Carl Schmitt argumenta ser impossível conceber uma democracia representativa, visto que o seu ponto fundamental repousa na identificação entre governante e governados. Portanto, ele exclui o pluralismo ao alegar que o líder deve unificar a vontade das massas. Dessa  forma, a política é entendida não como o campo da racionalização, mas das paixões.

Segundo o autor, não existem relações humanas naturalmente políticas. Contudo, qualquer relação pode ser politizada, tendo em vista que a relação política caracteriza-se pela incidência de uma disputa. O risco aqui presente é a exclusão de qualquer convivência pacífica dentro do contexto político, tendo em vista a polarização entre amigo e inimigo. O inimigo, caracterizado por ter interesses divergentes, deve ser sempre combatido.

Tendo em vista que a democracia se caracteriza pelo princípio de que o soberano é o povo e, sendo assim, há a necessidade da relação entre governante e governados na qual haja a vontade manifesta do povo. A crítica que o autor constrói é a falta dessa vontade do povo, pois apenas as vontades de uma parcela privilegiada da população é atendida. Dessa forma, só seria possível uma democracia no século XX através do totalitarismo, isto é, forçando a massa a se identificar com o líder. Assim, o autor aponta que o sentido absoluto da Constituição está relacionado à política e a unidade do Estado, e se encontra na Constituição. Isso porque a Constituição difere-se de leis constitucionais pois esta é fruto de um processo formal e trabalhoso.

Assim ele justifica a criação de sua Teoria da Constituição, uma vez que no século XIX as leis buscavam integrar a burguesia e o Estado. Contudo, no século XX, isso não se aplicava devido ao movimento liberal, que impedia a unidade. Sendo assim, isso levou o autor a escrever uma Teoria da Constituição. Schmitt justifica com a ideia de que uma teoria do Estado não teria mais sentido dentro de tal contexto. Pois o contexto era um Estado enfraquecido e, dessa forma, não abarcava toda organização política e nem toda a noção de um ordenamento jurídico. Ademais, o Estado deveria ser pautado numa Constituição que contivesse a vontade e unidade do povo alemão. Dessa forma, ele justifica que a sua Teoria da Constituição constitui a unidade política e concebe um Estado forte e unitário.

Nesse sentido, havendo essa constante oposição, essa polarização das posições, deve-se haver alguém pró-estado, esse seria exatamente o Guardião da Constituição, o chefe de Estado, já que esse tem poder sobre ela. Pois  a Constituição é o que dá unidade política ao Estado. Por outro lado, para Kelsen umas das funções da Constituição é estabelecer limites jurídicos ao uso do poder, sendo assim, o Guardião da Constituição deve ser uma Corte Constitucional.

Não obstante, a crítica de Schmitt também está assentada na caracterização dos parlamentares como meros negociatas, vez que as discussões no âmbito do parlamento estariam distanciadas do interesse público. Nesse sentido, é possível relembrar o conceito da chamada teoria dos jogos, na qual os atores agem por interesses individuais e, em consequência, desvirtuam as instituições em busca de benefício próprio. Assim, há uma busca pela despolitização, na qual prevalece o entendimento de que as instituições podem ser regidas por uma administração neutra, isto é, apolítica.

Neste ponto, cabe relembrar o ensinamento de Miroslav Milovic acerca da despolitização. O professor expõe que a despolitização é uma das armas da Modernidade. Pois, conforme pode ser depreendido do pensamento de Schmitt, há uma busca pela substituição da política em favor de uma noção de bem que é moldada de maneira autoritária. Em consonância ao pensamento de Miroslav, a professora Bethânia Assy argumenta que o Direito deve atuar de modo a garantir que as instituições mantenham-se como meio para a garantia da liberdade no âmbito político. No mesmo sentido, Juliano Zaiden sustenta que é essencial explorar também a participação popular, haja vista que a fragilidade da democracia constitucional pode ser contrabalançada por meio do diálogo entre as instituições e os cidadãos.

Nessa toada, as ideias de Schmitt também são refutadas por Chantal Mouffe. A autora alega que as democracias representativas, mesmo com problemas, são possíveis. Isso porque a democracia sobrevive em um estado de constante tensão entre a diferença e a equidade. Pois, segundo a autora, não é possível excluir o pluralismo, vez que, contrariamente ao pensamento de Schmitt, as pretensões dos indivíduos não podem ser plenamente homogeneizadas. Devido a isso, a democracia somente pode ser concebida nessa tensão, numa busca infinita pela democracia plena. Contudo, Chantal argumenta ainda que isso seria exatamente o fim da democracia representativa.

