Fonte: https://www.opindia.com/2017/07/cultural-marxism-and-how-it-is-similar-to-other-prophet-driven-industries/

Autores: Ana Carolina Callai da Silva, Carlos Henrique da Silva Figueredo, Daniel Oliveira Simões, Diego Rodrigues de Morais, Emerson Fonseca Fraga, Rossana Jose da Silva e Tatianne Pereira da Silva.

O desenvolvimento do pensamento humano transitou - e sempre transitará - pela oscilação de diferentes perspectivas ideológicas inseridas em estruturas sociais distintas. E, através de uma breve análise da história recente das sociedades ocidentalizadas, torna-se evidente o conflito ideológico capitalista x comunista que impactou fortemente a estruturação do pensamento contemporâneo. O marxismo cultural, por exemplo, é um dos aspectos resultantes da referida digladiação ideológica.


Partindo de uma perspectiva da teoria estrutural-funcionalista (apesar de sincrônica), como uma das formas de compreender os elementos que compõem a estrutura social, concebida por Radcliffe-Brown “como sendo as relações sociais estabelecidas na sociedade, onde cada unidade funcional serve como uma espécie de sustentáculo social: a sociedade concebida como um todo orgânico no qual as partes se interligam para manutenção do sistema e da estrutura, esta se relacionando diretamente com aquela.” (DE OLIVEIRA et al, 2014, p. 236-237). É interessante, portanto, observar a seguinte definição posta por Radcliffe-Brown

No estudo da estrutura social a realidade concreta que estamos tratando é uma série de relações realmente existentes, em dado lapso de tempo, que agrupa certos seres humanos. É nisto que podemos fazer observações diretas. Mas não é isto que pretendo descrever em sua particularidade. A ciência (diferentemente da história ou da biografia) não se interessa pelo particular, peculiar, mas apenas pelo geral, pelas espécies, pelos fatos que se repetem. (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 236)

Vê-se, portanto, pela vertente antropológica do autor, que as estruturas sociais formam uma rede de relações concretas, realmente existentes. Importante ressaltar aqui, que a leitura feita por Radcliffe-Brown assemelha-se a uma leitura organicista da estrutura social. Ele concebia os sistemas sociais "como sendo análogos aos sistemas orgânicos, o que levaria a necessidade de compartilharem os mesmos métodos. Advém daí suas concepções de estrutura social e função.” (SABINO; CARVALHO, 2013, p. 220). Para ele, “as estruturas sociais são tão reais quanto os organismos individuais” (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 235). De forma que, os seres humanos formam um todo integrado, enquanto unidades essenciais, assim como as células em um organismo.

[…] o organismo complexo é um conjunto de células vivas e fluidas intersticiais dispostas em certa estrutura: e a célula viva é analogamente uma disposição estrutural de moléculas complexas. Os fenômenos fisiológicos e psicológicos que observamos nas vidas dos organismos não são apenas resultado da natureza das moléculas constituintes ou átomos
de que o organismo é feito, mas resultado da estrutura na qual estão unidos. Também os fenômenos sociais em qualquer sociedade humana não são resultado imediato da natureza dos seres humanos tomados individualmente, mas consequência da estrutura social pela qual estão unidos. (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 235)

Embora os sistemas sociais estejam em um contínuo processo de renovação, é interessante compreender os aspectos fundantes da estrutura social através da análise sincrônica da teoria estrutural-funcionalista. Nesse tipo de abordagem, não somente a função desempenhada por cada indivíduo inserido no organismo social é importante, mas suas posições sociais ocupadas no interior desse mesmo organismo (DE OLIVEIRA et al, 2014, p. 242), o que abre uma possibilidade
de interação com o conceito de habitus proposto por Pierre Bourdieu para uma boa compreensão das interações sociais.

É evidente, portanto, que a perspectiva antropológica isolada não sustenta argumentação suficiente para compreender o surgimento de categorias do pensamento como o marxismo cultural. No entanto, o próprio autor afirma que, “as mudanças ou alterações no sistema social não são postas de lado pelo estrutural-funcionalismo, ao contrário, são perceptíveis e RadcliffeBrown estava atento a estas mudanças. O foco da análise numa perspectiva sincrônica era
determinante em seu resultado final ou conclusões dessas análises.” (DE OLIVEIRA, et al, 2014, p. 247).

