Inicialmente, gostaríamos de salientar que o conceito de soberania foi sendo construído e modificado ao longo do tempo conforme a história da humanidade e suas formas de governo avançavam mais. A grosso modo, soberania refere-se a um poder supremo, no sentido de não haver nenhum outro poder superior a ele, ou como o monopólio da autoridade, ou ainda ao Estado que não está submetido a outro. Pode ser compreendida também como uma autoridade elevada que não pode ser restringida por nenhum outro poder. De acordo com o jurista Celso Ribeiro Bastos:

“A soberania se constitui na supremacia do poder dentro da ordem interna e no fato de, perante a ordem externa, só encontrar Estados de igual poder. Esta situação é a consagração, na ordem interna, do princípio da subordinação, com o Estado no ápice da pirâmide, e, na ordem internacional, do princípio da coordenação. Ter, portanto, a soberania como fundamento do Estado brasileiro significa que dentro do nosso território não se admitirá força outra que não a dos poderes juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente estranho à Nação intervir nos seus negócios.” (BASTOS, Celso Ribeiro. 1994).

O Estado nesse sentido, é uma figura abstrata criada pela sociedade, cujo papel é organizar e governar um povo em determinado território e a soberania só estará presente se houver uma manifestação do poder exercido pelo país tanto interna quanto externamente.

Algumas teorias foram basilares para entendermos a soberania tal qual hoje. Com Montesquieu, o poder soberano se restringe ao ato de governar, onde deve ocorrer uma distribuição desse poder em algumas instituições de maneira a haver um governo limitado, moderado e compatível com a liberdade.

Já com as teorias contratualistas pode-se chegar ao constitucionalismo, onde o poder do povo seria exercido através de um representante, que governaria pelos interesses da nação que o escolheu tendo como base a lei imposta. Além disso, do ponto de vista liberal, a soberania do povo se restringiria a delegar a uma assembleia o poder constituinte para a criação da carta magna que expressaria os anseios da sociedade e, ao mesmo tempo, iria limitar esse poder que passaria a ser uma soberania da lei.

No caso do Brasil, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 1º que dispõe sobre o nome oficial do país e que o constitui Estado Democrático de Direito, a soberania é consagrada como primeiro fundamento nacional, conforme segue:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; (...)” (Constituição da República Federativa do Brasil. 1988).

Ademais, o parágrafo único do art. 1º dispõe sobre a soberania popular ao estabelecer que “todo o poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Entendimento esse que fica reforçado no art. 14:

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;        

III - iniciativa popular.” (Constituição da República Federativa do Brasil. 1988).

Paralelamente, podemos classificar como soberano aquele que, em última instância válida, pode decidir sobre “o bem e o mal de seus cidadãos e cidadãs”. Carl Schmitt também expressou isso da seguinte forma:

“Se ele (o povo) deixar-se ditar por um estrangeiro sobre quem deve ser seu inimigo e contra quem é lhe permitido ou não lutar, então ele não é mais um povo politicamente livre e encontra-se integrado ou subordinado a outro sistema político” (SCHMITT, 1922, p. 50).

Não obstante, que, atualmente, quase todas as constituições referem-se ao povo como soberano, essa  soberania nos parece altamente controversa.

Como ela deve ser entendida e quais são seus efeitos na prática política? Rüdiger Voigt, Doutor em Direito Público da Universidade de Kiel (Alemanha), sugere diferenciar da seguinte forma: por um lado, (i) a soberania do povo como princípio constitucional abstrato; e, por outro, (ii) uma soberania (direta) do povo, aplicada na prática política. Para o autor,

“Hoje a soberania em um Estado democrático é normalmente compreendida como soberania do povo. No entanto, trata-se apenas da proclamação desse princípio constitucional, possivelmente nada mais do que uma ‘confissão vazia’ para legitimar uma prática política determinada.” (VOIGT, Rüdiger. 2013.)

Em tempo, o próprio povo acaba sendo limitado na sua capacidade para a ação, o que é um problema e até mesmo duvidosa a margem de ação que existe para a organização da soberania do povo, de tal forma que tal soberania “necessita de uma organização para poder desdobrar efeitos políticos práticos”.

Pode ela ir tão longe a ponto de as reais decisões serem tomadas por uma pequena elite dentro ou talvez até fora do Estado, não deixando assim praticamente nenhuma opção de ação para o povo – além das eleições periódicas? Questiona Rüdiger Voigt.

Ainda, Lucas Oliveira, argumenta que a soberania é ligada à ideia de “detenção do poder de controle em uma organização política”. Para o autor, os Estados contemporâneos, em sua maioria, são regidos por governos democráticos, e os diferentes arranjos de poder formados no centro das diferentes constituições de governo, acabam por alterar o entendimento sobre a atribuição do poder soberano, o que quer dizer que a discussão gerada em torno da Soberania, nos governos democráticos contemporâneos, está ligada às disputas políticas bastantes características dessa forma de organização.

Por fim, para alguns teóricos, (i) o poder soberano encontra-se com a população que elege seus representantes. Estes defendem a ideia de que um governo só exerce seu poder se aqueles que estão sob sua tutela submetem-se a ele. Dessa forma, o poder emana do povo! Para outros, (ii) o poder soberano está na mão do Estado, afinal,

“apenas as instituições estatais que são capazes de construir as regras e as normas legais que regem o mundo social. Por sua capacidade de estabelecer o ordenamento jurídico que regimentaria todos os processos legais de uma sociedade, além de seu poder de coerção e manutenção da coesão social, o Estado seria a entidade soberana nos governos contemporâneos.” (RODRIGUES, Lucas de Oliveira. "Soberania").

Referências Bibliográficas:

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

OLIVEIRA, Raul José de Galaad. O preceito da soberania nas constituições e na jurisprudência brasileiras. Brasília, 2000. Revista de Informação Legislativa. P. 153 a 173. Disponível na internet em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/587/r146-11.pdf?sequence=4&isAllowed=y>. Acesso em: 19/10/2020.

RODRIGUES, Lucas de Oliveira. "Soberania"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/soberania.htm. Acesso em 19 de outubro de 2020.

VOIGT, Rüdiger. Quem é o Soberano? Sobre um conceito-chave na discussão sobre o Estado. IN: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, n. 46, p. 105-113, jun. 2013.