Autores: Jezebel de Melo Eiras, Nikolly Milani Simões Silva e Roberto Augusto Brito Alves.

O direito possui diversas ramificações e entendimentos em razão da quantidade de possibilidades que temos para fazer. O direito se baseia em questões sociais, culturais e científicas, contudo, ele é entendido de diferentes formas a depender do período em que nos encontramos e dos problemas sociais latentes nesse período.

Não só isso, ao longo dos anos, diversos foram os juristas que estudaram e escreveram sobre o direito, trazendo perspectivas diferentes e por muitas vezes contrapostas. Assim, é possível perceber que ao longo do tempo o direito foi se moldando para tentar resolver os problemas atuais, contudo, esses aspectos mudam de região para região, fazendo com que a abordagem também seja distinta.

A construção do direito é muito única em cada lugar do mundo, e algumas dessas construções reverberam pelo direito de maneira geral, como é o caso do jusnaturalismo, em que o direito estava atrelado à igreja e ao estado, o que levava à uma concepção de universalidade e de acessibilidade, em que todos tinham os mesmos direitos, as mesmas oportunidades e todas essas já eram pré-definidas por Deus. Esse período também foi muito centrado nos dogmas construídos e pacificados no momento.

Contudo, com o passar do tempo as realidades foram mudando, o que levou a uma atualização crítica sobre como o direito funciona. A partir daí, o juspositivismo surgiu como contraponto em relação ao jusnaturalismo. Desta forma, a sociedade passou a ver o direito de outra forma, sem a ideia de um direito universal, e valorizando mais as leis e as instituições jurídicas, já que somente assim seria possível alcançar justiça.

A partir desse momento, o direito começou a ser visto enquanto ciência, tendo como expoente para essa transição, Hans Kelsen, que teve como objetivo retirar do direito tudo aquilo que não é jurídico, focando assim, nas normas jurídicas.

Tais momentos estão diretamente relacionados com a ideia de soberania. Enquanto o jusnaturalismo possui uma visão muito mais conservadora em relação ao papel do soberano, tendo este enquanto representação de Deus, no juspositivismo a ideia é muito mais voltada para a limitação do poder e o estabelecimento de parâmetros para essa soberania que agora já não é mais baseada em um direito natural, mas em um direito moral.

Contudo, é importante ressaltar que apesar do jusnaturalismo não ser a opção mais aceita atualmente, ainda podemos ver a atuação dela em várias ações da população. Afinal, a sociedade continua atrelada a vários dogmas e de alguma forma acredita que os direitos estão diretamente relacionados à natureza das coisas. (COSTA, 2020)

Atualmente, tais vertentes são estudadas no início dos cursos de direito como a base do direito e como forma de ilustrar as diversas teses do direito. Após essa fase de introdução, passamos para o estudo exaustivo das normas jurídicas. Tais normas também são atualizadas ao longo dos anos em razão das constantes mudanças que a sociedade passa.

Diante disso surge a insegurança quanto ao status de ciência atribuído por muitos à dogmática jurídica. Isso porque quando falamos de ciência, entendemos que “ toda ciência precisa ter um objeto empírico e um método determinado.” (COSTA, 2020)

Alan Chalmers, autor de “O que é ciência afinal?” (1993) descreve a concepção amplamente aceita do conceito de ciência da seguinte forma:

“Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente” (CHALMERS, 1993, p. 23).

Sendo assim, de forma geral, entende-se por “ciência” tudo aquilo que não é baseado em mera ideologia ou opinião pessoal, mas o que é concreto e definitivo com embasamento empírico. É por esta razão que a discussão sobre quais tipos de conhecimento enquadram-se no conceito de “ciência” dura mais de séculos e, até hoje, causa controvérsias.

Para Hans Kelsen, autor de “Teoria Pura do Direito” (1998), pode-se afirmar que o cerne científico do Direito encontra-se inserido na norma jurídica:

“Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação - menos evidente - de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência, ou - por outras palavras - na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas”  (KELSEN, 1998, p. 50).

