O curso de Direito é tido, no Brasil, como verdadeira passagem para um futuro de sucesso, sendo inclusive visto por muitos sociólogos do trabalho como verdadeira “ciência imperial”, porquanto historicamente produziu uma prática monopolística de seus operadores e consolidou um prestígio de determinado grupo, criando-se inclusive barreiras em relação a outras profissões (VARGAS, 2010) [1].

Esse binômio “prestígio e sucesso” que se moldou desde o Período Imperial proporcionou ao Brasil alcançar o incrível número de mais de 1.500 Faculdades de Direito em território nacional (JOTA, 2020) [2], o que é extremamente preocupante quando se observa que China, Estados Unidos e Europa possuíam juntos há alguns anos pouco mais de 1.100 instituições de ensino de Direito (GLOBO, 2017) [3].

Ou seja, há um nítido problema estrutural na educação jurídica no Brasil que não pode ser esquecido para qualquer análise que venha a ser feita sobre essa realidade no país.

A título de exemplo, o Selo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), “título” concedido para as instituições tidas como de qualidade, foi apenas certificado para 161 instituições, algo que representa em torno de 10,7% dos cursos de Direito no Brasil (CFOAB, 2019) [4].

Ainda que o critério seja questionável, é um parâmetro objetivo que indica a gravidade da situação. Dessa forma, esqueçamos a medíocre e pífia falácia sobre o título de “Doutor” e a Lei Imperial de 11 de Agosto de 1827 [5] e olhemos para os reais problemas.

Nesse quadro insere-se a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), reconhecida como uma das principais instituições de ensino do país no ramo e berço acadêmico de alguns dos principais juristas do país. Imune a problemas? Jamais.

Em geral, o olhar sobre o curso de Direito da UnB é muito circunscrito à mudança ou não do Projeto Político-Pedagógico (PPP), o que inclusive motiva incríveis discussões sobre eventual direito adquirido a determinado projeto (GONET BRANCO, 2020) [6], mas não tangencia alguns elementos que parecem mais nucleares.

Fato é que os estudantes ao longo do curso se veem quase que obrigados a se distanciarem do ambiente acadêmico propriamente dito pela necessidade de inserção no mercado de trabalho, a fim de que os breves 5 ou 6 anos na Faculdade de Direito não venham a findar no desemprego.

Ainda, há uma série de matérias que são comumente “empurradas” para o final do curso, época na qual há notório cansaço físico e emocional, e que logicamente acabam sendo preteridas em prol do aspecto prático do alcance do diploma.

Por outro lado, é comum que grande parte dos alunos prefira professores com abordagens em sala de aula mais diretas, deixando de lado os (poucos) formatos totalizantes/críticos, o que igualmente demonstra um afastamento dos discentes da leitura e da criação de uma base de conhecimento sólida em prol de uma aprovação mais direta.

Esses três pontos, somados ao quadro anteriormente constatado, revelam que o ensino de Direito na UnB, apesar de excelente, é pragmático. Forma profissionais de destaque, possibilita que se moldem acadêmicos de grande saber pela qualidade da instituição, mas poderia fazer mais.

Dentro das possibilidades mais práticas e imediatas que se vislumbram, um ponto a ser aperfeiçoado seria, por exemplo, a ampliação das matérias no período da tarde nos anos primeiros dois anos do curso. Essa medida, de alguma forma, poderia “atrasar” a busca por um ingresso mais célere no mercado de trabalho e permitir mais tempo de estudo e aproximação com projetos de extensão e pesquisa.

Outra questão seria a alteração do PPP para um novo modelo em que se ampliasse o número de matérias optativas e se diminuísse o número de obrigatórias. Essa mudança, além de possibilitar um remanejamento dos conhecimentos obrigatórios para aspectos mais atuais relacionados às Ciências Jurídicas, criaria um espaço ao estudante para que pudesse executar sua formação de uma maneira que mais lhe parecesse pertinente.

No plano mais abstrato, a questão não envolve apenas mudanças no curso de Direito da UnB, mas sim mudanças estruturais em um sistema de educação cambaleante, majoritariamente fraco e lotado, sustentando-se na estranha balança de profissionais de qualidade das poucas instituições de ponta que existem e profissionais de má qualidade que servem a uma verdadeira cultura de litigância perdida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] VARGAS, Hustana Maria. SEM PERDER A MAJESTADE: “PROFISSÕES IMPERIAIS” NO BRASIL. Estudos de Sociologia, Araraquara, v.15, n.28, p.107-124, 2010.

[2] Brasil tem mais de 1.500 cursos de Direito, mas só 232 têm desempenho satisfatório. JOTA, 2020. Disponível em <jota.info/carreira/brasil-tem-mais-de-1-500-cursos-de-direito-mas-so-232-tem-desempenho-satisfatorio-14042020#:~:text=O%20Brasil%20é%20o%20país,o%20crescimento%20foi%20de%20539%25.>. Acesso em 25/11/2020.

[3] Brasil tem mais faculdades de direito que China, EUA e Europa juntos; saiba como se destacar no mercado. Globo, 2017. Disponível em https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/noticia/brasil-tem-mais-faculdades-de-direito-que-china-eua-e-europa-juntos-saiba-como-se-destacar-no-mercado.ghtml. Acesso em 25/11/2020.

[4] CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Instrumento em Defesa da Educação Jurídica Brasileira. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2019.

[5] BRASIL. Lei Imperial de 11 de Agosto de 1827. Rio de Janeiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM.-11-08-1827.htm.

[6] GONET BRANCO, Pedro. Proteção à Confiança e a mudança obrigatória para novo Projeto Político-Pedagógico (PPP) de Curso. Blog da RED|UnB, Jul/2020. Disponível em https://blogredunb.wordpress.com/2020/07/09/branco-protecao-a-confianca-e-projeto-politico-pedagogico-de-curso/. Acesso em 25/11/2020.