A princípio, evidencia-se que na história da humanidade cada período é circunscrito por características peculiares, as quais são acordadas por condições especificas do seu tempo. Nesse sentido, é possível inferir que em todos os períodos da História, o homem se encarregou de gerar padrões de condutas e comportamentos, regras sociais, bem como concepções culturais. Ou seja, assim como a filosofia, a história também foi/é capaz de conceber uma experiência rica e uma interação de perspectivas diferentes, desenvolvendo uma sensibilidade reflexiva nos indivíduos. (COSTA, 2020).

Assim, ao longo do tempo, essas aspirações históricas, filosóficas e culturais foram fomentando configurações políticas, sociais e culturais que convergiram nos moldes vigentes dos dias atuais. A atualidade, por sua vez, se apresenta com um colorido próprio e bem característico que se diferencia especialmente das épocas antecessoras, um caleidoscópio composto pela convergência e fusão de múltiplas e desordenadas pinceladas na tela do lapso temporal em questão. (TAVARES, 2010).

Dessa forma, a cena social pós-moderna viabiliza um verdadeiro banquete de possibilidades, isto é, diante das novas configurações socioculturais vigentes, os indivíduos podem exercer estilos de existência mais distintos possíveis, algumas vezes em consonância com os trâmites da sociedade e do discurso social atual, outras se apresentando aquém ou além deste, todavia, ambos tipificando estilos de funcionamentos e modos de subjetivação específicos da atualidade. (COSTA, 2020).

Nessa perspectiva, é relevante compreender a presença contemporânea das espécies de mal-estar na sociedade atual. Primeiramente, ressalta-se que mal-estar da modernidade, na concepção de Freud, está intrinsecamente relacionada com os desdobramentos da felicidade humana. Para ele, boa parte da culpa pela miséria humana seria resultado da civilização, de modo que haveria mais felicidade se todos retrocedessem a condições primitivas. Todavia, conforme Costa (2020), tal asserção seria inconsistente, uma vez que se trata de fato estabelecido.

Ante o exposto, a conclusão é que nos dias atuais isto não é diferente, uma vez que há uma certa exposição a condições específicas, as quais colocam todos diante do mesmo sentimento de “mal-estar” que outrora foi formulado por Freud, contudo, sob circunstâncias próprias do período histórico. (TAVARES, 2010).

Por outro lado, segundo Bauman (1998), no período da passagem da Modernidade para a atualidade pós-moderna, nota-se com mais nitidez todas as nuances e sutilezas produtoras do “mal-estar” a que os seres humanos estão submetidos no cotidiano. Com isso, o conceito de “mal-estar” está relacionado a percepção que o homem ocupa um lugar de eterna incompatibilidade entre suas necessidades individuais frente às exigências sociais e culturais. (COSTA, 2020).

No mesmo caminho, Bauman (2001) preconiza que a pós-modernidade denota uma desregulamentação, ou seja, a pós-modernidade buscou fundir a ordem limpa com o preconício do prazer, favorecendo a liberdade individual como o maior predicado da contínua autocriação de um universo humano. Outrossim, como acentuado pelo autor, os homens e as mulheres pós-modernas substituíram parte de sua segurança por mais felicidade, de modo que os mal-estares da pós-modernidade resultaram em uma liberdade que tolera uma segurança individual mínima em detrimento da procura pelo prazer. (COSTA, 2020).

Bauman (1998) salienta as transformações das formas de viver na pós-modernidade e assente que o mundo moderno ideal seria aquele sobre o qual pudéssemos ter o máximo de controle possível. Para Bauman, não deve haver, necessariamente, rejeição às ideias da modernidade, e sim uma reflexão sobre elas, o que propiciou a percepção da necessidade de mudança. Assim sendo, a pós-modernidade é, para ele, a “[...] a modernidade olhando-se a distância, e não de dentro, fazendo um inventário completo de ganhos e perdas, psicanalisando-se, descobrindo as intenções que jamais explicitara, descobrindo que elas são mutuamente incongruentes e se cancelam.” (1999, p. 288).

