Miroslav Milovic, carinhosamente conhecido apenas como Miro pelos alunos e professores da Faculdade de Direito, é lembrado como um dos grandes nomes do corpo docente da Universidade de Brasília. Natural da antiga Iugoslávia, nasceu em 1955 e ao longo de sua vida lecionou em diversos países e, no ano de 2003, ingressou no quadro de professores do Programa de Pós-graduação em Direito. Advindo do departamento de Filosofia, o professor contribuiu infinitamente para a formação de diversos alunos, inclusive para a formação acadêmica dos integrantes deste grupo.

Sua vida acadêmica foi marcada pelas ideias e produções acerca da Filosofia, do Direito e da Política, sendo considerado, como afirma a Prof. Loussia Felix, dono de uma mente formada pela técnica e, de igual modo, marcada pela generosidade. Essa e tantas outras recordações acerca da trajetória do professor podem ser encontradas no texto “Miro, compromisso com a filosofia política e o mundo”, do Prof. José Geraldo.

O professor foi lembrado nesta e em diversas manifestações, sendo uma delas o I Encontro em homenagem ao Pensamento do Professor Miroslav Milovic: entre Filosofia e Direito. O encontro em homenagem ao professor ocorreu durante a Semana Universitária de 2021 da Universidade de Brasília, entre os dias 30 de setembro e 01 de outubro. O evento foi dividido em três painéis distintos, sendo eles: Pensamento do Professor Miroslav Milovic: em busca da Comunidade da Diferença; Como pensar a nova forma do Direito: Direito entre Potência e Violência; Pensamento do Professor Miroslav Milovic: novos rumos para a crítica do Direito.

Cada painel contou com a contribuição de acadêmicos que conviveram de diferentes formas com Miroslav Milovic, assim, foram apresentadas interessantes conexões presentes na obra e vida do professor. Dessa forma, o evento foi marcado, como esperado, por grande carga emocional decorrente de seu recente falecimento. Nesse arranjo, os expositores exploraram as diversas facetas do trabalho do homenageado a fim de relembrar e reafirmar a importância de seu pensamento não apenas para o Direito, como também, e obviamente, para a Filosofia e para a Política.

Uma das expositoras, a Prof. Dra. Bethânia Assy, advinda da UERJ, destacou um interessante ponto do pensamento presente na obra do professor homenageado: a filosofia da diferença. A professora, ao relembrar o próprio modo de viver de Miroslav, citou a necessidade da concepção de uma Filosofia sensível ao diferente. A análise foi inspirada, principalmente, no livro do professor “Comunidade da Diferença" no qual, em suas últimas considerações, ele destaca que:

[...] a filosofia precisa da sensibilidade para o diferente, senão repetirá apenas as formas do idêntico e, assim, fechará as possibilidades do novo, do espontâneo e do autêntico na história. Esse é o projeto de Derrida. Espero que seja possível um diálogo entre as duas posições em que, como diria Gadamer, ninguém tem a última palavra (MILOVIC, 2004, p. 131).

Essa mesma obra também permeia as observações do painelista Prof. Dr. Gerson Brea que relembra a peculiaridade da análise de Miroslav ao tratar da diferença, ao cogitar o nascimento do que denominou de uma nova comunidade auto-reflexiva da diferença. Nessa toada, o professor Gerson apresentou sua exposição sob a égide do tema “Notas sobre um pensador diferente da diferença”. Assim, noutro giro, destaca-se a crítica de Miroslav à Modernidade ao argumentar que o pensamento moderno se esforça para obter o máximo controle e até mesmo o controle de tudo. E, para tanto, o real é reduzido a aquilo que pode ser moldado da forma que se desejar, a mais conveniente. Em sintonizada conexão, o Prof. Dr. Alexandre Araújo Costa relembra que um dos legados deixado pelo professor Miroslav é justamente lutar contra o risco da despolitização, uma das armas da Modernidade. Isso porque trata-se de uma latente busca por substituir a política por uma noção de bem que é manipulada de maneira autoritária, seja por aqueles que acreditam estar mais perto de Deus ou da razão. Nesse mesmo sentido, a crítica do professor ainda é relembrada pela professora Bethânia Assy, comprovando a importância e a extensão desse legado no âmbito do pensamento filosófico, político e jurídico. Assim, retomando o pensamento da professora, destaca-se a potencialidade do Direito para abrir portas contra o fenômeno da despolitização, de modo que possa se pensar as instituições como meios para garantir a liberdade no âmbito político. Na mesma toada, o Prof Juliano Zaiden toma o Direito como um instrumento de ação, vez que possui o condão de resgatar o valor do político e, dessa forma, contribuir contra o movimento da despolitização.

