O corpo coletivo instituído por sua totalidade expressaria uma vontade geral, diante da lei, segundo Rousseau. Sendo assim, deve-se atribuir a contrapartida, pois na presença de toda preponderância, existe o, porém. O constitucionalismo, por exemplo, admite uma soberania popular absoluta e limitada, dependendo da sua linha teórica aplicativa e interpretativa. Dessa forma, surge o questionamento, qual povo estaria erguido dessa validade atuante de modificação tão abrangente, uma vez que a carta magna, vulgo constituição, possui o principal objetivo de firmar direitos e deveres para todos os cidadãos e ao próprio governo.

Isto posto, na tratativa de encaixar o poder absoluto ao povo, encontra-se o fato de reconhecer sua soberania popular, que para respeitar sua validade na constituição, seria reconhecida por um lado na esfera indireta, uma vez que o poder constituinte seria atribuído a representantes governamentais com poderes limitados. Todavia, observa-se que o povo permanece soberano, mesmo com a vigência da constituição e da representação política nas tomadas de decisões, que por ventura, afetaria a todos.

Deste modo, nota-se que dentro da relação entre poder constituinte, na perspectiva de modificação das normas constitucionais, e da democracia, a constituição se institui como manifestação da soberania popular e do poder constituinte, vinculando ambos. Dentro dessa perspectiva, o poder legislativo, até anteriormente cominado pela sua própria soberania, abdicou-se dessa beneficência, para que os outros poderes fossem limitados. Sendo assim, o texto constitucional seria a manifestação da soberania popular, e como bem tratava Locke, a supremacia do legislativo não acarretaria em um poder absoluto em toda a sociedade civil.

Assim, superado a supremacia do poder legislativo, dispõe-se que o texto constitucional é manifestação direta e legitima da soberania popular, onde a democracia se estabeleceria com a mera presença do Estado Democrático de Direito e dos Direitos Humanos, tomando a faculdade de instituir o exercício do poder político por parte do povo.

Muitas faces carregam a soberania como poder absoluto e generalizado, porém, em muitas realidades, ao contrário do constitucionalismo liberal que entende que o poder não é apenas o autogovernar, mas sim de se designar as próprias normas fundamentais, essa soberania está enraizada em grupos particulares e limitados que possuem o objetivo de satisfazer as próprias vontades e finalidades pessoais, ou de um grupo determinado.

O autor Friedrich Müller apresenta, no livro “Quem é o povo?”, alguns significados inerentes a esse conceito estrito ligado a soberania popular absoluta e limitada, satisfazendo-se de algumas determinações de quem seria esse povo detentor desse poder constitucionalizado.

Vista disso, uma vez que todo poder emana do povo, e que esse poder é exercido por meio de representantes, esse mesmo poder estaria vinculado a diversas personalidades, sendo elas desde aqueles que possuem o poder do voto, até os mesmo que são positivados como naturalizados e natos no art. 12 da constituição. Todavia, o problema estaria enraizado nas elites políticas, considerada a real finalidade dos mecanismos atuantes e dominantes nas tomadas de decisões.

O povo então seria somente um aparato operacional de mudanças e direcionamentos estratégicos, com perspectivas categóricas dentro de um escopo paradoxo da soberania mediante a ficção de que o próprio povo permanece soberano, sendo que na realidade uma minoria estaria se camuflando de uma oligarquia apara democracia, promovendo exclusões e buscando legitima-las como democráticas.

Incorporado nessa linha, constata-se que até as decisões judiciais e ações estatais, diante de um olhar crítico, estão em busca de generalidades partidárias e políticas, na intuitiva de garantir meios que corroborem com linhas que vão ao desencontro da soberania intitulada popular. E, por mais que exista uma busca pela efetividade de uma democracia real, através da garantia dos direitos fundamentais, das prestações positivas e negativas por parte do Estado, essa vontade geral não é atendida.

Sendo assim, vemos que o uso desordenado da expressão povo, bem como a carga evolutiva e construtiva teórica que ela traz, provoca diversas distorções diante do seu sentido quando correlacionado com a soberania. O povo é um grande elemento para a constituição e existência do Estado, e por mais que o mundo contemporâneo tente diminuir o constitucionalismo e sua força normativa diante das intencionalidades do poder constituinte, a soberania permaneceria diretamente ligada ao povo que rege a validação da constituição, de forma a zelar pelo aparato liberal, equilibrando a democratização das sociedades modernas.

COMPARATO, Fábio Konder. Variações sobre o conceito de povo no regime democrático. Estudos Avançados 11 (31), 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/zZTg45HJpctmccFXcspdPYM/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 09 set. 2021.

SILVA, Amanda Albano Souza da. Fundamentos do pós-positivismo: “Quem é o povo?” De Friedrich Müller. Trabalho de iniciação científica (Graduação em Direito) - Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC - Rio. Rio de Janeiro, p. 14, 2015. Disponível em: http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2015/relatorios_pdf/ccs/dir/dir-amanda_albano.pdf. Acesso em: 09 set. 2021.

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. São Paulo : Max Limonad, 2003.

COSTA, Alexandre. O poder constituinte e o paradoxo da soberania limitada. Teoria e Sociedade, n. 19, v. 1, 2011.