Nesse sentido, vale ressaltar a percepção de Santos (2001), que acredita que o status adquirido pela ciência na modernidade, com a extrema valorização da razão, fez com que o pensamento utópico fosse praticamente perdido. Embora não pareça óbvio, a utopia funcionaria como forma de esperança para o melhor desenvolvimento da coletividade, já que, muitas vezes, é por meio dela que o indivíduo rechaça o encerramento das possibilidades de viver de formas diferentes, analisa novas alternativas e impulsiona a vontade de lutar por novos ideais.

À vista disso, como afirma Maria Laurinda Ribeiro de Souza, “tudo é temporário; a modernidade é fluida – tal como os líquidos – e caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. A esse excesso de mobilidade, de informações, corresponde, no indivíduo, um sentimento agudo não só de insuficiência, mas também de banalização das experiências” (SOUZA, 2005). Noutros termos, a vida pós-moderna se assemelha com uma desmontagem dos lugares possíveis, em um contorno sempre insatisfatório do próprio corpo, na fragilidade e frugalidade das relações amorosas em uma vida de constante insegurança. (COSTA, 2020).

Paralelamente, Erich Fromm (1984) pensa a história da sociedade ocidental a partir do conflito entre o “Ser” e o “Ter”, ou seja, entre o fundamento da qualidade existencial e o fundamento quantitativo que orienta a ânsia humana por riqueza e também pelo controle total sobre as condições materiais de sua existência. A expectativa de elevar a qualidade de vida por meio de elementos meramente quantitativos (materialistas) e de pensamentos lógicos dominantes, revelou-se como uma grande armadilha para o mundo ocidental, deteriorando até mesmo a própria “dignidade” da condição humana.

Ainda na esfera da civilização “Ter”, a dependência tecnológica do homem, bem como a necessidade de busca desenfreada pela racionalidade hegemônica, ao invés de promover a conquista de uma efetiva qualidade de vida, resultou no seu adoecimento simbólico e orgânico, por meio do uso de ferramentas científicas que corroboram para a opressão e para a dominação do homem pelo homem. Fromm questiona: “Devemos produzir pessoas doentes, a fim de termos uma economia sadia, ou podemos usar nossos recursos naturais, nossas invenções, nossos computadores para servir aos propósitos do homem?” (1984, p. 14).

A partir dessa ótica, Bauman ressalta que as forças de mercado e a vasta liberdade dada ao capital, por exemplo, geram inúmeras desordens responsáveis pela constante sensação contemporânea de incerteza e de desconfiança (alguns dos muitos mal-estares pós-modernos). Além disso, a própria liberdade contemporânea é mitigada devido à manutenção da construção de camadas sociais que se sobrepõem e perpetuam ideais hierárquicos de percepção do mundo: "a liberdade de escolha, eu lhes digo, é de longe, na sociedade pós-moderna, o mais essencial entre os fatores de estratificação. Quanto mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia social pós-moderna" (1998, p.118).

Freud (1976), analogamente, examina o mal-estar na civilização e destaca que os avanços técnicos contemporâneos não têm sido utilizados para melhoria da percepção de felicidade das pessoas, ou seja, o poder sobre a natureza não se configura como condição única da felicidade humana e também não deve ser o único objetivo dos esforços culturais, mesmo que os progressos da técnica devam ser prezados. Nesse sentido, é notório que a liberdade individual e a cultura ocidental dominante devem buscar um equilíbrio de maneira mais assertiva. Em outros termos, o autor supracitado corrobora com a concepção de que é necessário um balanceamento entre o aspecto individual e cultural, porque é por intermédio dessa ponderação que o mal-estar na sociedade pode ser coibido.

Percebe-se, assim, que um dos principais problemas impulsionados pela pós-modernidade foi o cerceamento da liberdade individual e da liberdade de grupos não preeminentes, o que implica frustrações nas formas de subjetivação dos indivíduos.

