA, Leonel (2015).
Então, depois desse tempo de “superação do neopositivismo”, advindo do próprio paradigma de formação - Escola de Filosofia Analítica de Buenos Aires, a qual pregava uma epistemologia jurídica neopositivista; ele passou a adotar a epistemologia jurídica crítica (contradogmática). E então passou a sugerir alguns conceitos, como o de carnavalização, o de manifesto do surrealismo jurídico, da pedagogia da sedução e da mediação.
Carnavalização no sentido de não pensar o direito como algo fixo e certo, mas como uma polifonia de sentidos, pensar o direito como aberto para a voz de todos; o manifesto do surrealismo jurídico, que em resumo é dizer que a realidade é criada pela nossa imaginação; a ideia da pedagogia da sedução, esta que incentiva um pensamento crítico, mas voltado à diferença, ao amor e ao prazer; e, por fim, a mediação, que foi algo tratado mais ao final da sua produção, onde defendia que era o lugar ideal para as pessoas manifestar e demonstrar seus desejos – e evidenciava a tamanha importância disso para a concretização da cidadania e para se ver resolvida não somente a lide jurídica, mas também sociológica.
PROPOSTA EPISTEMOLÓGICA
A proposta epistemológica feita por Warat, compreendia duas fases. A primeira, a qual ficou conhecida como Epistemologia Jurídica da Modernidade, onde podia ser encontrada sua crítica principalmente à epistemologia positiva tradicional; a segunda, conhecida como Epistemologia Jurídica da Complexidade (quando da ruptura da Epistemologia Jurídica da Modernidade), a qual levava em consideração a multiplicidade significativa dos fenômenos e a grande complexidade do mundo, com vista a uma epistemologia do desejo e do reconhecimento do lugar plural da fala, o que era uma crítica à teoria “pura” do direito, a qual pensava um direito objetivo, neutro e livre da interdisciplinariedade.
A primeira fase, a Epistemologia Jurídica da Modernidade, ainda se dividiu em 2 etapas específicas: a primeira que chegou até o ano de 1976, quando da publicação da obra “O direito e a sua linguagem”, onde o Warat estava sob o prisma de uma epistemologia jurídica neopositivista; e a segunda etapa em que perdurou os anos de 1977 e 1985, a qual se denominou de epistemologia jurídica crítica (contradogmática).
A segunda fase, a Epistemologia Jurídica da Complexidade, apresenta 3 etapas: a primeira de 1985, com a materialização da obra “A ciência jurídica e seus dois maridos” e foi denominada de epistemologia jurídica carnavalizada, ou seja, partindo da ideia de que o direito não existe um ponto fixo, mas sim uma polifonia dos sentidos, a necessidade do discurso aberto e a leitura lúdica do mundo; a segunda fase é caracterizada pelo Manifesto do Surrealismo Jurídico, onde se declarava que a luta pelo amor e pela felicidade são elementos mais importantes do que a luta pela domínio formal dos saberes; e a terceira etapa, por sua vez, é onde ficou mais claramente consagrada a Epistemologia Jurídica da Complexidade – mais uma vez, epistemologia que leva em consideração a multiplicidade significativa dos fenômenos e a grande complexidade do mundo.
A CIÊNCIA DO DIREITO E SEUS DOIS MARIDOS E A EPISTEMOLOGIA CARNAVALIZADA
A epistemologia carnavalizada foi apresentada por Warat principalmente em seu livro “A Ciência Jurídica e seus dois maridos”, de 1985. O título é uma referência à famosa obra de Jorge Amado, “Dona Flor e seus dois maridos”, o que já demonstra o gosto de Warat em aproximar o direito com a literatura e a arte. No romance de Jorge Amado, Dona Flor, embora casada com Teodoro, homem extremamente burocrático e que transforma o amor em dever, se encontra com o espírito de Vadinho, o malandro, seu primeiro marido, que, mesmo morto, ainda despertava nela verdadeira paixão. É com esta analogia que Warat propõe a sua epistemologia carnavalizada. Com Teodoro representando a razão, o senso comum, o previsível, o normativismo jurídico, e com Vadinho representando o prazer, o lúdico, o imaginário, o novo, a sensibilidade, a loucura. Ele usa o termo “castração” para representar como seria a situação de Dona Flor diminuída à insatisfatória relação com o marido burocrático. Castração é, portanto, a poda de um desejo. Warat defende que a Ciência da Modernidade Ocidental é um modelo de castração, pois gera apenas o progresso do acúmulo contínuo através da família, da educação, dos costumes, da civilização, de tudo que perpetua o que já existe e nos afasta da possibilidade de mergulhar em nós mesmos para produzir com o outro a diferença.
