O advento da laicidade moderna trouxe ao mundo jurídico uma busca pela superação do direito natural como principal forma de aplicação do objeto da juridicidade. Isto é, a busca pela validade sagrada - ou, eventualmente, metafísica - das normas jurídicas já não mais fazia sentido para o contexto da época, logo, buscou-se por uma elaboração de um direito com bases científicas. Com isso, foi-se desenvolvendo uma nova corrente denominada “positivismo cientificista”, a qual buscava estabelecer um objeto empírico e um método determinado para o estudo da ciência. (COSTA, 2020)
O direito se manifesta como objeto empírico na medida em que se torna algo observável no mundo antes de mero produto da racionalidade. Assim, obtém-se seu conhecimento pela observação da realidade concreta, bem como por meio de seu estudo histórico e doutrinário. Nesse sentido, o objeto de estudo do direito passaria a ser a própria norma jurídica, na qual estariam intrínsecos os conceitos que, quando analisados, revelariam os princípios do direito. (COSTA, 2020)
Estabelecido o entendimento positivista de que o Direito deveria ser tratado como ciência, partiu-se em uma busca de como enquadrar o próprio Direito no âmbito das ciências. Esta dificuldade se deu em razão da busca pelo entendimento do que seria a própria ciência. Thomas Kuhn defende em sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1998, p. 29) que as chamadas “ciências normais” seriam aquelas nas quais se obtivesse conhecimento por meio de pesquisas baseadas em realizações passadas. As realizações passadas seriam o que proporcionaria os fundamentos para a prática posterior.
Portanto, segundo os critérios apresentados, para que o direito seja enquadrado como uma ciência propriamente dita, seriam necessários alguns aspectos a ele relacionados: ele deve ter um objeto empírico que lhe seja pendente de estudo, deve haver um método aplicável em seu estudo e deve gerar novos conhecimentos a partir do pleno conhecimento de realizações pretéritas aliados ao estudo do objeto empírico em questão.
Para tanto, Karl Larenz (1997, p. 1) lança mão de uma proposta de metodologia para a chamada “ciência do direito”. Segundo ele, essa seria a busca pela “solução de questões jurídicas no contexto e com base em um ordenamento jurídico determinado, historicamente constituído, ou seja, a tradicionalmente denominada Jurisprudência”.
Ressalta-se que a noção de jurisprudência apresentada não se limita ao termo mais comumente utilizado no estudo de decisões jurídicas, também sendo a noção aplicável a outros institutos importantes do conhecimento jurídico, tal qual a denominada “Jurisprudência dos conceitos”.
Herança dos estudos de Savigny - mas não sendo uma ideia dele propriamente - a Jurisprudência dos conceitos propõe o estudo do Direito além da perspectiva histórica, trazendo à luz uma proposta de tratá-lo como um sistema científico que se construísse a partir dos conceitos. Assim, busca-se compreender os conceitos que formam as normas jurídicas e, a partir deles, formar bases para novos entendimentos ou conhecimentos remodelados a partir do que já se sabe (tal qual a “ciência normal” de Kuhn) (LARENZ, 1997, p. 19).
Para compreender melhor a questão, faz-se necessária outra perspectiva, mas desta vez sobre a natureza do Direito, o qual em si parte da e é para a humanidade, a fim de regular a vida em sociedade, amenizando conflitos, garantindo direitos e cumprindo deveres, isto é, o Direito é a submissão do comportamento humano ao comando de regras (FULLER, 1964, 124-125).
Com isso em mente, é natural afirmar que o Direito tem como objetivo máximo ser aplicável na sociedade em que se situa. Em razão disso, toda a sua estruturação deve ser voltada para garantir esta aplicabilidade jurídica, ou dito de outra maneira, as “regras” jurídicas devem fazer sentido, ser coerentes e objetivas, a fim de que os sujeitos aos quais se destinam consigam sujeitar seu comportamento a elas e, assim, haver a regulação do tecido social.
Nesse sentido, nada mais natural do que o Direito ser concebido enquanto um sistema de normas que visa a unicidade, a completude, a coerência e, acima de tudo, a aplicabilidade. Portanto, um grande exemplo, conforme os requisitos acima discutidos, dessa cientificidade do Direito é justamente a Teoria do Ordenamento jurídico, tal como desenvolve Norberto Bobbio em seu livro de mesmo título.
Por meio dela e pelo fato de ser veiculado textualmente, o Direito ganha esse caráter objetivo, metodológico e sistemático não só no âmbito formal como material. Em termos práticos, uma lei ordinária pode não ser considerada como parte deste mundo jurídico por erros procedimentais em sua criação ou pelo próprio conteúdo que carrega ir contra a proposta substancial do Direito nacional.
Trazendo novamente as definições de Kuhn e de Larenz, as quais tratam da produção de conhecimento a partir do que já se sabe, um instrumento próprio do Direito explicita essa questão: a interpretação jurídica. Esta, por sua vez, permite ao aplicador do direito não só estudar o campo jurídico em si, como também, a depender da situação, aumentar ou reduzir o sentido de uma norma existente, logo produzindo um conhecimento novo a partir do que já se possui.
Contudo, apesar disso, pode-se argumentar que interpretar texto normativo é passível do risco de subjetividade por parte do intérprete. Isso não se sustenta ao passo que a própria sistematização do ordenamento, sua finalidade, e seus princípios, isto é, seu método, impõe limites ao exercício interpretativo, impedindo e repelindo interpretações incondizentes com o texto ou com o direito em si.
Portanto, não há uma pretensão do Direito ser uma ciência, visto que ele já a é em razão da forma como o mundo jurídico se estrutura como um sistema rigoroso, objetivo pautado num método próprio não só em sua criação como em seu estudo e pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 6ª ed, 1995.
COSTA, Alexandre. Curso de Filosofia do Direito: Direito e Ciência. Disponível em: https://novo.arcos.org.br/curso-de-filosofia-do-direito/#5direitoecincia. Acesso em: 16 de setembro de 2021.
KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 5ª ed, 1998.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª ed, 1997.
L FULLER, Lon. The morality of Law: revised edition. Pág. 124 e 125 Estados Unidos da América. Yale University Press. 1964.