Diante do exposto, pode-se elencar o exemplo de uma equipe audiovisual composta por mulheres chilenas, que estreou este ano uma websérie chamada “Paradojas del Nihilismo: La academia”. Ao longo da série, alunos e professores falam sobre “a morte das universidades”, que se transformaram em “máquinas de produzir artigos que ninguém lê”. Esta websérie condiz com a manifestação moderna de mal-estar.

Assim, é certo que a racionalização extrema é cega às suas próprias premissas. O episódio 6 da websérie trata das relações de poder na academia e argumenta que todo ensino é uma imposição de um saber arbitrário. A partir dessa visão, é assertivo o pensamento weberiano de que a racionalidade não confere vida ao pensamento humano por si só. (COSTA, 2020).

Ademais, o ser humano singular não deve se transformar em mero objeto de consumo que propaga conhecimentos e concepções que denigrem até mesmo as relações interpessoais cotidianas, sendo inegável a importância do remodelamento daquilo que Bauman (2007) denominou como “liquidez humana”, sendo esta uma situação que ainda se faz presente nos diversos âmbitos do projeto civilizatório pós-moderno.

Apesar disso, é relevante frisar que os fatos morais também não devem simplesmente preponderar sobre as asserções racionais, pois, como assevera Nietzsche (2006), o julgamento moral pode conduzir a uma ignorância sobre o próprio conceito do que seria real e do que seria meramente imaginário.

Diante dessas questões, pode-se assentir que o retorno a certos valores tradicionais na pós-modernidade se faz necessário, inclusive para a proteção de certas culturas que não possuem tradições racionalistas como a ocidental. No entanto, reitera-se que é indispensável que haja um equilíbrio entre o racionalismo pós-moderno e a moralidade advinda das diferentes culturas, uma vez que, assim como a latente moralidade é inconsistente com o efetivo aprimoramento da estruturas da civilização, o racionalismo puro não passa de uma concepção evolucionista de conhecimento imposta por uma cultura hegemônica. Portanto, deve haver alguma tolerância com relação às tradições e às moralidades de cada grupo social, a fim de que outras formas de conhecimento menos hegemônicas possam ser também valorizadas e resguardadas no cenário atual.

Referências bibliográficas:

BAUMAN, Zygmut. O mal estar da pós-modernidade. Trad. de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

__________. Modernidade e ambivalência. Trad. de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

__________. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

_________. Tempos Líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

COSTA, Alexandre A. Bauman e o mal-estar da pós-modernidade. Arcos, 2020. Disponível em: </bauman-e-o-mal-estar-da-pos-modernidade/>. Acesso em: 8 set. 2020.

_______. Freud e o mal-estar da modernidade Arcos, 2020. Disponível em: https://novo.arcos.org.br/freud-e-o-mal-estar-da-modernidade/ Acesso em: 6 set. 2020.

_______. Os dilemas da contemporaneidade. Arcos, 2020. Disponível em: https://novo.arcos.org.br/os-dilemas-da-contemporaneidade-2/. Acesso em: 6 set. 2020.

FREUD, Sigmund. (1929-1930). O mal-estar na civilização. Edição standard brasileira das obras completas de Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XXI.

FROMM, Erich. A Revolução da Esperança: por uma tecnologia humanizada. Trad. de Edmond Jorge. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1984.

NIETZSCHE, Friedrich. O crepúsculo dos Ídolos. Trad: Paulo César de Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2006.

PRODUCCIONES PLIEGUE. Paradojas del nihilismo, La Academia. Youtube. 27 mai. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCIWX2_wU118BsHp1PIScPrg. Acesso em: 6 set. 2020.

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. 8a ed. São Paulo: Cortez, 2001.

SOUZA, Maria Laurinda Ribeiro de Violência. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. p.73 (Coleção Clínica Psicanalítica).

TAVARES, LAT. A depressão como "mal-estar" contemporâneo: medicalização e (ex)-sistência do sujeito depressivo. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 371 p. ISBN 978-85-7983-113-3.