Da mesma forma que Dona Flor não se castra a se entregar a Vadinho, o jurista não pode se ater simplesmente ao normativismo e se castrar a enfrentar os sofrimentos da sociedade. Warat apregoa que o prazer deve ser permitido, mas alerta para o risco de o prazer ser burocratizado e assim transformado em repressão, em autoritarismo. Então a democracia social só existe realmente não quando as pessoas votam (pois o voto é uma ilusão de democracia) mas quando permite a perversão, ou melhor, a carnavalização. Carnavalizar é uma dialética entre ordem e desordem, é “dar asar a uma busca erótica, lúdica, mágica, poética e fundamentalmente política”. No plano do direito a ordem jurídica, portanto, deve permitir sua própria desordem, através de movimentos sociais. No plano da epistemologia jurídica o conhecimento jamais poderá fixar os limites da lei, pois deverá propiciar a reconciliação do homem com suas paixões, garantindo o espaço para a pluralidade dos desejos.
WARAT E A ANÁLISE DA “TEORIA PURA DO DIREITO” SOB 3 CRÍTICAS
Como já exposto, Warat era crítico da interpretação formalista da lei, seus limites, insuficiências e efeitos ideológicos. Além disso, foi um estudador de Kelsen e, olhando sua obra “Teoria Pura do Direito”, firmou 3 principais críticas.
A primeira, é quanto as pressuposições Kantianas que aparecem na obra do austríaco, visto que este aplicou o método transcendental de modo parcial, pois o utilizou somente para estabelecer os conceitos deônticos intelectivos puros, constitutivos do sistema normativo legal, as condições a priori da ordem jurídica positiva e as categorias jurídicas (Warat, 1995, p. 137).
A segunda crítica, se baseia no fato de que Kelsen pensava em uma teoria jurídica pura, livre de toda ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, o pensamento em uma ciência exclusivamente dirigida ao conhecimento do direito. O professor, então, afirma ser essa uma teoria impossível, visto que as significações jurídicas sempre são resultado de atos políticos que se baseiam no senso comum teórico e nas condições materiais da vida social, não se apoiando exclusivamente em caracteres lógicos ou em valores estruturais (Warat, 1995, pgs. 247-248).
A terceira crítica se baseia na análise da norma fundamental, o que, para Hans Kelsen, permite o fechamento da sua teoria, ainda que esta não seja uma norma positiva em sentido estrito e nem um fato, mas sim, como defende Warat, uma categoria cognosciva, gnosiológica e epistemológica, que aponta o conhecimento do direito e não sua criação, e a maior crítica é o fato de ter um sistema de conotações reprodutoras da ordenação jurídica dominante. Talvez, como traz o autor, se trata “una forma mítica para la organización del discurso científica” (Warat, 1980, p. 98). Ainda sobre isso, no capítulo VII ("mito, ideologia e convencimento") do seu livro Introdução Geral ao Direito I, Warat explica que "o mito é uma forma específica de manifestação do ideológico no plano do discurso" e, como categoria de pensamento construído com o reconhecimento de "certas relações ideológicas de significação", permite "a compreensão dos determinantes do modo de produção do convencimento jurídico". Ele se preocupa com a possibilidade de o ensino jurídico se tornar "uma produção mitológica de conhecimento", que - "baseado em uma estrutura simplista e maniqueísta, a qual sempre se resolve pela manutenção do 'status quo' sob uma capa de neutralidade" - pretende "fixar critérios de conformismo social". A solução para a desmitificação da educação jurídica estaria em permitir que os estudantes assumissem "de forma autônoma as significações ideológicas das mensagens de seus educadores". Comparando os estereótipos jurídicos com os super-heróis, o autor chama a atenção para a pretensão de ambos em assegurar segurança ao homem, dissolvendo a complexidade de seus atos, esvaziando-o de sua história e produzindo uma falsa clareza de entendimento, ao esconder as contradições e disfarçar os conflitos. Dessa forma, "o discurso argumentativo surge (...) como um jogo de ambiguidades (...) [e] a função de uma teoria da argumentação há de ser vista, portanto, como uma tentativa de desmitificação, isto é, como uma leitura ideológica que dê conta dos modos concretos em que essa ambiguidade se manifesta".
CONCLUSÃO
O pensamento de Luis Alberto Warat ao mesmo tempo em que é fascinante é difícil de ser captado. Mas uma característica geral que se percebe é que ele é cheio de inquietações e inconformismos. Dele nunca se deve esperar uma solução fechada, mas sim problematizações e muito mais perguntas que respostas. E talvez isso o faz ser tão criticado por juristas mais conservadores. Neste trabalho explanamos superficialmente sobre algumas de suas principais ideias, em especial a sua proposta epistemológica, com enfoque na epistemologia carnavalizada, e a sua crítica à teoria pura de Kelsen.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cátedra Luis Alberto Warat [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFS; Coordenadores: Leonel Severo Rocha, Cecilia Caballero Lois, Marcelino Meleu – Florianópolis: CONPEDI, 2015.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed. Coimbra: Arménio Amado Editor, 1984.
WARAT, Luis Alberto. La filosofia linguistica y el discurso de la ciência social. Revista sequência. Florianópolis, nº1, p. 98, 1980.
WARAT, Luís Alberto. Introdução Geral ao Direito I: interpretação da lei temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994, pp. 9-18 e 103-114 (capítulos I e VII).
WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Volume II. A epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995.
WARAT, Luis Alberto. A Ciência Jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.