Autores: Alan Alves Ferro, Anna Beatriz Fontes Pacheco, Eduarda Souza Dantas Martins Torres, Karine Soares Martin da Silva, Marcos Roberto Medeiros e Vítor Imbroisi Martins.

De pronto, podemos afirmar que não foi possível encontrar uma resposta à questão capaz de sintetizar, de forma perfeitamente homogênea, o sentimento de todas as pessoas do grupo. Em verdade, há uma dificuldade inicial em delimitar o que seria o estudante típico da UnB. Aliás, esse objetivo não é vencido nem mesmo se reduzirmos nossas pretensões ao grupo de alunos da Faculdade de Direito. Em verdade, a Casa idealizada por Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e outros grandes educadores é marcada por grande diversidade entre aqueles que lá estudam.

A suposta figura de um estudante típico não ganha forma nem mesmo em nosso grupo, um reduzido espaço amostral, mas que possui estudantes mais jovens e egressos do Ensino Médio para a primeira graduação e estudantes em um segundo curso superior, em estágio mais adiante da vida adulta, isso para citar apenas uma característica de ponderação sobre as peculiaridades de cada um.

Tarefa ainda mais difícil foi a de estabelecer uma unidade sobre a localização do sentimento de mal-estar percebida por cada integrante. Contudo, nosso debate partiu da ideia apresentada no texto de leitura obrigatória1. Na modernidade, identifica-se que a falta de um sentido metafísico, acompanhada de um empobrecimento espiritual, frente a racionalização da modernidade, poderia acarretar nas pessoas certo desencantamento com o mundo, tido como vazio. Na pós-modernidade, o mal-estar poderia se apresentar em decorrência da percepção de que não obstante os avanços científicos entregues pela modernidade, ainda se verifica uma sensação de desamparo e insegurança diante das novas formas de viver do mundo atual, de onde emergem novas formas de desconforto, como o debate sobre a liberdade e seus custos, pois o ganho de uma coisa implica a perda de outra coisa2.

Há, inclusive, em razão dessa sensação de insegurança frente a novas formas de se viver, uma percepção de "um retorno às origens". Observa-se, cada vez mais, movimentos de regresso às percepções antigas como o terraplanismo, o movimento antivacina, dentre outros. O avanço gerado pela tecnologia gerou - e ainda gera e gerará - um medo entre determinada parcela da população que se vê ameaçada, provavelmente em função da capacidade limitada dos seus sistemas de conceitos que lhes foram incutidos, e, por isso mesmo, fecham-se. E quem se fecha, em um mundo de constante avanço e mudança, em verdade, retroage.

Afinal, como discutido anteriormente, é uma árdua tarefa dar-se conta que todos veem o mundo através de lentes - e que estas são ajustáveis a depender da rigidez do seu paradigma. Semelhante a Thomas Kuhn3 e a sua aplicação dos paradigmas à ciência, as ideologias e filosofias de um indivíduo tendem a se estabilizar como o normal imutável. Entretanto, dentro do contexto científico, o autor afirma que há períodos de crise no estrutura paradigmática que geram os avanços e a instauração de uma nova tradição, a qual, no primeiro momento, parece sempre ter existido. Entretanto, dentro da ótica do indivíduo, as falhas e incongruências nos conceitos adotados tendem a permanecer e repelir, agressivamente, tudo o que lhe põe em dúvida.

Conforme bem colocado pelo professor Alexandre Costa, em seu texto <<Os dilemas da contemporaneidade>>, na seção O mal-estar da contemporaneidade, “apesar dos ataques da modernidade às tradições, existem vários tradicionalismos contemporâneos que se opõem diretamente às perspectivas que descrevemos como modernas4”.

Essas várias perspectivas são percebidas em nosso grupo de diferentes formas. Menciona-se a experiência vivida por um dos integrantes do grupo, que é homoafetivo e nasceu ainda no período da Ditadura Militar no Brasil, quando a homossexualidade era um tabu em ambiente de regras rígidas, em que o conservadorismo, principalmente da igreja católica, imperava no país. Esse mesmo integrante teve seus direito civis negados ao não ter o reconhecida a união que mantinha com seu companheiro desde 2008. Somente em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo mediante o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e, em 2013, a Resolução n.º 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que disciplina o casamento homoafetivo, entrou em vigor, obrigando os cartórios a realizarem casamento entre casais do mesmo sexo.

Cabe destacar que algumas igrejas e entidades religiosas, na qualidade de amicus curiae, defenderam, diante do STF, que o direito à união estável não fosse reconhecida aos casais do mesmo sexo. Em sua sustentação oral perante à Suprema Corte, o advogado representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sustentou que “afeto não pode ser parâmetro para constituição de união homoafetiva estável5”.

Esse é um exemplo do movimento anti-intelectual, de matriz religiosa e conservadora, apresentado pelo professor Alexandre Costa6. Segundo o professor, esse movimento “tem se dedicado a promover uma restauração dos valores tradicionais que foram contestados pela modernidade como um todo, e não apenas por sua fase líquida”.

Outro membro do grupo é pai de uma menina prestes a completar 13 anos. Embora ele tenha crescido em um ambiente cristão e seguido ritos religiosos durante boa parte da vida, há anos não frequenta uma igreja ou prática os costumes de sua antiga fé. No seu sentir, não lhe parece recair o mal-estar da modernidade, pois em nome da espiritualidade, tradição ou da metafísica, desconforto haveria em impor a observância de ritos religiosos a sua filha em prol de um suposto direito natural dos pais sobre os filhos. Outros estudantes ainda não são pais, no entanto, nada lhes impede de fazer projeções acerca do que fariam se fossem ou de como avaliam seu contexto religioso enquanto filhos. Debate interessante se apresentou. Todavia, cada qual tem sua experiência de vida e percepção de mundo construída a partir de valores distintos e percepções própria, como diz Freud “o adulto não pode ter sido o mesmo desde o princípio7", sendo, desse modo, infrutífera a missão de se encontrar uma opinião que possa ser dita típica dos estudantes que compõe o grupo.


NOTAS E REFERÊNCIAS

[1]    COSTA, Alexandre (2020a). Os dilemas da contemporaneidade. Texto de leitura obrigatória.

[2]    Id. (2020b). Bauman e o mal-estar da pós-modernidade.

[3]    Kuhn, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.

[4]    COSTA, Alexandre. Op. cit. (2020a).

[5]    Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/noticias/afeto-nao-pode-ser-parametro-para-uniao-homoafetiva-diz-cnbb . Acesso em: set. 2020.

[6]    COSTA, Alexandre. Op. cit. (2020a).

[7]    FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 17.