Ao se deparar com a realidade, é perceptível que não se sustenta a ideia simples de que o direito é apenas um conjunto de normas, os desafios se encontram no dia-a-dia e a aplicação da norma ao caso concreto prossegue pedindo o auxílio das outras áreas do saber, quais sejam a filosofia, a sociologia, a psicologia, a medicina (mais ainda nos dias atuais, em tempos de pandemia), e muitas outras ciências que precisam ser exploradas até por juristas para que se expandam os horizontes normativos a fim de realmente satisfazer a demanda estatal por justiça.

Por muito tempo perdurou no direito a ideia de que é preciso criar boas leis para que sejam aplicadas friamente pelo aplicador da norma, sem juízo de valor, sendo o rigor científico a essência principal, leis que seriam ideais aos casos e aplicadas de forma impessoal, o que acarretaria sobre as diferentes resoluções, uma solução adequada e semelhante em todos os casos, independente do julgador, ou seja, a lei era aplicada sob o fundamento de que assim deveria ser, pois estava escrito no código, a fundamentação não levava em conta nenhuma característica pessoal do caso, apenas a normatização, tendo como principal precursor, Hans Kelsen (Praga, 11 de outubro de 1881 — Berkeley, 19 de abril de 1973), nascido na República Tcheca.

Após as críticas sobre o positivismo se tornarem frequentes no meio acadêmico, as teorias da argumentação jurídica começaram a ganhar forças. A percepção de que os casos julgados, por mais que estivessem conforme a aplicação da norma ao caso concreto, apareciam sintetizados pelas preferências políticas dos magistrados, o que seria visto com maus olhos por quem se guia fielmente pela doutrina encontrada na Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, visto que a racionalidade deveria ser o cerne, sem que fosse atribuído juízo de valor ou a pessoalidade do magistrado e levava em conta o “dever ser”, na decisão dos juízes, porém, nas teorias da argumentação, era explorado a análise que identifica o modo pelo qual o caso seria analisado na prática, o que realmente acontecia nos tribunais, sem o ideal de um juiz puro que sempre julga sem juízo de valor, dado a impossibilidade desta, quando posto diante da realidade fática.

Fatores que influenciam na decisão judicial são indicativos de que o direito não é apenas a subsunção, a realidade fenomênica com sua variação, dinâmica e movimento refletem também no direito. O magistrado que vai tomar uma decisão cujo efeito pode definir sobre o futuro de 2 uma pessoa, passa por diversas mudanças, afinal, nada é totalmente estático, como já afirmou Heráclito de Éfeso. A biologia, a medicina e as ciências da saúde estudam a variação hormonal, os diferentes sentimentos que se passam no dia-a-dia de uma pessoa, por mais que um juiz tenha o dever de ser impessoal, na prática, as variações de humor são obstáculos encontrados para que haja a perfeita remoção do juízo de valor, sendo a mudança de ânimo, apenas o exemplo mais perceptível, muitos são os fatores que podem influenciar em um dia de decisão, como afirma Araújo Costa: “as decisões judiciais (como quaisquer outras decisões) decorrem de julgamentos fortemente influenciados pelas condições subjetivas do juiz” (p. 272). Alguns fatores podem ter grande relevância nas decisões que ensejarão efeitos jurídicos nas vidas das pessoas, um exemplo simples é a decisão com o viés político, refletido implicitamente nas decisões, é quando o magistrado demonstra em seus argumentos e fundamentações aquelas que refletem a sua convicção ideológica, manifestada em vários casos, principalmente nas cortes superiores, que decidem muitos casos amplamente debatidos, isso também é perceptível em cortes caracterizadas como mais conservadoras ou as cortes progressistas, que assim se caracterizam por suas decisões político ideológicas.