Diante da breve reflexão, pode-se afirmar que, pela perspectiva do funcionalismo-estrutural de Radcliffe Brown, um modelo social pode sofrer uma alteração e adaptação da sua estrutura através da ressignificação da realidade diante de estratégias conscientes de transformação. Tal afirmação sustenta um argumento plausível à introdução da teoria bourdiana para complementação da presente análise. Ou seja, concebendo a estrutura social pela perspectiva estrutural-funcionalista, temos que ela se sustenta a partir das relações sociais que se organizam como um todo orgânico em que as partes se interligam, mantendo assim sua estrutura sistemática

O indivíduo ao se integrar a uma sociedade passa a agir coletivamente com os outros indivíduos daquela mesma sociedade, ao qual lhe atribui uma ou mais funções institucionalmente reconhecida para a manutenção do sistema social. Ao se deter no estudo da estrutura social, Radcliffe-Brown não só busca entender a lógica funcional interna que integra a sociedade, mas como essa lógica interna se integra para a manutenção dessa mesma estrutura. (DE OLIVEIRA, et al, 2014, p. 243)

1.1 Uma inflexão ao conceito de habitus dentro do campo social em Bourdieu

Diante da explanação feita, é pertinente trazer à discussão uma complementação da argumentação em torno da estrutura social até então desenvolvida. É necessário compreender, portanto, que o papel do indivíduo e sua interação dentro desta estrutura social vigente, é essencial para a sua manutenção ou transformação. O habitus então, “consegue assim criar, de acordo com Bourdieu, uma estrutura mental ou cognitiva que internaliza a ordem social." (SCKELL, 2016, p. 160).


A partir desta premissa, entende-se que o habitus traz, em sua totalidade, a justificativa da ação do indivíduo enquanto uma conformação às “regras sociais" (aqui compreendidas enquanto regras habituais de comportamento que regulam as relações sociais) em determinado campo social, ou seja, enquanto forma de adequação ao meio social

A estrutura de um campo corresponde a um “estado de relação de força entre os agentes ou as instituições envolvidos na luta” pelo monopólio da autoridade, que altera ou mantém a distribuição do capital específico de cada campo (diplomas etc.). O agente é o que sua posição social no campo faz dele. Ele é aceito no campo, no jogo, por causa dos critérios que reconhece e por causa das suas disposições. Os interesses no campo são
reconhecidos como essenciais pelos agentes que aceitam as regras do jogo. (SCKELL, 2016, p. 161-162)

Dentro desta perspectiva, o campo social em Bourdieu não é mera soma de indivíduos, mas sim as relações entre eles e o impacto gerado na sua realidade. Assim, os valores e regras são naturalizados e passam por um processo orgânico de consolidação, orientando, portanto, as ações dos indivíduos. A partir da breve análise e diálogo entre a estrutura social (aqui abordada pela ótica e metodologia antropológica) e o campo social em Bourdieu, compreende-se que, o surgimento e desenvolvimento de novas formas de percepção e entendimento dos fatos, como o
marxismo cultural, se desenrola pela estrutura social vigente e os campos sociais que ali se formam. Tal condição se dá, pela conformação dos indivíduos com a realidade a eles disposta, e a linguagem então, enquanto meio de dominação simbólica, traz em si a condição de instrumento de conhecimento e construção do mundo. Entra aí, a relevância e influência do poder simbólico, outro conceito elementar na estruturação do campo social em Bourdieu

O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, «uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências». (BOURDIEU, 2006, p. 9)

De modo bastante sucinto, é possível afirmar que, a propagação de ideias e pensamentos - como o fenômeno do marxismo cultural, desenvolvem-se através de um caráter socialmente determinado e arbitrário. Seja pela linguagem ou pelas disposições políticas e econômicas, tal disposição social determinante, orienta-se à uma realidade homogênea (através de uma ordem epistemológica pela perspectiva de uma classe dominante), que ditará as concepções estruturantes a partir da validade dessa ordem pela conformação dos sujeitos nela inseridos.

1.2 Marxismo cultural e linguagem

Se as disposições políticas e econômicas orientam a estrutura social, formando um todo orgânico, a validade desses arranjos deriva da linguagem. Infactível apresentar uma visão antropológica deixando à margem perquirições sobre a linguagem. Sob esse viés, impende considerar os impactos que os códigos linguísticos têm sobre o debate acerca do marxismo cultural. A acepção de marxismo cultural circunda a linguagem discursiva associada aos diversos
campos de comunicação que compõem a sociedade. Segundo os adeptos de tal conceito, há um movimento estrutural enraizado nas artes, educação e demais espaços culturais cujo objetivo é propalar as ideias marxistas, implementando dogmas e, como resultante, mudando o comportamento social.

Sob a óptica dos defensores dessa teoria, o que os disseminadores do marxismo cultural fazem é criar uma amálgama de ações ideológicas nos espaços destinados à disseminação do conhecimento, de forma a atingir as escolhas legitimamente individuais. Se hoje “a principal fonte de riqueza é o conhecimento” (HARARI, 2016, p. 25), é controlando tal recurso que marxistas agem, numa espécie de “guerra fria ideológica”, sutilmente regendo a linguagem em todos os seus aspectos representativos, direcionando – a para seus propósitos.

