Platão e Aristóteles são uns dos maiores filósofos do período clássico, de modo que seus pensamentos se perpetuam até os dias atuais. Ambos os filósofos tinham como objeto de estudo a descoberta da origem das ideias. O primeiro tinha como norte o abstracionismo como linha de investigação do seu objeto de estudo - o chamado idealismo platônico - enquanto o segundo partia do empirismo como pano de fundo para suas investigações - realismo aristotélico.

Nesse sentido, convencionou-se caracterizar como pensamento platônico aqueles que “tendem a ser racionalistas, que privilegiam o estudo abstrato das ideias”¹, enquanto “os aristotélicos tendem a construir suas abstrações a partir da observação dos fenômenos empíricos”² (COSTA. 2020).

No contexto atual de pandemia é possível observar a influência desses dois tipos de pensamento nas retóricas das autoridades, no que tange às soluções para a pandemia.

Conforme Aristóteles, a retórica faz parte da “vida social e política”, de tal modo que a todo o tempo estamos rodeados por esse tipo de discurso. No entanto, a retórica aristotélica é peculiar, e nela podemos identificar, essencialmente, três traços principais: a ausência de silogismos irrefutáveis,  a construção de fundamentos que irão dar encalço aos argumentos e a presença de silogismos retóricos.

“É nessa perspectiva que ele propõe a formação de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construção de cada discurso, visando estabelecer, conforme suas próprias palavras, “(...) quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos, quando falamos a favor ou contra uma proposta.” (ARISTÓTELES, 2007, I, 7, p. 49). (...) Halliday (1990, p. 66-67) nos faz lembrar que Aristóteles distingue entre as verdades imutáveis da natureza (theoria), que seriam do domínio da ciência, e as verdades contingentes (phronesis) a exemplo de definições sobre o justo ou o injusto, o belo ou o feio, útil ou inútil, envolvendo crenças e valores que transitam pelo que é verossímil, ou seja, provável, aceitável. Sobre esse assunto, Plebe (1978, p. 39) ressalta que a retórica “[...] não se efetuará, portanto, por meio dos silogismos irrefutáveis, mas por meios de silogismos tais que sejam convincentes, embora refutáveis. A estes silogismos Aristóteles dá o nome de entimemas ou silogismos retóricos”. (A Retórica em Aristóteles. Natal, 2011).

Nesse sentido, a retórica aristotélica não visa rebater as verdades imutáveis, como por exemplo, as teses científicas (silogismo irrefutável) por outro lado, na retórica aristotélica questiona-se as verdades contingentes, ou verdades relativas (silogismo retórico) que variam de pessoa para pessoa, e são construídas através de crenças e tradições de cada povo. Além disso, para Aristóteles a retórica tem que ser bem delineada, a dizer: são necessários fundamentos cristalinos que subsidiam uma tese.

Posto isso, observa-se que os mais variados discursos do atual Presidente da República Federativa do Brasil não seguem os postulados da retórica aristotélica. A título de exemplo, quando essa autoridade do executivo defende a eficácia de um remédio, denominado como  hidroxicloroquina, para o tratamento da Covid-19, na ocasião em que praticamente toda a comunidade médica e, inclusive, a OMS - Organização Mundial da Saúde - taxativamente dizem que esse remédio não é eficaz para o tratamento dessa doença, mas sim, a depender da situação do paciente, é prejudicial para a recuperação, ele tenta rebater uma verdade imutável, incorrendo no silogismo irrefutável, e, por conseguinte, vai na contramão da retórica aristotélica.

Assim, são diversos os discursos do Presidente da República do Brasil que não seguem a retórica aristotélica, ou porque são baseados em silogismos irrefutáveis, ou porque são discursos que levantam teses com fundamentação vazia.

Mas o curioso é que mesmo esses discursos, aliás, que são os mesmos desde as campanhas eleitorais até a ocupação do posto de Presidente da República, foram capazes de persuadir milhões de brasileiros a votarem “17”, nas eleições de 2018… Entretanto, essa é uma questão a ser levantada talvez em outra oportunidade, mas é algo inusitado, não é mesmo?!

