1. Introdução

Há séculos discute-se o Direito é uma ciência ou não, tendo este debate se aflorado com o mundo contemporâneo. No entanto, tudo começou no século VVIII no racionalismo francês e se desenvolvido com influência de uma série de doutrinas e pensamentos, principalmente, voltados ao positivismo.

Mesmo assim, até os dias atuais, muitas necessidades em considerar o Direito como uma ciência, haja vista a doutrinária em se considerar “qualquer estudo racional” que engloba os aspectos essenciais da sociedade como ciência. Além disso, discute-se como possíveis arbitrariedades do Direito, bem como, a sua real função social.

Entretanto, cada vez mais, há uma análise aprofundada a respeito do questionamento se o direito é ou não uma ciência, chegando-se à conclusão da necessidade de separar o Direito Positivo, puramente dito, da Ciência do Direito, estudo mais dinâmico e amplo, haja vista sua preocupação com o presente e com a realidade social a qual incide.

2. O Direito é ou não uma ciência?

Antes de mais nada, para respondermos ao questionamento ora debatido, deve-se definir o que de fato é ciência.  O termo “ciência”, na concepção “popular”, significa conhecimento, já que deriva da palavra latina scientia, oriunda de scire, ou seja, saber. O vocábulo “ciência”, no entanto, é muito mais abrangente, pois consubstancia-se em conhecimento, saber, possui um sentido dos mais variados e define todos os ramos do saber.

Para Tércio Sampaio Ferraz Junior:

“o termo ciência não é unívoco, se é verdade que com ele designamos um tipo específico de conhecimento; não há, entretanto, um critério único que determine a extensão, a natureza e os caracteres deste conhecimento; tem fundamentos filosóficos que ultrapassam a prática científica, mesmo quando esta prática pretende ser ela própria usada como critério”

Partindo desta premissa, devemos compreender o conceito de “Epistemologia”, isto é, o estudo das ciências. Esse estudo fica ainda mais claro segundo a perspectiva dos estudiosos Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, que subdividem-o em:

a) A crítica do conhecimento científico (exame dos princípios, das hipóteses e das conclusões das diferentes ciências, tendo em vista determinar o seu alcance e seu valor objetivo; b) a filosofia das ciências (racionalismo, empirismo, etc.); c) a história das ciências. O simples fato de hesitarmos hoje entre duas denominações (epistemologia e filosofia das ciências) já é sintomático. Segundo os países e usos, o conceito ‘epistemologia’ serve para designar, seja uma teoria geral do conhecimento (de natureza filosófica), seja estudos mais restritos concernentes à gênese e à estruturação das ciências”

Desta forma, tratando-se do Direito, há de se entender, especificamente, a Epistemologia Jurídica, ou seja, o seguimento da Filosofia do Direito responsável pelo estudo das fontes jurídicas. Este estudo é fundamental, pois o conhecimento do direito como ciência exige maior grau de abstração do que o conhecimento do objeto de estudo do Direito, haja vista que se trata de ciência social aplicada e com forte aspecto pragmático. Isso fica ainda mais claro nas palavras do professor Paulo Nader:

“Em lato sensu, a Ciência do Direito corresponde ao setor do conhecimento humano que investiga e sintetiza os conhecimentos jurídicos. Em stricto sensu, é a particularização do saber jurídico, que toma por objeto de estudo o teor normativo de um determinado sistema jurídico.”

Trazendo um saber mais aprofundado, é imprescindível reconhecer a doutrina Kantiana, vejamos:

“O conjunto das leis suscetíveis de uma legislação exterior se chama teoria do Direito, ou simplesmente Direito (jus). Quando essa legislação existe, forma a ciência do Direito positivo. O homem versado nesta ciência ou que conhece Direito, é chamado de jurisconsulto (jurisperitus), se, além disso, conhece as leis anteriores de um modo exterior, isto é, em sua aplicação aos diferentes casos apresentados pela experiência, e nesse caso a ciência do Direito recebe o nome de jurisprudência (jurisprudentia). Porém se faltam essas duas condições indispensáveis para que haja jurisprudência, a ciência do justo é tão-somente a simples ciência do Direito (juris scientia). Esta última denominação convém ao conhecimento sistemático do Direito Natural (jus naturae), por mais que o jurisconsulto deva tornar dessa última os princípios imutáveis de toda legislação positiva.”