O uso da expressão “guerra fria ideológica” não é descomedido e, tampouco, arbitrário. Surge a partir de uma reflexão anterior e, além disso, mais importante, que é a da linguagem como forma de “multiplicar nossos mapas” (COSTA, 2020). A ação de controle seria silente, mas engendrada em minuciosas formas de atuação, combativa, destruidora de valores sociais tais como família, casamento e, inclusive, perspectivas econômicas mais livres. Intervir na linguagem de forma tácita, seria, assim, um modo de controlar os “mapas” que possibilitam a compreensão da realidade de forma mais global e, portanto, livre.

Funciona como se, sabedores da importância das manifestações da linguagem para o conhecimento das coisas, os “marxistas culturais” passassem a manejar o discurso – em uma visão mais ampla que o alcança em suas díspares acepções – controlando as variáveis possíveis dos “mapas” gerados. Supostamente eles impõem restrições à visibilidade desses mapas, alterando a “ordem do mundo” (COSTA, 2020) e das coisas como deveriam ser apresentadas.

Por outro lado, também maneando os símbolos linguísticos, convém enfatizar que os sectários da asserção central proposta nesse debate igualmente patrocinam, a seu modo, a interferência nas formas de os cidadãos pensarem o mundo. Numa ideação muito próxima ao “terrorismo ideológico”. A despeito de assumirem o papel de protetores da sociedade – do fenômeno do marxismo cultural que alegam existir –, eles também protagonizam o terror eliminando “do processo não apenas a liberdade em todo sentido específico, mas a própria fonte de liberdade que está no nascimento do homem e na sua capacidade de começar de novo” (ARENDT, 1989, p. 518).

Nesse ponto, impende levantar um outro questionamento. Até que ponto tais movimentos (sem aqui adentrar na materialidade da existência) diferem-se um do outro? Ambos em suas concepções teóricas têm sido determinantes para a alteração da linguagem discursiva que predomina no mundo atual. Cada qual, imprimindo medo em abstrato ou materializando-se, contribui para a cada vez maior polarização social, afastando a sociedade do debate argumentativo, posto que esse pressupõe-se natimorto diante de propósitos discursivos pré-concebidos.

Difunde-se o medo, questiona-se a ciência, ignoram-se os fatores antropológicos e sociológicos. Como resultante os argumentos reproduzem intencionalidades particulares de grupos ou indivíduos, em toda a sua organicidade, que objetivam alterar a compreensão do mundo. E o fazem com incontroversa maestria. Alteram-se, desse modo, o debate, a realidade, a linguagem, o discurso e, por conseguinte, a realidade.

Nesse ponto, impossível não se fazer alusão, ainda que tangencial, a Berman (1986). No mundo contemporâneo, com tantas novidades relativas às categorias do pensamento, a sensação é a de que nem tudo é tão sólido quanto fora outrora; e, ainda, diante das perspectivas apresentadas, indubitavelmente as ideias propendem a desmancharem-se no ar com celeridade sem precedentes. Invariavelmente não há como entender o mundo sem enxergar esse fenômeno.

Referências bibliográficas


ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo. Companhia das Letras, 1989.

BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: A aventura da modernidade. São Paulo. Companhia de Letras, 1986.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 14ª ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2006.

COSTA, Alexandre. A filosofia e os paradoxos da linguagem. 2020. Disponível em:
https://filosofia.arcos.org.br/modulo03/#3-leituras. Acesso em: 01 mar. 2021.

DE OLIVEIRA, Emanoel Magno, A; DE SANTANA, Iolanda, Cardoso; ALVES, Adjair. Radcliffe-Brown e o Estrutural-funcionalismo: a questão da mudança na estrutura e no sistema social. Revista Diálogos – N.° 11 – abr./mai. ‐ 2014. 234-254. p. 236-237. Disponível em: https://www.revistadialogos.com.br/Dialogos_11/pdf/Radcliffe_Emanoel_Iolanda_Adjair.pdf. Acesso em: 01 mar 2021.

HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: Uma breve história do amanhã. Tradução Paulo Geiger. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

RADCLIFFE-BROWN, Alfred, Reginald. Estrutura e Função na Sociedade Primitiva. Orientação de Roberto Augusto da Matta e Luiz Castro Faria, trad. de Nathanael C. Caixeiro. Vozes: Petrópolis, 1973.

SABINO, Cesar; CARVALHO, Maria Cláudia, da Veiga Soares. Estrutural-funcionalismo antropológico e comensalidade: breves considerações sobre a mudança social. Demetra; 2013; 8(Supl.1); 215-239. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/demetra/article/view/8094. Acesso em: 01 mar. 2021.

SCKELL, Soraya Nour. Os juristas e o direito em Bourdieu: A conflituosa construção histórica da racionalidade jurídica. Revista Tempo Social. São Paulo, v. 28, nº 1, p. 157-178, abril, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v28n1/1809-4554-ts-28-01-00157.pdf. Acesso em:
01 mar. 2021.