Grupo de Filosofia - Constants

João Marcos de Figueiredo Constante- 170146260

Vinicius Martins Diniz- 17 

João Vítor Cordeiro Daniel- 170106489

1.      Introdução

  Desde os tempos primitivos, as pessoas buscam algo capaz de satisfazer sua existência, algo que as torne verdadeiramente felizes. Para alguns a felicidade não passa de uma ilusão; para outros é possível ser feliz por alguns momentos, mas não eternamente; para outros a felicidade plena pode ser encontrada apenas no pós vida, e para outros apenas nessa vida. Não importa a sociedade, ou o indivíduo, todos têm uma concepção do que é felicidade, e de sua natureza.

  A referência filosófica mais antiga à felicidade é de Tales de Mileto quando afirma que é feliz quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada. Mais tarde, Sócrates afirmou que a felicidade era o próprio bem da alma, e poderia ser obtida no caminho para a obtenção da verdade, entendendo-a como uma virtude. Para Platão a felicidade estava relacionada com a ética, e para Aristóteles ela se encontrava no cotidiano.

  No campo espiritual, cada religião possui sua definição de felicidade e de como alcançá-la. Para o judaísmo e para o cristianismo, a felicidade consiste em estar próximo do Senhor (Provérbios 28.14). Para o islamismo, a felicidade plena pode ser alcançada apenas no paraíso (Hud, 11:105-108), mas ainda nesta vida pode ser encontrada por meio do contentamento (Al-Tawbah, 9.59). Para o espiritismo, a felicidade também não pode ser encontrada de maneira plena nesta terra (KARDEC, Allan, O livro dos espíritos, questão 920).

  Na cultura popular também é possível encontrar referências à chamada busca pela felicidade.  O cantor Seu Jorge escreveu uma música intitulada dessa maneira. O livro Admirável Mundo Novo faz uma crítica considerável sobre como obtemos a felicidade. E são infinitas as referências à felicidade trazidas em filmes, a exemplo de Divertidamente.

  As diferentes visões sobre felicidade trazidas acima não tem a pretensão de serem um rol exaustivo, mas uma exemplificação das mais diferentes formas de se pensar a felicidade e como alcançá-la. De uma forma ou de outra, a felicidade é um tema universal e muito atual. Não é possível entender as sociedades, sem entender a busca individual pela felicidade.

  É nesse sentido que Freud, ao analisar as três fontes do sofrer, que impedem a felicidade do indivíduo, lista a própria sociedade como um fator que nos impede de sermos verdadeiramente felizes. Para ele, a vida em sociedade priva o indivíduo de certas liberdades, criando um mal-estar presente, principalmente, a partir da modernidade. A mesma visão pode ser encontrada na obra de Bauman, que acrescenta à visão freudiana, a necessidade de escolha entre a ordem e beleza ou a liberdade individual e a felicidade.

  Assim, o objetivo deste post é entender de maneira mais aprofundada a crítica trazida por esses autores, analisando também a aplicação desta interpretação na sociedade atual, com destaque ao contexto brasileiro.

2.   Crítica de Freud e Bauman

  Para Freud em “O mal-estar na civilização”, existem três fontes do sofrer. Elas são a prepotência da natureza, a fragilidade de nosso corpo e a insuficiência das normas que regulam os vínculos humanos na família, no Estado e na sociedade. Em relação às duas primeiras, não há dúvida que resta ao indivíduo aceitá-las. Não é possível dominar totalmente a natureza, e nem é possível, apesar de toda a medicina, alterar alguns aspectos do nosso corpo. Todavia, em relação ao terceiro ponto, é possível que os indivíduos a alterem.

  Segundo Freud, as instituições que criamos não são capazes de proporcionar bem-estar, gerando a maior parte das angústias que lidamos. Isso porque a vida em sociedade só funciona quando a sociedade é mais forte que o indivíduo, de forma que a coletividade utiliza do seu poder para estabelecer o que chamamos de Direito, e também de Cultura, em detrimento ao poder individual. Como resultado, a sociedade priva o indivíduo, domando grande parte de sua personalidade individual. Por fim, “o homem se torna neurótico porque não pode suportar a medida de privação que a sociedade lhe impõe, em prol de seus ideais culturais” (FREUD, 1930). A conclusão lógica da tese de Freud é de que a sociedade e a cultura inibem o homem de sua liberdade individual, e como consequência impede a plena felicidade do homem.

  Ele reconhece que não seria possível abrir mão da sociedade, porém afirma que deve ser encontrado um equilíbrio necessário entre a liberdade e a sociedade para que a felicidade seja possível.

  Aproximadamente 70 anos mais tarde, Zygmunt Bauman resgata a tese de Freud, complementando-a a partir da experiência vivida no século XX. Segundo seu entendimento, a vida em sociedade traz alguns ganhos, tais quais a beleza, a pureza e a ordem. Ele não nega que a vida em sociedade acarreta no mal-estar, mas reconhece que estes elementos quando abandonados geram indignação e lamentação.

