Autores: Jezebel de Melo Eiras, Nikolly Milani Simões Silva e Roberto Augusto Brito Alves.

Lélia Gonzalez nasceu em 01 de fevereiro de 1935, foi importante exponte para a filosofia e para a antropologia por conta de sua atuação na luta dos movimentos negros e do feminismo. Foi fundadora e participou de diversos movimentos importantes no Brasil, tais como Movimento Negro Unificado contra Discriminação e o Racismo (MNUCDR), em 1978, atualmente Movimento Negro Unificado (MNU) e o Olodum.

Além disso, se envolveu na vida política, tentou a eleição por duas vezes, participando inclusive da criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Ademais, integrou as discussões para elaboração da Constituição de 1988, em que sempre buscou colocar em pauta os movimentos sociais, a redemocratização e a luta do povo negro e das mulheres.

Grande parte de sua vida, Lélia se dedicou às pesquisas sobre raça e gênero, que foram muito importantes para construção filosófica da américa-latina, sendo inspirada principalmente a partir de sua própria história enquanto mulher negra, já que assim como grande parte da população negra brasileira, a autora teve uma realidade difícil, em que precisou  trabalhar como babá e empregada desde quando ainda era uma criança, vivenciando assim, a  exploração dos povos negros, que era ainda mais intenso nos tempos em que Lélia era jovem.

Superando todas as dificuldades, Lélia conseguiu uma formação de muita qualidade e com isso começou sua jornada de militância e muitas obras. Durante a sua vida, por diversas vezes percebeu que os movimentos sociais eram extremamente elitistas, racistas e eurocentristas, o que levou Lélia Gonzalez a buscar espaço e ser ouvida nos espaços em que frequentava. A partir desse momento ela buscou ainda mais conhecimento, se especializou e também foi conhecer a cultura da mulher negra em vários países da América Latina. E com isso surgiu uma grande filósofa que buscou observar os costumes, a gramática e as discriminações da população negra, buscando durante toda sua vida lutar para conscientizar as pessoas por meio do conhecimento.

Ao participar de movimentos feministas, Lélia não se sentia representada, tendo em vista que as pessoas envolvidas no movimento não tratavam e nem respeitavam esse recorte de raça, além de  ignorarem as condições de subalternidade na qual as mulheres negras se encontravam/encontram. Já em relação ao movimento negro, a autora se deparou com uma propagação da cultura machista e com isso ela sentiu necessidade de se envolver em algo que representasse ela e as milhares de mulheres negrar que vivem na américa-latina.

Diante dessas realidades a autora decidiu unir os dois pontos (raça e gênero) e buscou formas de lutar por aquilo que realmente acreditava e a partir daí ela se tornou uma das primeiras autoras a questionar e falar sobre a importância do feminismo negro, que é denominado em sua obra como “Feminismo Afrolatinoamericano”. Ademais, a filósofa lutou pela inclusão de conteúdos da cultura afro-brasileira nos currículos da educação básica, já que na época, a cultura negra era muito pouco tratada e estudada nas instituições de ensino. Importante ressaltar que Lélia sempre buscou se afastar das referências estadunidenses e europeias para focar na cultura negra da América Latina, lugar que não era objeto de pesquisa e análise pelos acadêmicos e pesquisadores que estudavam sobre o assunto.

O racismo latino-americano é suficientemente sofisticado para manter  negros e índios  na condição de segmentos subordinado no interior das classes mais exploradas, graças à sua forma ideológica mais eficaz: a ideologia do branqueamento. Veiculadas pelos meios de  comunicação em  massa  e pelos aparelhos ideológicos tradicionais, ela reproduz e perpetua a crença de que as classificações e os valores  do Ocidente branco são os únicos verdadeiros e universais (GONZALEZ, 1988, p. 72).

Suas teses e textos eram voltados para  a realidade das mulheres negras e indígenas, e, além de buscar conhecimento abrangente sobre gênero e de raça, Lélia Gonzalez se preocupou em fazer obras que também fossem acessíveis para a população da qual ela estava escrevendo. Com isso, levando em consideração a pouca falta de acesso à educação das pessoas negras no Brasil, a antropóloga excluiu a linguagem formal e acadêmica, utilizando uma linguagem acessível na criação de todas as suas obras e textos,  para que assim seu conhecimento alcançasse diversos indivíduos.

