Antes mesmo da criação de governos, as ordens naturais já permeavam as normas de condutas. Assim, nas sociedades que não possuíam um sistema político organizado era comum a presença de ordens naturais arcaicas, pautada nos valores tradicionais que foram naturalizados através de histórias, contos e mitos. Dessa forma, essas normas eram aplicadas a todos os integrantes de forma igualitária, já que não haviam hierarquias bem estabelecidas nessas sociedades.

Contudo, com a invenção dos governos ocorreu uma revolução nessa ordem arcaica e nos conduziu à ordem natural antiga, que inseriu as hierarquias sociais hereditárias e a divisão entre governantes e governados como elementos estruturais da ordem natural. [...]. (COSTA, 2020)

Com o advento do governo, podemos destacar os gregos, que "abriram mão” de certas tradições e passaram a investigar as essências do mundo. Principalmente com Platão, que entendia que tais essências se encontravam além da física, logo haveria um plano da metafísica. Dessa forma, as verdades já se encontravam estabelecidas no cosmos, e cabia ao ser humano encontra-las através da razão. (MIROSLAV, 2017, p 15).

Portanto, era crucial que as normas fossem desenvolvidas a partir de um prisma racional dedutivo ou indutivo, observando por exemplo o a essência da justiça e do bem. Logo, tanto a tradição quanto as normas impostas pelos governantes poderia ser questionada através das ordens naturais da época.

Já na idade Média, o cristianismo muda o pressuposto metafísico dos gregos sem descartar a razão, porque está só explicaria parte do mundo. Entretanto, as explicações para as rupturas de padrões e fenômenos não explicados só podiam ser descobertas em um plano divino/espiritual, alcançado somente pela alma.

“A alma, que por sua razão natural ou ratio inferior conhece as coisas, a si mesma e, indiretamente, Deus, refletido nas criaturas, pode receber uma iluminação sobrenatural de Deus e mediante essa ratio superior elevar-se ao conhecimento das coisas eternas.” (MARÍAS, 2004, p.128)

Dessa forma, os governantes eram entendidos como uma manifestação de divina, porém sua capacidade legislativa era limitada, pois não podiam se dispor ou contrariar as ordens naturais, no caso uma ordem divina. A estes só era permitido legislar em matérias que a religião e os “bons costumes” não abrangiam. Caso contrário, causaria rupturas nas bases normativas que sustentava seu poder, por consequência, os reis dessa época não eram tão poderosos.

Porém, tudo muda com a teoria de um monarca uno e absoluto, Thomas Hobbes, tenta priorizar as normas implementadas pelo governo ao invés dos costumes ou a religião. Logo, para sustentar esta afirmação era necessário justificar o poder do monarca através de uma lógica relacionada à natureza humana. Surge então a teoria contratualista:

“Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas ações” (HOBBES, 1651)

Depois disso, tivemos movimentos iluministas, constitucionalistas e liberais. Alguns desses foram pautados sob o pressuposto apresentado por Immanuel Kant, que “[...] não nos oferece uma metafísica da ordem cósmica, mas uma metafísica da razão: ele coloca a racionalidade humana no lugar que era ocupado pela ordem natural.” (COSTA, 2020).

Porém, ao naturalizar valores morais específicos de sua época, Kant acaba enfraquecendo sua teoria. Isso fez com que a filosofia contemporânea trilhasse o caminho aberto por David Hume. Devido ao fato dele alegar que as ordens naturais só existiam no mundo físico, portanto, nossos valores não são frutos de uma ordem natural, mas de convecções.

Diante disso, a ideia de ordem natural já foi superada filosoficamente. E o indivíduo contemporâneo tem a liberdade de definir seus próprios parâmetros (em tese) sobre o que é a “Justiça”, o “bem” e o “mal”.

Por conseguinte, o jusnaturalismo não se encontra tão presente nos argumentos jurídicos. Visto que, nos sistemas jurídicos atuais, existem as normas positivadas, que são justificadas ou interpretadas com base nos princípios, que por sua vez são válidos porque se encontram em uma constituição.

Contudo, para sustentar tais princípios precisamos partir de um ponto comum para todos, logo, este ponto se torna natural. Por exemplo: A afirmação constitucional de que todo poder emana do povo parte do pressuposto que todos somos iguais. A igualdade no caso se torna uma ordem natural, na medida que, não precisamos justifica-la para que seja aceita socialmente.

Portanto, mesmo com todos os entendimentos filosóficos, as ordens naturais ainda estão presentes no nosso cotidiano. As verdades pautadas em ordens naturais possuem uma imensa força de convencimento, além de ser mais confortável para o cidadão aceita-la ao invés de questiona-la. Isso porque elas norteiam a vida de quase todas as pessoas, portanto, a extinção de tais normas seria algo inimaginável.

COSTA, Alexandre. David Hume e a negação de uma ordem jurídica natural.2020

COSTA, Alexandre. O jusnaturalismo racionalista de Immanuel Kant. 2020

HOBBES, Thomas. Leviatã. 1651

MIROSLAV, MILOVIC. Política e metafísica - São Paulo: Editora Max Limonad, 2017.

MARÍAS, Julián, 1914. História da Filosofía; Tradução: Claudia Berliner; revisão técnica Franklin Leopoldo e Silva - São Paulo: Martins Fontes, 2004.