Hans Kelsen é considerado um dos mais importantes filósofos do século XX e iniciador da lógica jurídica. Dentre suas obras, uma das mais conhecidas é, justamente a que aqui será abordada, Teoria Pura do Direito. A filosofia de Kelsen é ainda muito presente entre pensadores e operadores do Direito. Aborda-se, quando menciona-se Kelsen, sobretudo as questões que envolvem norma fundamental, o ser e o dever ser, ciência, moral e justiça.
Sendo uma teoria do direito positivista, quer a Teoria Pura do Direito estudar somente seu próprio objeto, afastando tudo que se possa manifestar como não Direito. Para o autor Felipe Moreira, isso é típico da modernidade uma vez que há a busca pela consolidação do conhecimento e da organização da sociedade por meio das normas. Em Kelsen, tido como um dos maiores representantes do movimento do positivismo jurídico, teve-se a rejeição das doutrinas do direito natural, de forma que reconhecia-se como direito apenas o que estava posto na realidade, positivado.
De acordo com Kelsen, o jurídico nasce a partir da norma. Não é o acontecimento em si que dita o Direito. Não é o ato em si, mas sua significação.
"A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras: o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa."
Assim, o Direito seria o conjunto das normas consideradas válidas, que regulam o comportamento humano. A concepção da norma como um "dever ser" é uma influência Kantiniana. O “dever ser” estabelece a relação de uma lei objetiva da razão com a vontade. Ainda para Kelsen, o Direito é sua própria fonte, uma vez que ele mesmo se regula, na medida em que as normas se formam no processo regulado pelo próprio Direito.
Para Marcelo Minghelli, a teoria de Kelsen expõe que o Direito não interage com o objeto, sua única função é descrevê-lo, sem procurar justificá-lo ou qualificá-lo. Ou seja, a ciência jurídica não prescreve, não cria, não modifica o Direito, não interage com seu objeto. De acordo com o professor Alexandre Costa, "Kelsen tentou construir uma teoria alternativa às concepções dominantes, sustentando um conceito puramente formal de direito."
Em verdade, é possível notar que a realidade do contexto judiciário no Brasil é, por vezes, desapegada à concepção de norma pura. Os julgadores, em sua maioria, não julgam de acordo com os fatos, com a realidade, mas no que têm como certo, baseado em sua concepção estrita do que é o Direito, fruto de suas próprias ideologias. O papel do advogado não é convencer o julgador sobre a realidade dos acontecimentos, mas fazer com que se conclua, de acordo com as concepções próprias de cada julgador, que tal conclusão é a mais adequada. Não existe na realidade as libertações de considerações ideológicas que propunha Kelsen.
Para Kelsen, ainda, “a questão das relações entre Direito e Moral não é uma questão sobre o conteúdo do Direito, mas uma questão sobre a sua forma”. Nesse sentido, existe a concepção de que a Moral não é única, não existe uma Moral válida em todos os tempos e em todo os espaços. O que haveria de realmente em comum a todos os sistemas morais é a sua forma de dever ser, o caráter de norma.
Assim, o Direito para Kelsen é um conjunto de prescrições, sendo uma ordem normativa de coação. Nesse contexto, a norma fundamental seria "É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa." Trata-se, no entanto, de uma norma pensada hipoteticamente e que não existe objetivamente, tendo a finalidade apenas de que os mandamentos legais possam ser considerados obrigatórios.
Como pontua Bobbio, o estudo do ordenamento jurídico como objeto autônomo de estudo realça mais o estudo das normas. Embora o tratamento do Direito como uma ordem normativa, permita que se busque resposta para as questões do isolamento norma, sem sua devida inserção no sistema normativo, não é possível aplicar a Teoria Pura do Direito num ponto da sociedade em que tudo se relaciona com o Direito - a política, a "moral", a religião, a filosofia, as concepções de todos os tipos.
REFERÊNCIAS
Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico.
Costa, Alexandre. Hermenêutica Jurídica, Cap. V (Neopositivismo), item 2: Teoria Pura do Direito. Arcos, 2020.
Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed. Excertos.
MINGHELLI, Marcelo. Crítica waratiana à teoria do direito: os mitos do ensino jurídico tradicional. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba: UFPR, 2001, v. 36, p. 93–104, 2001.
MOREIRA, Felipe Kern. A ciência do Direito em Hans Kelsen: Abordagem filosófico-crítica.