Historicamente, os aplicadores do Direito intentam trazer certa racionalidade a esse ramo das Ciências Sociais, especialmente em virtude de seu pertencimento ao sub-ramo das “Ciências Sociais Aplicadas”. Ou seja, em breve síntese, entende-se que o fato de o Poder Judiciário ser responsável por analisar conflitos de interesses qualificados por pretensões resistidas, de alguma forma, indica para a obrigatoriedade de o Direito se organizar de forma sistêmica.

Essa pretensão culminou, em determinado momento do séc. XIX, com a elaboração de diversos códigos, os quais eram dotados da (vazia) pretensão de que se constituiriam em verdadeiras respostas a todas as situações jurídicas existentes, inexistindo lacunas.

A título de exemplo, Napoleão Bonaparte chegou a afirmar que o Código Civil Francês de 1804 não precisaria ser interpretado, bastando aos juízes se converterem em verdadeiras “bocas da lei”, bem como que seu Código teria sido feito para durar a eternidade.

Todavia, conforme leciona Jairo Bisol, essa ideia de um sistema normativo uno e perfeito foi construído sobre o conceito de uma norma jurídica totalizante, conceito absolutamente reducionista do Direito como aquela norma posta e válida formalmente. Isso porque a ideia de subsunção do conflito a uma pretensa norma geral e abstrata apenas revela a inexistência de normas suficientes que contemplem todas as situações fáticas observadas na realidade.

Nesse sentido,

“IV. A tradicional identificação da norma jurídica com o dispositivo legal é metodologicamente insustentável, visto o caráter elíptico e fragmentário do discurso da lei, cujas palavras são extraídas da linguagem natural e carregam irremediável indeterminação semântica. Assim, o discurso jurídico-normativo que compõe o direito positivo, do ponto de vista sintático, é fragmentário e elíptico (inacabado). Do ponto de vista semântico é indeterminado, em face da vagueza e da ambigüidade lingüísticas (vazio). Estes atributos não permitem a sua redução à suposta unidade ordenadora que a teoria jurídica identifica pela categoria ‘norma geral’.”

A análise das decisões dos Tribunais Superiores, em especial do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, indicam claramente a contínua tentativa de defesa de um ideal de ordenamento jurídico que inexiste. Somam-se decisões que defendem uma pretensa unidade, mas acabam reforçando justamente a fragmentariedade e unicidade do discurso jurídico, justamente por ser esse apenas um reflexo daquilo que se observa no mundo.

Assim, responde-se à provocação “O direito é um conjunto de normas?” de forma negativa. Reduzir o conceito à simples existência de normas, em nossa visão, acaba por reduzir o debate àquilo que já fora posto há anos e superado. O Direito, enquanto reflexo da sociedade e fruto dos códigos de linguagem por ele criado e observado no mundo, é objeto em constante mutação e extremamente fluído. Em verdade, a modernidade requer que a sociedade abrace a certeza das incertezas e abandone a falsa impressão das certezas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JAIRO, Bisol. O vazio e o inacabado da lei: para uma teoria fragmentária do direito. Universidade Federal de Pernambuco, 2004. Tese de Doutorado – Direito.