INTRODUÇÃO

A pandemia do corona vírus além de, claro, desestabilizar o sistema de saúde da maioria dos países do mundo e ser o causador de milhares de mortes, também se mostrou um fator incitador de discussões políticas, econômicas e sociais. Ao virar o mundo de cabeça para baixo, a pandemia testou a humanidade, tendo esta que se provar frente às desestabilidades e às dificuldades.

Muitos falharam. Neste período, destacou-se o egoísmo, notou-se a ausência de empatia e ofuscou-se a moral. No Brasil, a situação foi se agravando e o descaso de boa parte dos cidadãos ainda permaneceu, o que resultou em cumulações de crises e recordes diários de mortes. Contudo, muitos se perguntam: ao que podemos atribuir este caos generalizado no país? Esta é a questão cuja resposta causa divergências enormes no povo brasileiro, pois sempre tange a esfera polêmica da política.

De fato, atualmente, é impossível desassociar a pandemia da política. Os governantes, enquanto representantes de um povo, possuem o dever da melhor governança possível dentro do contexto em que o país se encontra. E é justamente sobre esse fato que surgem as discussões, por vezes, acaloradas, se as decisões sendo tomadas pelo governo Bolsonaro são apropriadas ou não.

Veja, sob a perspectiva que a conjuntura atual foi causada por um vírus, a razoabilidade clama por uma cura. Cura, esta, encontrada em uma vacina; comprovada, testada e efetiva. Quase um ano de testes e buscas incansáveis pela solução, e a vacina foi gerada, por diversos países, recebendo nomes diferentes, mas sempre com o mesmo propósito: parar com a chacina causada pelo COVID-19.

Apesar dos esforços, com a advento da vacina, surgiram também os cínicos. Estes que não somente não acreditam que a vacina vá solucionar os problemas, mas ainda que ela piorará o quadro, já caótico, da pandemia. O exército do cinismo veio ganhando grande força e multiplicando os seus aliados, os que, por todos os meios que encontram, rejeitam a vacina.

A rejeição de poucos, todavia, atinge muitos. Isso pois, a imunidade de rebanho deve ser atingida para se arrefecer a contaminação, assim, o maior número possível de pessoas deve ser vacinado. Tal realidade trouxe à tona o questionamento da possibilidade ou não de obrigar os antivacinas de serem imunizados contra as suas vontades, em prol do restante da sociedade.

É esta a questão contemporânea que iremos explorar no presente post, trazendo para a discussão os ensinamentos de Platão e de Aristóteles, com o intuito de analisar quais seriam os fatores que cada um dos referidos filósofos levaria em consideração, na sua tomada de decisão, e quais seriam – possivelmente – as suas conclusões. Os platônicos e os aristotélicos, do mesmo modo que apresentam ideias convergentes, entram em desconformidades em certos aspectos e é isto que passaremos a analisar.

PLATÔNICOS: PRÓ OU ANTIVACINAS?

Platão dedicou a sua vida a um só objetivo: ajudar as pessoas a atingirem um estado que chamava de eudaimonia, palavra grega peculiar e fascinante, que se aproxima da definição de “satisfação”. Assim, durante todo o seu trilhar filosófico, Platão buscava propostas que tornariam as pessoas mais satisfeitas.

Para tanto, destacou-se principalmente pela criação da teoria idealista, que divide o mundo em dois planos: o sensível e o inteligível. É dizer que, para os platônicos pode-se notar duas naturezas intrínsecas às coisas existentes: por um lado, há a natureza física da coisa, que as pessoas vêm, tocam e sentem; por outro, a natureza metafísica, que consiste na ideia por detrás daquela coisa, a sua essência, o elemento que a faz ser.

Platão buscou esclarecer às pessoas que aquilo que elas vêm e tomam por verdadeiro, muitas vezes, é eivado de vícios. Para o filósofo, o mundo físico é enganoso e irracional; enquanto o metafísico é o que permite às pessoas acesso à verdade das coisas. Como se nota, Platão era um árduo defensor da racionalidade, ele propunha que, em grande medida, nossa vida dá errado porque quase nunca dedicamos o tempo necessário a pensar meticulosa, suficiente e logicamente sobre nossos planos.

Ao seu ver, muitas das ideias que as pessoas têm provêm do senso comum e, repetidamente, nos 36 livros que escreveu, Platão demonstrou que o senso comum está repleto de erros, preconceitos e superstições. Justamente por defender esta ideia, que Platão é conhecidamente um antidemocrático.

Para ele, precisamos de novos heróis, que se distinguiriam por seus históricos de serviços prestados ao público, pelo recato, pelos hábitos simples, pelo desagrado com as luzes da fama e pela experiência ampla e profunda. Em bom português, idealizava uma monarquia, onde os reis eram filósofos e se guiavam pela razão. Somente através da imposição de decisões acobertadas pela racionalidade é que o povo seria guiado corretamente para a direção da eudaimonia.