Lélia Gonzalez também foi responsável pelo desenvolvimento do termo “pretuguês”, dentre uma de suas diversas contribuições para as discussões sobre gênero e raça. O termo era aplicado em conjunturas que envolviam a intercomunicação tomados pela escravidão. O “pretuguês”, de acordo com a autora, era repassado às gerações brasileiras através da figura da mulher negra, responsável pela introdução da comunicação na vida social das famílias.

Em suas viagens pela América Latina, Lélia Gonzalez identificou traços culturais, históricos, econômicos e políticos semelhantes em vários países cujas origens eram matrizes africanas iguais ou semelhantes, o que evidenciou a importância da influência negra em todos os aspectos desses países. Essa influência, no entanto, foi constantemente apagada com o propósito de “branquear” os traços culturais e “elevar” as nações aos padrões europeus e norte-americanos.

O artigo “A Categoria Político Cultural da Amefricanidade” aborda o conceito de amefricanidade de forma não imperialista, trazendo a importância da discussão da colonização das Américas de uma perspectiva contrária às norte-americanas, que eram repletas de barreiras linguísticas e ideológicas e não abordavam a totalidade dos fatos de influência. O termo amefricanidade trouxe discussões acerca do papel que os componentes étnicos e de gênero prestam na formação de uma identidade cultural da América Latina, ou como chamada pela autora, “Améfrica Ladina”, de forma a iluminar as presenças e influências de cor que existem na história, cultura e política do continente.

A importância da identificação e evidenciação dos elementos não brancos e colonialistas que interferem em todos os aspectos da sociedade da América Latina construída sob um preceito escravocrata reflete ainda hoje nas discussões políticas e sociais do Brasil. Dar visibilidade às discussões de raça e gênero e, especialmente, aos problemas e dificuldades enfrentados até hoje por mulheres negras mostra-se, apesar dos esforços antigos, ainda uma questão a ser muito trabalhada.

A autora também desempenhou um importante papel em ressaltar como os negros eram tratados como objeto de estudo por pesquisadores e estudiosos brancos, mas não tinham seus discursos e realidades levados em consideração quando da efetiva elaboração das teses.

Foi aí que a neguinha que tava sentada com a gente, deu uma de atrevida. Tinham chamado ela pra responder uma pergunta. Ela se levantou, foi lá na mesa pra falar no microfone e começou a reclamar por causa de certas coisas que tavam acontecendo na festa. Tava armada a quizumba. A negrada parecia que tava esperando por isso pra bagunçar tudo. E era um tal de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava mais pra ouvir discurso nenhum. Tá na cara que os brancos ficaram brancos de raiva e com razão. Tinham chamado a gente pra festa de um livro que falava da gente e a gente se comportava daquele jeito, catimbando a discurseira deles. Onde já se viu? Se eles sabiam da gente mais do que a gente mesmo? Teve uma hora que não deu pra aguentar aquela zoada toda da negrada ignorante e mal educada. (Lélia Gonzalez, 1983).

Um dos maiores nomes do feminismo negro estadunidense, Angela Davis, disse em uma visita ao Brasil em 2019 que “aprendia mais com Lélia Gonzalez do que [os brasileiros com ela]”. Isso, mais uma vez, mostra o quanto temos de aprender a valorizar e apreciar pensadores nacionais que tanto têm a acrescentar a discussões importantes como as abordadas por Lélia Gonzalez, especialmente no âmbito nacional.

O esforço da autora em desmistificar estereótipos atribuídos às populações negras como consequência do passado colonial da América do Sul e discutir e combater as opressões sofridas pelos negros nos diferentes aspectos de sua vivência refletem ainda hoje diante da importância do legado do trabalho de Lélia Gonzalez. Discussões que não parecem, ainda, estarem diante de um fim próximo ou de uma resolução eficiente, mas que cada vez mais são colocadas em pauta e tidas como essenciais demais para serem deixadas de lado.

Referências bibliográficas:

BARTHOLOMEU, Juliana S. 2019. "Lélia Gonzalez". In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: <https://ea.fflch.usp.br/autor/lelia-gonzalez>

[LITERAFRO]. Lélia Gonzalez. Literafro, 15 de março de 2021. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/literafro/ensaistas/1204-lelia-gonzalez>.

MERCIER, Daniela. Lélia Gonzalez, onipresente. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/cultura/2020-10-25/lelia-gonzalez-onipresente.html>.

RIOS, Flávia. Lélia Gonzalez. Blog Mulheres na Filosofia. Disponível em: <https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/lelia-gonzalez/>.