Módulo 4 - Os dilemas da sociedade contemporânea

Discentes: Camila Brito Vaillant/Diogo Leonardo Rocha de Lima/Giovanni Castiglioni Castilho/João Felipe Amaral Bobroff/Maria Clara Lopes Menezes/Rafael Mendes Morais

POST 1 - A presença contemporânea das espécies de mal-estar, na geração típica dos estudantes da UnB.

Escrever, em grupo, sobre o mal-estar da modernidade e da pós-modernidade, avaliando a presença contemporânea dessas espécies de mal-estar na geração típica dos estudantes da UnB, tem por desafio maior consolidar e harmonizar as diversas perspectivas individuais. Ainda que as avaliações de cada estudante tenham como origem uma mesma base teórica, como por exemplo as obras “O mal-estar na civilização” de Freud e “O mal estar da pós-modernidade” de Bauman, é forçoso reconhecer que as construções teóricas e as percepções de cada um são direta e imediatamente influenciadas pela experiência pessoal.

Não bastasse, os juízos individuais podem ganhar contornos mais graves e díspares no atual contexto de pandemia, isolamento social, crise sanitária e abrupta alteração das dinâmicas de trabalho, estudo e interação humana.

Algumas balizas iniciais, contudo, auxiliam a superar tais desafios.

A modernidade, compreendida como um período de importantes evoluções tecnológicas, é também um período de questionamentos sociais e humanos relevantes.

Em 1930, Freud ao delinear o mal-estar da modernidade, assinalou que os avanços técnicos não implicaram em melhoria da percepção de felicidade das pessoas.

Existe ainda um fator adicional de desapontamento. Durante as últimas gerações, a humanidade efetuou um progresso extraordinário nas ciências naturais e em sua aplicação técnica, estabelecendo seu controle sobre a natureza de uma maneira jamais imaginada. As etapas isoladas desse progresso são do conhecimento comum, sendo desnecessário enumerá-las. Os homens se orgulham de suas realizações e têm todo direito de se orgulharem. Contudo, parecem ter observado que o poder recentemente adquirido sobre o espaço e o tempo, a subjugação das forças da natureza, consecução de um anseio que remonta a milhares de anos, não aumentou a quantidade de satisfação prazerosa que poderiam esperar da vida e não os tornou mais felizes. (FREUD, 1930)

Antes disso, já em 1903, em “As Grandes Cidades e a Vida do Espírito”, Simmel já apontava uma superficialidade das relações humanas nos grandes centros, o que se contrapunha com a dinâmica social típica das cidades interioranas. Detalhou o autor:

O indivíduo está cada vez mais incapacitado a se sobrepor à cultura objetiva. Ele foi rebaixado a um grão de areia em uma organização monstruosa de coisas e potências, que gradualmente lhe transladou da forma da vida subjetiva à forma da vida puramente objetiva. Por um lado, a vida torna-se infinitamente mais fácil, na medida em que estímulos, interesses, preenchimentos de tempo e consciência se lhe oferecem de todos os lados e a sugam em uma corrente na qual ela praticamente prescinde de qualquer movimento para nadar. Mas, por outro lado, a vida compõe-se cada vez mais desses conteúdos e programas impessoais, que pretendem recalcar as colorações verdadeiramente pessoais e o que é incomparável, de tal modo que, para salvar o que há de mais pessoal, é preciso convocar o que há de extremo em peculiaridade e particularização, e é preciso exagerá-las para que se possa tornar audível, inclusive para si mesmo. (SIMMEL, 1903)

A apatia e indiferença nas relações sociais, invariavelmente evoluindo para repulsa e aversão recíprocas entre os habitantes das grandes cidades, foram indicadas por Simmel como traços típicos de sociedades marcadas por um caráter blasé, em que o indivíduo é mero grão de areia em uma organização monstruosa de coisas e potências, que gradualmente reduzem a vida subjetiva à algo puramente objetivo. Nesse estado de coisas, frio e sem ânimo, o habitante da grande cidade mantém relações superficiais e sequer conhece seu vizinho mais próximo.