Feitas tais considerações sobre as convicções de Platão, pode-se agora adotar um olhar platônico sobre a situação contemporânea da exigência da vacina aos que a rejeitam. A problemática sob discussão se baseia em ideais políticos e em crenças emotivas, não há nenhuma racionalidade norteando a decisão de uma pessoa que, ignorando todos os testes efetuados e exames comprovados, conclui por não tomar uma vacina. Neste primeiro momento, por si só, já podemos afirmar que Platão não participaria do exército dos cínicos descrentes, mas sim dos críticos fundamentados.

Para além disso, pelo fato de o movimento dos antivacinas ter crescido, em grande parte, devido aos meios de comunicação em massa, através da divulgação de fake news e testes fraudados, Platão o veria com maus olhos. Isso pois, para ele, a exposição constante a uma tempestade de vozes confusas, como acontece muitas vezes nos meios de comunicação em massa, é um dos piores cenários para nós, indivíduos. Razão pela qual era, inclusive, defensor da censura.

Assim, fica notório que Platão, não somente seria contrário à disseminação de informações capciosas que está por trás dos antivacinas, como entenderia que seria direito do governante – indivíduo regrado pela razão – vincular todos à imunização. As questões democráticas que restam por detrás da liberdade de não tomar vacina, não são importantes para os platônicos. Enquanto, iluminada pela racionalidade e em prol da satisfação da sociedade em geral, a decisão do governante será absoluta e obrigatória, haja vista o povo ser incapaz de se desassociar, por si só, dos vícios e preconceitos presentes no mundo sensível.

O PONTO DE VISTA ARISTOTÉLICO

Aristóteles também tinha a Eudaimonia como um objetivo final a ser alcançado, para que as pessoas vivessem uma vida mais próxima da satisfação e da felicidade. Diferentemente de Platão, no entanto, ele não dissociava os planos sensível e inteligível, muito pelo contrário. Para Aristóteles, seria impossível que as pessoas entendessem a verdadeira essência das coisas ignorando seu aspecto físico e material, uma vez que este também comporia esta verdadeira essência.

A partir disto, entende-se que Aristóteles não seria um defensor tão ferrenho da racionalidade, tal como Platão, uma vez que acreditava que existiam fatores mais diversos que influenciariam na percepção das coisas. Ele não via como viável a separação completa entre os mundos físico e metafísico, uma vez que seria a junção dos dois que nos permitiria formar um juízo sobre as coisas para começo de conversa.

Ocorre que, quando se parte do pressuposto de que existe um caminho correto a se seguir, que para Platão seria aquele descoberto após retirar-se o véu de erros e preconceitos ao qual nos induz a camada física das coisas, entende-se que as percepções não estão sujeitas às variantes da percepção individual de cada pessoa. Assim, cada indivíduo poderia ter uma ideia diferente de qual caminho seria mais prazeroso para si, mas a verdadeira Eudaimonia só seria atingida se estes interesses individuais fossem postos completamente de lado em prol dos coletivos. Para Aristóteles, no entanto, seria impossível ignorar todas as subjetividades envolvidas neste processo de encontrar o tal caminho a ser seguido.

Ainda que Aristóteles defenda o reconhecimento destas individualidades decorrentes da dissociação impossível entre os mundos sensível e inteligível, ele não deixa de dar prioridade para o coletivo, o que o torna essencialmente diferente do Hedonismo. Enquanto este considera o bem individual como objetivo por si só, aquele tem como objetivo o bem coletivo, que no final se traduziria em bem para cada um.

Trazendo para a atual questão da vacina, a visão Aristotélica não se diferiria da Platônica quanto à obrigatoriedade da aplicação de vacinas, uma vez que este é o caminho cientificamente comprovado para atingir o objetivo do bem comum. Ele, no entanto, não ignoraria as variáveis políticas e econômicas, como sugeriria Platão, mas sim as sopesaria por entender que elas fazem parte do cálculo a ser feito – ainda que também não as visse com bons olhos, como a questão das notícias falsas contrárias à vacinação.

Aristóteles, no entanto, não ignoraria as questões democráticas na discussão, pelo contrário. Ele entenderia, justamente, que faz parte da democracia a busca pelo bem comum acima de tudo, e se colocaria a favor da vacinação compulsória mesmo desconsiderando a vontade daqueles contrários por interesses puramente individuais.

Por fim, percebe-se que tanto Platão quanto Aristóteles podem ter uma mesma percepção final sobre o assunto, mas os caminhos de pensamento e reflexão que os levaram até lá são divergentes pois partem de pressupostos divergentes de cada um deles.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Grandes Pensadores: The School of Life. Tradução: Beatriz Medina. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.

COSTA, Alexandre. A filosofia grega. Arcos, 2020.

COSTA, Alexandre. A ética grega. Arcos, 2020.