A partir dos pensamentos acima expostos é possível dizer que a Ciência do Direito é um segmento que visa estudar as normas e os fatos jurídicos, estabelecidos em determinado local e, consequentemente, a epistemologia jurídica é o estudo da Ciência do Direito em sua plenitude e, não apenas, das fontes positivas do Direito.

Desta forma, entendida a significância da Epistemologia Jurídica, torna-se mais direcionado a resposta acerca do Direito como Ciência. Assim, o método jurídico oriundo da Epistemologia Jurídica analisa as propriedades de concretização da norma na ação prática, de forma que se permite dizer que o Direito, em termos epistemológico, possui uma prática metodológica e, assim, para muitos estudiosos é uma ciência.

No entanto, há uma grande divergência doutrinária para o reconhecimento do Direito como uma ciência, haja vista que há a preocupação em considerar ciência qualquer tipo de conhecimento racional que engloba questões da realidade cultural, natural ou social. Assim, há uma enorme preocupação com a arbitrariedade do direito e o distanciamento com determinadas realidades sociais. Vejamos o entendimento da pesquisadora Angel La Torre:

“(...) um dos maiores problemas da ciência do Direito é a sua arbitrariedade, por ser constituída de leis arbitrárias que se modificam com o tempo, pois uma mera palavra do legislador “converte bibliotecas inteiras em lixo”, ou seja, uma mudança na legislação torna inúteis a maioria dos manuais de Direito. Não podemos exagerar esse feito, pois um ordenamento jurídico num todo não se modifica, mas evolui. Assim, o que muda são algumas normas, o que ocorre na verdade é um progresso, uma evolução da ciência jurídica quando se busca atender a dados da realidade social.”

No entanto, diferentemente de outras ciências sociais, o Direito se particulariza por via de exteriorizar uma variedade de ideais, isto é, uma linguagem prática extremamente ampla. Nesse sentido, a Ciência do Direito trabalha com fenômenos sociais, aplicando um complexo de sistemas interpretarivo-descritivos de fatores sociais, não se limitando apenas em valorizas somente as normas positivas.

Assim, há uma diferença do Direito e da Ciência do Direito, puramente dita, eis que a Ciência do Direito trabalha diretamente com os fatores sociais que consubstanciam a sociedade. Isso fica claro na perspectiva de Reis Friede que entende que o Direito é uma invenção do homem, "um produto cultural".

Nesta seara, não há dúvidas que as ciências sociais, ou humanas, latu sensu, possuem como objeto de observação os fenômenos sociais, e são bifurcadas em Hermenêuticas ou interpretativas, como o Direito. Assim é evidente o caráter científico nas Ciências do Direito, diretamente associada com questões sociais, diferentemente do Direito Positivo, stricto sensu.

3. Conclusão

Resta, por fim, aludir, para fins de ressalte, a significância do Direito como Ciência, devendo-se portanto separar o Direito Positivo, puramente dito, da Ciência do Direito, haja vista que o último possui uma amplitude significativa, uma vez que consiste na aplicação jurídica consubstanciada nos fatores sociais, políticos e culturais que envolvem o presente momento da sociedade na qual está sendo aplicado.

Assim, muito embora, haja uma divergência doutrinária acerca do reconhecimento do Direito Positivo como Ciência, percebe-se, de outro lado, a dificuldade no não reconhecimento das Ciências do Direito, haja vista que o caráter de estudo e sabedoria das ciências sociais, ou humanas está intrinsicamente presente nos mais variados ramos da Ciência do Direito.

4. Referências

DE MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Epistemologia Jurídica. Conteúdo Jurídico, 2015. Disponível em: <https://conteudojuridico.com.br/coluna/2035/epistemologia-juridica>

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2.003.

KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 44.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª. ed.,Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 84-85.

CARNEIRO, Maria Francisca. Se o Direito é ou não ciência - Questão persistente da epistemologia e da metodologia jurídica. Jus.com.br, 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/60460/se-o-direito-e-ou-nao-e-ciencia-questao-persistente-da-epistemologia-e-da-metodologia-juridica>

GUIMARÃES DE SOUZA, Marcus Valério Saavedra. O Direito como Ciência. JusBrasil, 2011. Disponível em: <https://valeriosaavedra.jusbrasil.com.br/noticias/2667165/o-direito-como-ciencia>

SPAREMBERGER. Raquel Fabiana. A ciência do Direito: uma breve abordagem . Disponível em: < http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/5191/A%20ci%C3%AAncia%20do%20direito.pdf?sequence=1 >