Em análise mais ampla do que a comparação “cidade grande x cidade pequena” feita por Simmel, os conflitos e dificuldades individuais foram registrados por Freud como resultado de exigências sociais que esvaziavam a liberdade subjetiva de cada indivíduo.

Zygmut Bauman, em 2012, apresentou uma ressignificação dessa insatisfação na obra “O mal estar da pós-modernidade”. A modernidade líquida delineada pelo autor compreende, uma vez mais, relações superficiais, frágeis e ditadas por convenções sociais mais amplas que acabam por tolher o livre arbítrio de cada pessoa.

A confiança na rigidez das instituições e na solidificação das relações humanas que caracteriza a “modernidade sólida” anteriormente existente, deu lugar, segundo Bauman, a um novo arranjo impulsionado pela lógica capitalista de consumo e pela exigência de mudanças constantes em todos os setores sociais. O dinamismo e a instabilidade construíram relações sociais líquidas, voláteis e superficiais.

Esse significado de modernidade líquida da pós-modernidade muito se relaciona com a transitoriedade das formas de vida, hábitos ou certezas. Remetendo a ideia de que não se pode ficar preso ao passado de forma estrita. O mundo e as relações interpessoais e sociais estão em constante mudança. Isso, muitas vezes, pode induzir o indivíduo a procurar por soluções que mais se adaptam ao momento presente, o que pode gerar possíveis e maiores incertezas sobre o conceito da subjetividade das decisões tomadas.

Pautada em uma sociedade de consumo, o que se entende por modernidade líquida sofre consequência direta de um capitalismo perverso associado ao avanço da propaganda e do marketing. Na qual, a identidade do ser é marcada fortemente pelo compartilhamento do que é igual, ou seja, a identidade, apesar de única e individual, só pode ser consolidada quando se adquire “algo que todo mundo tem”.

É necessário, portanto, segundo enfatiza a doutrina mais conservadora, que ocorra um resgate de valores tradicionais, a fim de se tapar as lacunas promovidas pela pós-modernidade, ao desamparar a cultura, a fé religiosa ou a relação entre determinados grupos sociais. A fragilização resultante de uma sociedade líquida é matéria comumente abordada nos debates políticos atuais, visando demonstrar, a toda certeza, que é necessário restaurar a unidade perdida e resgatar os valores abandonados.

Como típico reacionário, Olavo de Carvalho expõe a sua rejeição à metafísica, defendendo que o marxismo e seus ideais possuem parte da culpa em relação a perda de identidade dos valores tradicionais. Ao analisar tal metodologia e compará-las com as heranças trazidas pela modernidade, Olavo afirma que a extrema direita se amolda ao pensamento de que a modernidade é um mal em si, um mecanismo para extinção de tradições e valores ocidentais.

Contudo, no âmbito acadêmico ainda não há um amplo debate voltado a procurar entender, de maneira mais reflexiva e analítica, as consequências ideológicas de paradigmas modernos e pós-modernos. Já no cenário político, a dicotomia é explícita, visto que em tempos de eleições, alguns candidatos angariam votos baseados na premissa da defesa da família e dos valores tradicionais. E, outros propagam um posicionamento voltado para a democracia e defesa de valores mais liberais, e suas variadas correlações.

É evidente a existência de polos distintos e coexistentes que necessitam de um arcabouço teórico para serem abertamente apresentados a sociedade.

No entanto, o debate em questão, muitas vezes, se perde em meio à procura do que seria o conceito de ideal, da solução para busca de respostas objetivas que a humanidade tanto almeja.

Existem, de um lado, defensores do antigo e tradicional e, de outro, aqueles que apoiam a ideia do novo, efêmero e do individual. Qual estaria correto? Seria um cabo de guerra entre as consequências da modernidade e da pós-modernidade ou uma mitigação entre as duas?

Certamente, há mais perguntas a serem respondidas, que certezas a serem afirmadas. Mas, é certo que esse debate influi de forma intrínseca no bojo do Estado Democrático de Direito em que vivemos atualmente.