Fatores subjetivos que influenciam decisões são os maiores exemplos de que o direito não se limita à simples aplicação das normas. Outros exemplos podem ser encontrados, como a vontade por parte dos magistrados de se destacarem perante a opinião pública ou sobre o olhar do grupo acadêmico no qual faz parte, até mesmo pelos colegas magistrados, que farão juízo de valor sobre a análise e julgamento do juiz, daí, outro fator que pode influenciar em uma decisão judicial, o que não exclui a análise sobre o convívio familiar do magistrado e como a decisão pode afetar a forma que os filhos, o cônjuge e demais parentes pensarão sobre quem decidiu, o que também pode gerar efeitos em um caso concreto, já que ele pode decidir seguindo sua tradição familiar e tomar uma decisão que lhe venha a tornar mais aceito perante seus familiares e demais pessoas de seu convívio. Diante da apresentação destes variados fatores que podem surtir efeito em alguma decisão, trazidas somente a título de exemplificação, para reafirmar que o direito vai além, fatores como esses devem ser levados em conta, juntamente com o apoio normativo e a sua aplicação no caso concreto, um direito que busca entender a condição do ser humano, limites e capacidades, fazendo uma mescla com a importância da norma, sem que desqualifique as demais áreas do saber que devem estar em junção com o direito presente para que exista uma verdadeira normatização que se preocupe com a realidade, produzindo, por consequência, menos injustiças e uma maior dose de realidade, tanto na 3 capacidade de recorrer às instâncias superiores quanto no menor índice de casos que não tiveram o pleno desenvolvimento eficaz.

Exemplo de um movimento que vem criando uma emancipação normativa é o Direito Achado na Rua (DANR). O DANR é de grande relevância para a sociedade atual, o projeto é portador de um meio transformador dos espaços públicos, busca de forma ampliada um consenso entre a relação dominador e dominado de forma que a minoria estabelecida na função de oprimida tenha mais voz, é necessário a pesquisa e a forma ampla de se conhecer o Direito para que as relações sociais se tornem mais igualitárias em questões jurídicas. A rua em sua característica de espaço de onde se constrói o Direito, é um espaço de onde surge as demais formas de se pensar na sociedade, tendo voz e sendo palco das variadas formas de se estabelecer uma configuração nas normas atuais. É de uma necessitada atenção que se pode afirmar na Rua como o meio mais significante de se estabelecer um olhar necessitado por uma sociedade esquecida, sendo assim, grande exemplo de que o direito pode emanar da realidade fática das mais variadas classes, com variedades de entendimentos e organizações sociais diversas, e não só pelo que é “engessado” desde os primórdios. O direito, ao contrário do que prega o positivismo jurídico, não pode se estabelecer em um único caminho, deve ser pensado em sua forma ampla, prevalecendo sobre toda a sociedade e a coletividade estabelecida. A normatização não pode limitar-se a uma abrangência exclusiva de normas que muitas das vezes se encontram na desvantagem limitada do “anti-pluralismo” e de conceitos ultrapassados que, de forma elitizada, não leva a um coletivo social, onde classes necessitadas não aproveitam dos frutos que por elas são estabelecidos, sendo muitas das vezes marginalizadas por falta de uma devida atenção, característica de uma burocracia estatal elitizada, sendo a burocracia, em parte das vezes, empecilho para que além do direito, haja a justiça, sendo assim, uma forma renovadora que vai além do direito de norma, um caminho de liberdade e vida plena, em acordo com os fundamentos e princípios jurídicos, a justiça como sendo a alma e a injustiça como a “inimiga”, o direito em uma percepção ampla, a fim de ser o guia das decisões dos tribunais, já que os mesmos surtem efeitos para toda uma sociedade, a qual abriu mão de seus direitos para serem um só corpo, o qual precisa do devido amparo estatal na mais alta eficácia.

Bibliografia:

SOUSA JÚNIOR, José Geraldo (org). O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, 260p.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
HORTA, Ricardo de Lins e, e COSTA, Alexandre de Araújo. Das Teorias da interpretação à Teoria da Decisão: por uma perspectiva realista acerca das influências e constrangimentos sobre a atividade judicial. Opinião Jurídica, v. 15, n. 20.