Diversas questões políticas surgem do convívio social e de como deveria ser organizado esse convívio ao agregarmos diferentes indivíduos, com diferentes interesses e necessidades em um único grupo de pessoas. Tal fato suscita diversos desafios e muitos estudiosos debruçaram-se sobre a questão tentando conciliar distintas visões e expectativas para encontrar uma harmonia social, estabelecer características e valores comuns para trazer um senso de unidade e pertencimento aos florescentes grupos sociais.

Diferentes teorias sobre essa organização e forma de governo levaram filósofos a buscar entender os elementos políticos que alimentam conceitos como Estado, governo, diferenciação entre o público e o privado e o que motivaria os indivíduos a renunciar à justiça individual por meio da força para encontrar o equilíbrio da convivência coletiva.

Foto: Juca Varela/EBC

Um dos principais teorizadores foi Carl Schmitt, um pensador do Estado que, ao pensar o universo da política, trouxe um amplo estudo em suas obras e ideologias sobre qual seria o objetivo do político, estabelecendo algumas bases que se tornaram peças centrais de seus trabalhos.

Segundo Roberto Bueno (2012, passim), Schmitt acreditava que: o domínio da moral é determinado pelas noções de bem e mal, o estético pelas de belo e feio, o econômico pelas categorias do lucro, a política seria definida a partir da distinção amigo-inimigo, salientando que o inimigo ao qual se refere será sempre o inimigo público (hostil), distinção necessária para evitar que inimigo recaia sobre indivíduo (liberal) incapaz de produzir identidade e por consequência unidade.

Nessa linha de pensamento, Schmitt, em sua obra “Teoria da Constituição”, defendia que seria necessário considerar toda a estrutura representativa do sistema político adotado, observando o perfil de todos os participantes do jogo político, a saber: representantes, eleitores e toda a máquina estatal e partidária envolvida no processo eleitoral.

Por consequência lógica, o exercício da democracia por meio de governos eletivos pressupõe que o povo possa escolher indivíduos que exerçam em seu nome o poder que lhes é conferido, de forma a realmente representar os anseios de quem os elegeu.

Não é o que de fato ocorre com frequência. Um interessante relato sobre essa disputa envolvendo a democracia no Brasil está no documentário "Democracia em Vertigem", da Netflix. Veja o trailler:

O que vemos sobre os agentes envolvidos no processo político moderno – especialmente no brasileiro – entretanto, é uma grande desigualdade social e cultural e constantes casos de corrupção, tornando a população descrente em seus representantes e no próprio instituto político. Estranhamente, o povo, mesmo escolhendo diretamente representantes para si, não se sente representado por aqueles que escolhe. Essa situação deixa patente a crise de legitimidade do sistema.

Atualmente, temos muitos casos em que as autoridades públicas – aí entenda-se também o problema de judicialização da vida – constantemente tomam individualmente decisões não apenas políticas, mas também técnicas sobre interesses comuns, em que o voto democrático deveria servir como guia. A corrupção pelo poder não é fenômeno inédito. Sendo assim, a busca por um novo sistema representativo seria a solução? Particularmente, acredito que não, já que o problema é mais profundo e remete à essência da natureza humana ao conviver em sociedade.

Referências

ARAGÃO, Murilo. Democracia e instituições no Brasil. Migalhas, 15 abr. 201.8 Disponível em: https://www.migalhas.com.br. Acesso em: 27 abr. 2021.

BUENO, Roberto. Carl Schmitt e a crítica à democracia liberal. Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 16, n. 24, 2012. Disponível em: https://ojs.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/645/743. Acesso em: 29 abr. 2021.

COSTA, Alexandre; COELHO, Inocêncio. Teoria dialética do direito: a filosofia jurídica de Roberto Lyra Filho. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, 2017.

DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy. Carl Schmitt, Hans Kelsen and Hermann Heller in Weimar. Oxford: Oxford University Press, 2003.

MIGUEL, Luís Felipe. Impasses da accountability: dilemas e alternativas da representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 25, p. 25-38, nov. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n25/31109.pdf. Acesso em: 29 abr. 2021.

STRAUSS, Levi. Notes on Carl Schmitt, The Concept of the Political. In: MEIER, H. Carl Schmitt & Leo Strauss. The hidden dialogue. Chicago: The University of Chicago Press, 1995, p.89-120.