A superação dessas abordagens tradicionais é tratada por Freud como uma consequência social da modernidade que estimulam o indivíduo a pensar que todos os dilemas e paradigmas serão resolvidos na pós-modernidade, que seria possível alcançar a felicidade.

No entanto, o que se manifesta é uma crise de subjetividade que necessita, incansavelmente de processos mutáveis para acompanhar o decorrer do desenvolvimento das variadas esferas da vida humana.

Vertendo o olhar para o âmbito universitário, a crise da subjetividade pode ser evidenciada por estudantes da UnB no cenário do ensino a distância.

A tecnologia se transveste do discurso do progresso e conquista da felicidade, reduzindo as fronteiras físicas e temporais do trabalho e estudo. O velho trajeto pelo gramado e escadas da universidade, agora se vê substituído por um simples login. Mas faz-se necessário uma pausa para análise de um parêntese: Será que em algum momento durante as aulas presenciais estivemos realmente presentes?

Estamos mais conectados e temos mais acesso à informação, mas não são raros os relatos de sofrimento e adoecimento neste período, principalmente psíquico. As redes sociais criam uma realidade de felicidade imposta, mediante reforços positivos – likes, engajamento, seguidores, e o discurso do "trabalho a qualquer hora e em qualquer lugar" faz com que a produtividade seja um imperativo de prazer e realização. Como consequência, a autoflagelação torna-se virtude e os limites individuais tornam-se fraqueza.

Como afirma Freud (1930), ainda que diante do progresso, "(...) esta recém-adquirida disposição de espaço e de tempo, esta submissão das forças naturais, concretização de um anseio milenar, não elevou o grau de satisfação prazerosa que esperam da vida, não os fez se sentirem mais felizes.". Para Byung-Chul Han (2017) vivemos em um período de violência "neuronal", que escapa à ótica imunológica de um vírus, pois não é marcada pela negatividade e reação ao estranho. A pós modernidade seria marcada pelo adoecimento em razão do excesso de positividade, resultante da superprodução, superdesempenho ou supercomunicação. O cansaço se naturaliza e as doenças tornam-se "invisíveis".

Nesse contexto onde as certezas mudam constantemente e setores importantes da vida em sociedade, como o mundo do trabalho e da universidade, estão em permanente transformação, o resgate de alguns valores conservadores pode ser útil. A tradição em essência confere estabilidade as coisas e nos estimula a desconfiar de novos portadores da “verdade”, em especial na política e na economia.

Pelo seu caráter líquido, a pós-modernidade é terreno fértil para todo tipo de projeto político, seja ele de extrema esquerda ou de extrema direita, em razão do sofrimento e das incertezas ocasionadas pelo mal do século e que ainda não foram superadas na pós-modernidade.

Pedidos por uma revolução socialista ou por uma intervenção militar encontram eco nesses momentos, em especial nas redes sociais, já que muitas vezes ganham impulso justamente procurando restaurar uma ordem pré-existente que supostamente seria melhor e correta face as incertezas da modernidade. A reverberação desses fenômenos na sociedade pode ter consequências catastróficas, de ordem social e econômica como nos mostra a história nos últimos 100 (cem) anos.

Nesse sentido, pensamentos como os de Burke (1982) nos ensinam a sermos céticos em relação a teorias de gabinete que muitas vezes se apresentem como a solução para os problemas da sociedade, mas acabam cobrando um elevado preço.

No contexto da pós-modernidade, o pensamento conservador não deve ser confundido com o reacionarismo avesso a qualquer tipo de mudança, mas deve ser entendido como algo que nos estimula a ficar sempre alerta e desconfiar daqueles propõem rupturas radicais, tendo em mente que o processo de mudança, característica da pós modernidade, pode ser positivo desde que realizado com parcimônia e experimentação.

REFERÊNCIAS

BURKE, Edmond. Reflexões sobre a revolução na França (1982). Brasília: Editora da UNB.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). São Paulo: Penguin e Companhia das Letras.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço (2017). Tradução; Giachini, Enio Paulo. 2.  Vozes, Petrópolis.