O Direito como ciência jurídica existiria, então, de forma estática - a partir dos comandos normativos propriamente ditos - e de forma dinâmica - a partir das atitudes humanas tomadas a partir das normas (Sparemberger, p. 89-90, 2014).

Para ser integralmente considerado como ciência, no entanto, o Direito deveria usufruir de ferramentas metodológicas e ter um objeto motor específico. Considerando que a ciência jurídica, por si, busca compreender e regular as atividades humanas exercidas e aplicadas a partir das normas jurídicas estabelecidas, é difícil enxergar o Direito como um ramo separado e intrinsecamente distinto das demais ciências humanas.

O papel da ciência jurídica de analisar o conteúdo disposto nas normas que regulam o funcionamento das sociedades e seus desdobramentos não é, per se, um papel crítico. Isto é, a ciência do Direito está na norma e não na sua discussão. Uma vez que a norma já existe, o que vem depois dela não consistiria em uma ciência digna de um ramo diferente.

Isso ocorre porque, independentemente da utilização de qualquer tipo de juízo de valor ou ideologia às análises feitas a partir das diretrizes impostas pelo Estado, não há qualquer tipo de alteração nas normas em si. As normas devem ser aplicadas da forma correta e assim o serão independente da opinião dissidente daquele que a analisa.

Hans Kelsen (1998) aponta que a Teoria Pura do Direito seria a única ciência jurídica capaz de isentar-se de uma postura imparcial/ideológica e atingir o patamar de ciência de fato.

Neste sentido, a Teoria Pura do Direito tem uma pronunciada tendência antiideológica. [...] Quer representar o Direito tal como ele é, e não como ele deve ser: pergunta pelo Direito real e possível, não pelo Direito “ideal” ou “justo”. Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo jurídico. [...] Como ciência, ela não se considera obrigada senão a conceber o Direito positivo de acordo com a sua própria essência e a compreendê-lo através de uma análise da sua estrutura. [...] Assim, impede que, em nome da ciência jurídica, se confira ao Direito positivo um valor mais elevado do que o que ele de fato possui, identificando-o com um Direito ideal, com um Direito justo; ou que lhe seja recusado qualquer valor e, conseqüentemente, qualquer vigência, por se entender que está em contradição com um Direito ideal, um Direito justo. (KELSEN, 1998, p. 75).

Apesar dessa dicotomia, resta a dúvida acerca da real capacidade do Direito em eximir-se de sua tão característica natureza ideológica e parcial, uma vez que seu objetivo é analisar o conjunto de normas que, ao final, relacionam-se às questões humanas. A sociedade está em constante movimento e se altera a todo instante, sendo impossível prever quão estática será a norma diante de tais mudanças.

Para que a ciência jurídica seja considerada ciência de fato, é preciso que o Direito seja responsável pela análise de normas que estejam aptas a serem alteradas diante da necessidade de adaptação à nova realidade social para qual elas estão previstas (Sparemberger, p. 89-90, 2014)

CALIMAN, Geraldo; RIBEIRO, Neide Aparecida Ribeiro. O Direito como Ciência: Limites e Possibilidades. Revista do Mestrado em Direito, Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília, V. 10, nº 2, p. 314-329, Jul-Dez, 2016.

CHALMERS, Alan F. O que é ciência afinal? Editora Brasiliense, 1993.

Costa, Alexandre. O jusracionalismo de Kant. Arcos, 2020.

Costa, Alexandre. O ocaso do jusnaturalismo. Arcos, 2020.

Costa, Alexandre. Curso de Filosofia do Direito. Arcos, 2020.

Sparemberger, Raquel Fabiana Lopes. 2013. A Ciência do Direito: Uma Breve Abordagem. Revista Direito Em Debate 9 (14). 2014. Disponível em: <http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/5191/A%20ci%C3%AAncia%20do%20direito.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 set. 2021.