Outro ponto que merece destaque trata justamente da indispensável discussão no que tange a teoria e a práxis. O professor Alexandre Costa suscita tal questão ao relembrar a postura de Miroslav ao não se contentar somente em discutir conceitos em abstrato, mas pensar de que forma as categorias teóricas se conectam com o mundo atual. Nessa perspectiva, supõe, ao tentar trazer as concepções do homenageado para a atualidade, que poderíamos estar discutindo com o professor as recentes denúncias no âmbito da CPI da Covid-19 contra a operadora de saúde Prevent Senior, à luz do pensamento acerca da banalidade do mal. E esta não é uma tentativa vazia, basta retomar um dos últimos artigos escrito por Miroslav que trata justamente da situação pandêmica em que nos encontramos e que, de modo fulminante, o atingiu sobremaneira. O texto denominado de “Pandemia como História” retoma as ideias já pontuadas acerca do diferente, assim, o professor nos alerta que “[...] a pandemia não é só uma contingência histórica. É uma imagem da história. Da dominação do idêntico. O futuro é possível como a abertura para o Outro. Como ruptura.”. Isto é, o futuro encontra alicerce na diferença, a política advém dessa diferença, do Outro, e é nesse contexto que de fato a democracia emerge.

Diante disso, retoma-se uma das característica de seu pensamento no que diz respeito ao pensar e produzir de modo que a academia possa criar saídas sem sucumbir a marginalização do mundo real. Assim, retomando Jacques Derrida, as possibilidades do futuro são criadas por meio da abertura para a diferença, da abertura para o Outro, em contraposição ao imperialismo da globalização que vangloria o Mesmo, a mera reprodução. Portanto, vislumbra-se que as saídas apontadas perpassam pela importância do pensar coletivamente, haja vista que, conforme pontuado pelo Prof. Alexandre Costa, o conhecimento não é descoberto mas produto de esforços coletivos. Esse coletivo, entretanto, diverge daquele empunhado pelo capitalismo a fim de meramente quantificar os indivíduos. Destaca-se a importância do indivíduo a fim de buscar a sensibilidade para o diferente, como uma crítica a esse movimento da Modernidade, mas, ainda assim, buscar o coletivo, como já mencionado, buscar a comunidade auto-reflexiva da diferença.

À guisa de uma conclusão é possível constatar a enorme contribuição da obra deixada pelo professor Miroslav Milovic que dedicou sua vida à docência e, em seus últimos anos, à formação dos cidadãos deste país que, conforme Juliano Zaiden, não soube lhe acolher. Assim, para além de suas enormes contribuições acadêmicas para a concatenação dos pensamentos filosóficos, políticos e jurídicos, restou clara a sua intenção de construir um conhecimento que pudesse ultrapassar o nível puramente teórico e, dessa forma, perceber e lutar contra a naturalização das coisas que podem desembocar, como aqui já exemplificado, e para muitos duramente vivenciado, em situações que expõem a clara banalização do mal.

Cabe finalizar, ressaltando novamente, que o professor foi homenageado em diversas ocasiões por muitos de seus companheiros e, assim, parafraseando um dos comentários feito durante o encontro da Semana Universitária da UnB, comprova-se que Miroslav Milovic não deixou apenas alunos mas sim grandes amigos e discípulos de sua filosofia.

Referências bibliográficas

MILOVIC, Miroslav. Comunidade da Diferença. Relume Dumará: Ijuí, RS Unijuí, Rio de Janeiro: 2004. Conexões 21.

MILOVIC, Miroslav. Democracia e Identidade. Em: Milovic, Miroslav; Sprandel, Maia; Costa, Alexandre A.; Nascimento, Wanderson Flor do. Sociedade da Diferença.Brasília: Casa das Musas, 2005.

MILOVIC, Miroslav. Pandemia como História. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=t01UVR40CRE>. Acesso em: 04 de out. de 2021.

SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Miro, compromisso com a filosofia política e o mundo. Disponível em: <https://noticias.unb.br/images//Artigos/MIRO_compromisso_com_a_filosofia_poltica_e_com_o_mundo.pdf>. Acesso em: 04 de out. de 2021.