O Direito Natural, no decorrer da história, foi modificado e compreendido de diferentes formas e perspectivas. A partir de quem estava analisando e até mesmo o momento em que se encontrava foram feitas diversas interpretações da corrente jurídica naturalista. Afinal, aquele direito natural imutável e intrínseco ao homem, que deveria ser erradicado com o advento do positivismo jurídico, corresponde ao mesmo direito natural tomista?

Hans Kelsen, consagrado por sua Teoria Pura do Direito, foi ferrenho em críticas a correntes e teóricos do jusnaturalismo, entendendo incompreensível assumir um critério absoluto para o problema da justiça onde procuram, a partir da dedução, extrair da natureza normas de comportamento humano. Assim, este pensamento natural, para a crítica kelseniana, seria incoerente com o tribunal da ciência.

Por sua vez, Hans Kelsen analisa que os teóricos do  direito natural acolheram um direito idealista, e até mesmo, imutável, com seu cerne na natureza como um todo. Essa concepção realmente ocorre com o pensamento moderno do jusnaturalismo.

Contudo, essa reflexão não se faz encaixada com o pensamento clássico do direito natural. Um dos pressupostos imprescindíveis da teoria do Direito Natural tomista é a de reconhecer, prioritariamente, a necessidade de investigar metafisicamente a natureza humana. Assim, este pensamento não tem nada de ideal, uma vez que deve envolver a observação e compreensão da realidade.

Pois bem, o que se mostra, na verdade, é que a tradição clássica do Direito Natural se desvincula do pensamento moderno de Direito Natural no momento em que esta reduz o direito a um conjunto de normas postas pela entidade estatal. O que ocorre é uma redução, por parte do pensamento moderno, do direito a uma perspectiva filosófica onde seus preceitos são tidos como princípios a priori advindos da atividade dedutiva da razão.

Em contrapartida, filósofos clássicos como Aristóteles e São Tomás de Aquino entendem que o direito não possui cunho potestativo e está diretamente vinculado com a virtude da justiça. Tomás de Aquino comprometeu seu estudo do direito de forma associativa com a problemática da justiça. Assim, o que ele defende é que o direito tem por objeto a virtude da justiça, e, por sua vez, a lei mostra-se uma das dimensões do fenômeno jurídico, tratando-se de uma regra ou instrumento jurídico, segundo os pensadores clássicos citados. Acerca disso, Javier Hervenda destaca que "o justo é, por sua natureza, uma coisa concreta e determinada. E, se algumas vezes se apresenta como obscura ou difícil, a coisa é determinável mediante o processo judicial”. (HERVADA, 2008, p. 143).

Outro ponto relevante que vale destacar consiste na diferença fundamental em que doutrina jurídica moderna diferencia em relação ao direito objetivo e direito subjetivo, este com caráter prorrogativo individual, não presente na teoria clássica.

Em uma de suas críticas, Hans Kelsen critica fortemente a “desnecessidade” do Direito Positivo que acredita ser defendida pelos jusnaturalistas. Como levantado, como as regras são trazidas pela natureza, seria descartável e até mesmo tolo um direito positivo. Kelsen afirma que seria compatível com fornecer energia em plena luz do dia.

Gritante é a necessidade de mostrá-lo que a corrente tomista não descarta quanto menos condena o direito positivo. Em uma de suas obras, Tomás de Aquino traz a solução para a coexistência:

“Como já dissemos, o direito ou o justo implica uma obra adequada a outra por algum modo de igualdade. Ora, de dois modos pode uma coisa ser adequada a um homem. - De um modo, pela natureza mesma da coisa; por exemplo, quando alguém dá tanto para receber tanto. E este se chama o direito natural. - De outro modo, uma coisa é adequada ou proporcionada a outra, em virtude de uma convenção ou de comum acordo; por exemplo, quando alguém se julga satisfeito se receber tanto. O que pode se dar de dois modos. De um modo, por uma convenção particular, como quando pessoas privadas firmam entre si um pacto. De outro modo, por convenção pública; por exemplo, quando todo o povo consente que uma coisa seja tida como que adequada e proporcionada a outra; ou quando o príncipe, que governa o povo e o representa, assim o ordena. E a este se chama direito positivo.” (Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino)

Enquanto isso, notadamente,  o pensamento moderno de direito natural é o objeto a que tanto se dedica e se limita as críticas Hans Kelsen.

A partir dessa bifurcação histórica da corrente naturalista, a análise levantada  demonstra que as principais objeções feitas pelo consagrado jurista Hans Kelsen não atingem a doutrina clássica de Direito Natural.  Indo de encontro ao pensamento tomista, Hans Kelsen relacionou o fenômeno jurídico estritamente a norma posta, construindo um conceito puro de direito. Contudo, a partir de uma análise contextual, percebe-se que seu objeto de crítica se faz, na verdade, estritamente referentes às teorias modernas, e, indo além, pauta na compreensão do fenômeno jurídico sob a perspectiva da Modernidade como um todo.

Referências:

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. v. I, parte I. 2ª ed. São Paulo: Edições. Loyola, 2001.

Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed.

Oliveira, Júlio Aguiar de; Lessa, Bárbara Alencar Ferreira. Por que as objeções de Hans Kelsen ao jusnaturalismo não valem contra a teoria do Direito Natural de Tomás de Aquino?. Revista de Informação Legislativa, a. 47 n. 186 abr./jun. 2010.