Por outro giro, a retórica platônica  é o mecanismo de reverberação da verdade para os demais interlocutores. Assinala-se que a verdade, em Platão, pode ser vista como aquilo que “é correto por natureza e assim sendo não pode estar escondido, mas é pura e limpamente visível como correto” (RODRIGUES, F, Guilherme, p. 3. 2011).

“Platão se estabelece no pensamento socrático da busca da verdade. A palavra usada no grego é aletheia é composta da raiz lethe e de um alfa privativo, lethe sendo o escondido, o esquecido, o esquecimento; ou seja, pode-se pensar numa tradução literal da palavra: aquilo que não se esquece, o que se revela. Ora, para HEIDEGGER em seu Plato’s Doctrine of Truth, Platão mudou a noção de aletheia no pensamento grego. Primeiramente, Socraticamente falando, usava-se o conceito daquilo que se revela como verossímil, porém em Platão, aletheia é aquilo que é correto, ou seja, aquilo que por natureza é correto e assim sendo não pode estar escondido, mas é pura e limpamente visível como correto. Apesar dessa visão de Heidegger, estamos a concordar mais com a visão de PETRUZZI (1996) quando esse diz que a verdade platônica se estabelece na retórica. Estar em verdade para em Platão é estar em comum acordo com o interlocutor, ou seja, utilizar-se da retórica, da persuasão para a revelação da verdade. (RODRIGUES, F, Guilherme, p. 3. 2011).

Nessa senda, observa-se que os discursos do Presidente da República, a depender da perspectiva, até podem ser enquadrados como platônicos, uma vez que visam disseminar um determinado ponto de vista - que para muitos é visto como correto - para a população - interlocutores.

Dessa forma, o argumento de que a hidroxicloroquina é eficaz no tratamento de Covid-19 agrada ainda um grande percentual da população brasileira, o que faz entender que os apoiadores desse argumento os têm como verdade irrefutável e, logo, também disseminam esse argumento para os demais indivíduos. Assim, de fato é relativo o enquadramento de determinados discursos como sendo platônico ou não, pois é algo que depende da subjetividade de cada povo, de forma lata, e de cada indivíduo, de modo estricto sensu.

Ante o exposto, conclui-se que é possível identificar que os discursos do Presidente da República Federativa do Brasil estão na contramão da retórica aristotélica, uma vez que questionam as verdades irrefutáveis - silogismo irrefutável - e não seguem uma fundamentação consistente, a ponto de sustentar com afinco suas teses. Por outro lado, tais discursos podem até ser enquadrados como platônico, na medida em que buscam espalhar entre os interlocutores ideais que são “corretos por natureza”, definição esta que é carregada de subjetividade.


¹ Costa, Alexandre. A filosofia grega. Arcos, 2020. Disponível em https://novo.arcos.org.br/a-filosofia-grega/

²Costa, Alexandre. A filosofia grega. Arcos, 2020. Disponível em https://novo.arcos.org.br/a-filosofia-grega/

Referências bibliográficas:

Costa, Alexandre. A filosofia grega. Arcos, 2020. Disponível em https://novo.arcos.org.br/a-filosofia-grega/

Costa, Alexandre. A ética grega. Arcos, 2020.

Rodrigues F, Gabriel. A RETÓRICA PLATÔNICA: UMA LEITURA CRÍTICA DO GÓRGIAS DE PLATÃO. 2011. Unicamp. Disponível em: https://revistas.iel.unicamp.br/index.php/lle/article/view/671/568

Lizaga, José Luis. ¿Puede orientarnos hoy Aristóteles? La cuestión de la “vida buena” desde la ética del discurso. 2010. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/ef/n41/n41a10.pdf
A Retórica em Aristóteles. Natal, 2011. Disponível em: https://portal.ifrn.edu.br/pesquisa/editora/livros-para-download/a-retorica-em-aristoteles/arquivo