O projeto de sistematização do direito respondeu uma tendência sistematizadora da própria modernidade. Num primeiro momento, foi levado a cabo pelos filósofos iluministas, que, inspirados pelos ideais pretensiosamente universais da Revolução Francesa, iniciaram um processo de codificação, no qual pretendiam produzir textos legais "perfeitos" e "imutáveis", uma vez estes refletiriam os ditames do "direito natural", revelado pela gloriosa razão humana.

Mesmo sistemático, esse conhecimento jurídico não pretendia ser científico, pois a atividade do jurista seria meramente "técnica", no sentido de que "se concentrava apenas na aplicação prática de um direito positivo cuja sistematicidade era pressuposta pelos seus operadores" (COSTA, 2020a).

No entanto, foi justamente a reação ao projeto iluminista que possibilitou a construção do direito enquanto disciplina científica. A Escola Histórica, representada pelo seu maior expoente, Friedrich Carl von Savigny, lançou um projeto de sistematização concorrente, segundo o qual a unidade do sistema jurídico deveria ser dada não mais em função da reconstrução da intenção do legislador, mas sim do processo histórico e cultural de produção das normas.

Embora também não pretendesse construir propriamente um discurso científico, mas sim um "discurso legitimador de matriz filosófica, que afirmava a validade das normas tradicionalmente reconhecidas" (COSTA, 2020b), a obra de Savigny foi fundamental para a construção de uma ciência jurídica, já que propôs uma síntese de historicidade e sistematicidade, que foi fundamental para o desenvolvimento da Jurisprudência dos Conceitos.

Essa foi a escola que primeiramente tentou infundir no direito uma perspectiva propriamente científica, tendo em vista que a objetividade do conhecimento científico não está baseada na homogeneidade dos fatos com que ela trabalha, mas na sistematicidade dos modelos teóricos elaborados para conferir unidade à diversidade. (COSTA, 2020a)

Pretendia-se extrair da análise do direito positivo dado historicamente os seus principais conceitos, suas regularidades e suas interações, por meio das quais seria possível, a partir de uma metodologia cartesiana, desenvolver um conhecimento uniforme e sistemático do direito, possibilitando a criação de uma teoria geral do direito. Uma teoria que, a partir da observação do direito positivo, seria capaz de organizar as categorias (abstrações) fundamentais do fenômeno jurídico.

Todavia, nas palavras do jurista soviético Evguiéni B. Pachukanis (2017, p. 81):

Qualquer ciência que procede a generalizações ao estudar seu objeto trata de uma única e mesma realidade total e concreta. Um único e mesmo acontecimento - por exemplo, a passagem de um corpo celeste pelo meridiano - pode até servir para conclusões tanto astronômicas quanto psicológicas. Um único e mesmo fato - por exemplo, o arrendamento de terras - pode ser objeto de investigação tanto político-econômica quanto jurídica. Por isso, a diferença entre as ciências se baseia, em larga medida, nos diferentes métodos de aproximação da realidade. Cada ciência tem sua própria concepção principal e, com esse plano, pretende reproduzir a realidade. Assim, cada ciência constrói a realidade concreta de acordo com sua riqueza de formas, relações e dependências como resultado da combinação de elementos mais simples e de abstrações mais simples. A psicologia pretende decompor a consciência em elementos mais simples. A química pretende realizar essa mesma tarefa com relação à matéria. Quando não podemos, na prática, decompor a realidade em seus mais simples elementos, contamos com a ajuda de abstrações. Para as ciências sociais, o papel das abstrações é especialmente importante. A maior ou menor perfeição das abstrações determina a maturidade de dada ciência social. Isso Marx expõe magnificamente a propósito da ciência econômica.

Nessa perspectiva, assim como não se pode reduzir o mundo físico ao estudo da Física, por exemplo, não é possível reduzir a ciência do Direito ao seu objeto de estudo, o direito factualmente encontrado nas relações sociais. Por este motivo não se pode falar que o direito é uma ciência, a despeito de todo o esforço argumentativo dos primeiros positivistas, que tentaram produzir uma teoria pretensiosamente "geral", ou seja, comum a todos os contextos. Em outras palavras, nas ciências sociais, nenhum modelo explicativo corresponde a realidade das práticas sociais.


Costa, Alexandre. Hermenêutica Jurídica. Cap. 3: O positivismo normativista. Filosofia.Arcos, 2020a.

Costa, Alexandre. Curso de Filosofia do Direito. Cap. III. Arcos, 2020b.

PACHUKANIS, Evguiéni B. Teoria geral do direito e marxismo. Tradução Paula Vaz de Almeida. 1ª ed. Boitempo: São Paulo, 2017.