Há tempos se discute acerca da relação entre o Direito e as normas, tendo-se por entendimento majoritário que o Direito consiste em um conjunto de normas que regulam a conduta humana em sociedade.

Desta forma, ao se pensar em Direito, prontamente há a ideia de códigos e leis, ou seja, um conjunto de sistemas normativos, pré-definidos. No entanto, esta ciência não é apenas isso, haja vista que leva em conta questões muito mais amplas do que simplesmente textos normativos como, por exemplo, os costumes, a cultura e a religião que estão diretamente inseridas dentro de uma sociedade.

Antes de mais nada, para compreendermos esta problemática, deve-se definir o que de fato é norma jurídica.

Para o professor Paulo Nader:

(...) “ao dispor sobre fatos e consagrar valores, as normas jurídicas são o ponto culminante do processo de elaboração do Direito e o ponto de partida operacional da dogmática jurídica, cuja função é a de sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente.”

Kant, por outro lado, considera ser a norma jurídica um juízo hipotético partindo da distinção entre imperativo categórico e imperativo hipotético. O primeiro impõe um dever sem qualquer condição (norma moral), enquanto o hipotético é condicional. O categórico ordena por ser necessário, enquanto no hipotético a conduta imposta é meio para uma finalidade. Assim, o imperativo hipotético estabelece condição para a produção de determinado efeito.

Kelsen, vai adiante da perspectiva Kantiana, eis que considera a norma jurídica um juízo hipotético que depende da ocorrência de determinado fato, no sentido de que para determinada ação deve ser aplicada uma sanção. Assim, a estrutura da norma jurídica depende das circunstâncias e, portanto o sujeito deve observar determinada conduta e se não a observar, outro sujeito, órgão do Estado, deve aplicar ao “criminoso” a sanção devida.

Essas colocações de Kelsen acabaram por fazer dele um suposto defensor da literalidade das leis, mesmo que, na verdade, tenha como objetivo interpretar o Direito de acordo com as perspectivas da época.

Com isso, as normas jurídicas, para Kelsen, são a fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. Posto isso, percebe-se que a validade da norma não diz respeito à juridicidade, como visto, e nem tampouco à positividade.

Nesse sentido, percebe-se que a norma não define puramente o Direito. Isso, porque é necessário conceber os vários aspectos internos e externos que influenciam diretamente para a construção do Direito e, não simplesmente o texto unicamente positivo.

Nesse cenário, Kelsen afirma que os comportamentos humanos só são conhecidos mediatamente pelo cientista do direito, isto é, enquanto regulados por normas. Sendo assim, os comportamentos de um determinado sujeito em face de outro são fenômenos empíricos, perceptíveis pelos sentidos, e que manifestam um significado.

Partindo deste pressuposto, Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito, traz o seguinte exemplo:

(...) “levantar o braço numa assembleia é uma conduta. Seu significado tem um aspecto subjetivo e outro objetivo, O significado subjetivo desse ato pode ser, conforme a intenção do agente, um simples movimento de preguiça, o ato de espreguiçar-se. Entretanto, no contexto, esse ato pode ter um significado objetivo: manifestar-se, ao levantar a mão, um voto computável para se tomar uma decisão. Esse significado objetivo é constituído por uma norma, a norma segundo a qual o ato de votar será contado pelo erguimento do braço.”

Assim, percebe-se que não basta adotarmos critérios objetivos para definir o significado de determinada ação no Direito, haja vista que consiste em algo muito mais amplo, voltado a um conjunto de aspectos interligados que compõem a sociedade como a cultura, a religião e os costumes, elementos estes que interferem diretamente na aplicação das normas.

Partindo deste pressuposto, reduzir o direito a um conjunto de normas, acaba por banalizar a importância dos estudos da ciência jurídica e do jurista para realidade social, haja vista que é desta forma que o Direito se torna “humanizado” e adequado ao Estado Democrático de Direito, no sentido de não ser um instrumento de sanção, mas sim um regulador social e benéfico para a coletividade.

Desta forma, o direito deve ser analisado de forma ampla, além do positivismo normativo, haja vista a necessidade de adequação com a realidade e com o caso concreto. Nesta seara, a própria mutabilidade do Direito deve ser colocada em questão, visto que, a todo momento, as realidades que compõem a sociedade se dinamizam, alterando-se constantemente e, portanto, devem ser colocadas em questão, juntamente com a análise das normas pré-estabelecidas.

Resta, por fim, aludir, para fins de ressalte, a significância da teoria de Kelsen para entendermos a relação do Direito com as Normas, bem como, analisar esta questão além do que estabelecido no Positivismo.

Pode-se concluir, assim que a normas jurídicas como reguladoras da conduta humana em sociedade levam em consideração todos os aspectos que compõem a sociedade para aplicação do Direito e que, portanto, não são a única face presente nesta ciência tão ampla e complexa ora analisada. Posto isso, fica claro que o Direito não é apenas normas positivas!

Bibliogafia:

DE MELO. Saulo. A norma jurídica em Kelsen, Ross, Hart e a concepção tridimensional de Miguel Reale. Revista Jurídica Cesumar. Vol. 3, 2003.

Equipe Brasil Escola. Norma Jurídica. Disponível em: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/norma-juridica.htm>

KANT, Emmanuel. Crítica da Razão Pura . Edições e Publicações Brasil Editora S.A.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
KELSEN, Hans . Teoria Pura do Direito. 6ª Edição, tradução de João Baptista Machado, 1984.

COSTA, Alexandre Araújo; HORTA, Ricardo de Lins e. Das Teorias da Interpretação à Teoria da Decisão: Por uma Perspectiva Realista Acerca das Influências e Constrangimentos Sobre a Atividade Judicial. In: Revista Opinião Jurídica. Ano 15, n. 20 (jan./jun. 2017). Fortaleza: Unichristus, 2017. p. 271-297.

FREITAS. Viviane de Andrade. Aspectos fundamentais da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Jus.com.br, 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/49444/aspectos-fundamentais-da-teoria-pura-do-direito-de-hans-kelsen>