Autores: Ana Beatriz Eirado Martins, Creso Tatiano Lima e Paulo Alves de Santana Neto

A distinção entre tradição e ordem natural, própria dos gregos, foi fundamental para a construção dos direitos naturais, tão importantes para a pós-modernidade. A ideia de que a tradição pode ser um empecilho para a inovação dos Estados e que nem sempre ela é benéfica rompe com antigas concepções sobre o papel dos governos de preservar a tradição. Nesse sentido, no regime Constitucional, ao qual estamos submetidos, o papel dos Estados passa a ser o de preservar os direitos naturais que decorrem da ordem natural.

Tal direito natural não depende das opiniões ou dos decretos dos homens. É sempre igual e ligado a uma natureza imutável que se alcança através da razão, determinando o que é belo, justo e bom.

No entanto, definir a ordem natural em uma sociedade cada vez mais plural é uma tarefa impossível e a pretensão de encontrar uma verdade absoluta, capaz de orientar o comportamento dos indivíduos e do Estado, gera ainda mais conflito. A pós-modernidade enfrenta, portanto, o desafio de organizar sociedades plurais diante da incerteza permanente nas relações sociais.

Tomando-se por exemplo a igualdade, direito natural protegido pelo Estado Constitucional, percebe-se que seu sentido não é estático e nem universal, uma vez que cada indivíduo compreende o termo a partir do período histórico que vive e do grupo social do qual faz parte. Cabe ressaltar ainda que a defesa da igualdade por um Estado que nasce da desigualdade é um tanto quanto irônica. Não quero com essa afirmação menosprezar o papel do Estado nas sociedades pós-modernas, mas apenas constatar que a defesa da igualdade é utilizada tanto para manutenção do status quo, quanto para a obtenção de justiça, outro contrassenso. Tudo depende do grupo que possui o poder de determinar o sentido da ordem natural.

A tentativa de definir valores universais para um conjunto de pessoas exige um esforço hercúleo por parte de quem se propõe a fazê-lo, dado que a verdade, num mundo de infinitas possibilidades, têm as suas bases cada vez mais fracas. O certo torna-se aquilo que convém e a verdade perde força enquanto ferramenta de coesão social, ao mesmo tempo que continua sendo invocada pelos defensores da metafísica como única solução para os problemas complexos que vivenciamos. Nesse contexto, a imposição de visões particulares para um todo plural representa grande perigo para a liberdade e para a diversidade, pois impede contraposições e dificulta o debate.

Daí porque estabelecer verdades universais pode ser o passaporte para o ingresso em regimes autoritários e para o fortalecimento de posições fundamentalistas, em que representantes ditam como as coisas são conforme sua visão de mundo.

No Brasil atual, flertamos com discursos que se voltam para essa direção. Sem muito esforço você vai lembrar de elucubrações como o termo “ideologia de gênero”, o qual sequer era discutido nos estudos sobre gênero. Da mesma forma, são frequentes imposições das mais esdrúxulas por pessoas que ocupam cargos do mais alto gabarito. Quando uma Ministra de Estado diz que “menino veste azul e menina veste rosa”, o intuito de catequizar o país com uma visão de mundo particular fica evidente. Não à toa me vem à memória uma frase de autoria desconhecida: “quem nos protege da bondade dos bons?”

Portanto, a fim de evitar o flerte com horizontes utópicos em que há uma definição precisa de verdade e de ordem natural, traça-se como alternativa uma filosofia para a tolerância que busca definir princípios de coexistência dos diferentes grupos e comunidades, e fazer prevalecer a razão, oferecendo alternativas à violência e às imposições arbitrárias, garantindo a diversidade e a divergência. Uma vez que, conforme assinala Leo Strauss (1899-1973), o ser humano jamais criará uma sociedade livre de contradições.

Referências Bibliográficas

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