Nesse ínterim, sendo a democracia essa constante tensão entre a representatividade e a identidade entre governados e governante, há uma nova relação entre público e privado. Compreende-se que, para o bom funcionamento da democracia, é imperioso reconhecer a congruência entre essas duas esferas. Percebe-se então uma superação da dualidade entre público e privado, e uma busca ao enaltecimento da real cidadania. Trata-se de uma concepção que está no bojo do terceiro paradigma constitucional. O Estado Democrático de Direito é denominado como um paradigma material-formal, no qual há a construção de direitos difusos, como o do meio ambiente e do consumidor, o que coloca em xeque a questão público-privado. A esfera pública torna-se difusa e o privado é agora constitutivo da esfera pública.

Torna-se importante citar a incidência do atual paradigma constitucional, o Estado Democrático de Direito, uma vez que, de acordo com Kuhn, o paradigma molda toda uma comunidade científica, desde o âmbito macro até a escolha dos métodos e instrumentos utilizados para compreender determinado fenômeno. Nesse sentido, o paradigma constitucional é entendido como marco histórico-político que visa revolucionar a forma como o Direito em toda sua dialética é recebido e aplicado na sociedade, valendo-se de princípios como igualdade e liberdade e, ainda, o entendimento da democracia.

Dessa forma, ao valer-se desse entendimento para compreender as atuais tensões no que diz respeito a crescente desconfiança em relação ao parlamento e, por consequência, a ascensão de governos populistas, há de se interpretar como o melhor entendimento acerca da práxis do paradigma atual que essas turbulências não se tratam da tensão percebida como inerente, e até mesmo saudável, para a democracia. Uma vez que esses governos se utilizam de artifícios já conhecidos pela história constitucional em momentos ditatoriais, como a manipulação das massas, a falsificação da história (AGNU, 2019) e, ainda, em clara oposição ao paradigma atual, o constante movimento para o desmanche dos chamados direitos de terceira geração, é imprescindível compreender que não há espaço para tais tensões que colocam em xeque a ordem  democrática. Ressalta-se o entendimento de Chantal Mouffe ao refutar Carl Schmitt no que diz respeito, segundo ele, a única possibilidade de uma real democracia por meio da forçosa identificação dos governados com os governante, através da manipulação; o que nos parece remeter a atual situação.

Sendo assim, acredita-se na permanência do que é defendido no bojo do Estado Democrático de Direito. Assim, não constata-se uma transição para um novo paradigma, uma vez que, conforme sustenta Kuhn, a mudança paradigmática se dá sob alguns requisitos, como a inaptidão do anterior por não mais atender as necessidades de exploração de determinado objeto e a indispensável comprovação de que o então candidato a novo paradigma difere de outra visão precedente e, assim, é capaz de provocar uma crise e revolucionar o entendimento já consolidado. Portanto, cautelosa deve ser a análise nesse contexto, pois, conforme sustenta Kuhn, o reconhecimento e adesão de anomalias podem desvirtuar a ordem vigente.

Referências Bibliográficas

ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS [AGNU]. A/RES/73/157 - Combatir la glorificación del nazismo, el neonazismo y otras prácticas que contribuyen a exacerbar las formas contemporáneas de racismo, discriminación racial, xenofobia y formas conexas de intolerancia. 14 de jan. 2019.  

BUENO, Roberto (2012). Carl Schmitt e a crítica à democracia liberal. Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 16, n. 24.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

______. Quem deve ser o guardião da Constituição? In: Jurisdição Constitucional. São Paulo:  Martins Fontes, 2007. Págs.  237-298.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1998.

MOUFFE, Chantal. Pensando a democracia com, e contra, Carl Schmitt. In Revue Française de Science Politique, vol. 42, nº 1, fevereiro - 1992.

SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. Belo Horizonte:  Del Rey, 2007.

________. Teoria de la Constitución. Madrid Alianza editorial. 1996.

ZAIDEN, Juliano. A  “última palavra”, o poder e a  história: O Supremo Tribunal Federal e o discurso de  supremacia no constitucionalismo brasileiro (2014).