  Sua tese é a de que Freud analisou a sociedade em um período de extrema ordem, na qual não haveria liberdade suficiente. Sete décadas depois, Bauman afirma viver num contexto diferente, na qual a ordem predominante é a liberdade, presidida pelo prazer, e os ideais de beleza, pureza e ordem devem ser perseguidos de maneira individual. Ele afirma que “os homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão de felicidade”. Contudo, apenas saímos do mal-estar da modernidade, para um mal-estar da pós-modernidade.

  Seu diferencial quanto a tese de Freud, é de que para ele “a defesa contra o sofrimento gera seus próprios sofrimentos”. Ao trocarmos a segurança pela liberdade, criamos novos mal-estares que também nos impedem de desfrutarmos plenamente da felicidade. Ao trocar a segurança pelo bem-estar, trocou-se o mal-estar da modernidade pelo da pós-modernidade na qual a segurança individual é pequena demais.

3.      Da Sociedade Atual

  A sociedade brasileira tem sido marcada pela intensa luta por seus direitos. Existem movimentos pelo reconhecimento da discriminação por raça, gênero, condição social e diversos outras lutas que muitas vezes nem chegam ao conhecimento da sociedade como um todo.

  Esses movimentos se iniciaram ainda no processo de redemocratização, quando o país superou um paradigma no qual a ordem e a segurança eram valores absolutos, para um país que preza pelos direitos individuais e das minorias. Essa mudança se expressa no artigo 1°, III da Constituição Federal, é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Este princípio está relacionado com a própria liberdade individual em face da sociedade. O professor André Tavares apresenta como fundamental para a concretização deste princípio que:

  “O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe, por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total auto disponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação (Selbstbestimmung des Menschen) que surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que de uma predeterminação dada pela natureza.” (TAVARES, 2020)

  Ainda é questionável no Brasil, até que ponto a sociedade se abriu para garantir a liberdade individual de cada indivíduo. Contudo, é inconteste que nos últimos 33 anos a sociedade tem se aberto para garantir a maior liberdade individual de cada indivíduo. Movimentos quase inexpressivos antes, hoje possuem mais voz, e pessoas têm tido a possibilidade de serem mais livres do que antes. Liberdade não apenas quanto à questão sexual, mas também de novos grupos sociais, quanto a possibilidades de trabalho que não envolvem necessariamente formação universitária e novas formas de se definir como pessoa.

  Segundo a análise freudiana, num contexto de maior liberdade era esperado que houvesse mais felicidade, porém não é o quadro que tem se desenhado na sociedade brasileira. A sociedade se mostra cada vez mais triste e ansiosa, além de se mostrar desiludida quanto ao futuro e quanto à própria vida. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, de 2003 a 2013, o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%.

  É possível argumentar que apesar do aumento de liberdade em determinadas áreas, surgiram novas formas pela qual a sociedade exerce a pressão cultural. Surgiram instrumentos de coerção social como a cultura do cancelamento e as Fake News, além de que ainda são visíveis casos de preconceitos mesmo com a criminalização desses atos. De forma que seria correto imaginar que não existe liberdade suficiente ainda.

  Porém, parece mais razoável reconhecer a hipótese de que a felicidade não pode ser alcançada apenas pela liberdade individual. A tese de Bauman sobre o mal da pós-modernidade é mais fiel aos acontecimentos no nosso país. Paralela à maior liberdade conferida a cada indivíduo, ocorreu o surgimento de novos mecanismos de coerção social, a expansão da polarização política, e o aumento dos casos de preconceito. Todos esses fatores diminuíram a segurança, e evitaram a realização da felicidade.

  A felicidade não pode ser alcançada apenas pela libertação individual. Essa foi a conclusão de Bauman ao analisar a sociedade em que viveu, de que: “Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais.” (Bauman, 1997).

4.      Conclusão

  O paradoxo consiste em que nós como sociedade, ainda não conseguimos encontrar uma forma de prover a felicidade. Se antes não havia liberdade suficiente (mal-estar da modernidade), a liberdade quando dada gera insegurança (mal-estar da pós-modernidade), e os indivíduos continuam a buscá-la, mas não a encontrá-la.

  Talvez possamos encontrar a felicidade quando encontrarmos o equilíbrio proposto por Bauman, quando encontrarmos um equilíbrio entre a segurança e a liberdade. Porém, acredito que quando encontramos o equilíbrio, novos problemas surgirão, de forma que surja um novo mal-estar. E quando encontrarmos a nova solução, descobriremos que mais um mal-estar surgiu. E assim seguiremos, em busca de uma felicidade que talvez não encontraremos, que talvez nem mesmo exista. Talvez Anton Tchekhov esteja certo: “Nós não somos felizes, e a felicidade não existe; apenas podemos desejá-la”.

5. Bibliografia

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. . Pesquisa Nacional de Saúde: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências. Rio de Janeiro: 2015. 105 p. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94074.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021.

Costa, Alexandre. Os desafios da filosofia contemporânea. Arcos, 2020

Costa, Alexandre. Freud e o mal-estar da modernidade. Arcos, 2020.

Costa, Alexandre. Bauman e o mal-estar da pós-modernidade. Arcos, 2020

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo. Saraiva, 2020