O jusnaturalismo, durante os séculos XVII e XVIII, encontrou um terreno bastante fértil para seu desenvolvimento. Foi através dos trabalhos de Hobbes, Locke e vários outros filósofos e teóricos políticos que essa corrente do direito pôde se consolidar. Entretanto, o jusnaturalismo enfraqueceu durante o século XIX, cedendo lugar para o juspositivismo e seu caráter empírico. David Hume retrata bem essa mudança de pensamento. Ele foi o primeiro dos modernos a abandonar a busca pela ordem valorativa racional (COSTA, 2020b). Dessa forma, ao invés de afirmar a supremacia da razão e dos métodos racionais de alcançar a certeza e a verdade, ao estilo cartesiano, conduz sua reflexão para o caminho da reconstrução do conhecimento humano (BITTAR; ALMEIDA, 2021, p. 358). A partir disso, o Direito passou a ser analisado através de uma perspectiva empírica, negando “a validade de princípios metafísicos, de valores absolutos, de princípios que sejam eternos, imutáveis e universais” (NADER, 2020, p. 223).

Assim como constatou David Hume que todos os sistemas normativos são artificiais — uma vez que são criados pelo homem —, a existência do Direito é uma decorrência do fato de que os homens tendem a criar sistemas normativos que organizam a sociedade (COSTA, 2020b).

Dessa mesma forma, no historicismo desenvolvido por Savigny, o Direito seria uma emanação espontânea dos fatos sociais, em um processo de lenta e inconsciente elaboração. Por consequência, o fenômeno jurídico seria, em sua essência, dinâmico e mutável no tempo e no espaço, pois acompanharia as transformações sociais (NADER, 2020, p. 28). Sendo assim, ao entender o Direito como produto da cultura, surge o questionamento acerca da possibilidade de existência de postulados universalmente válidos, característica de uma ciência.

Deve-se, de antemão, ter em mente que a palavra “Direito” apresenta diversas acepções na sociedade, mas segundo Ferreira (2017), “parece haver, basicamente, a seguinte distinção: 1) Direito como um conjunto de leis, que expressariam o que é justo; (2) Direito como um estudo, isto é, uma ciência que estuda as leis.”

Diante dessa afirmação, podemos compreender que no Direito como um conjunto de leis há a possibilidade de variações, já que é fruto da cultura; e no Direito como uma ciência que estuda as leis — o Direito Descritivo — pode-se visualizar a demanda por resultados práticos efetivos que, através da investigação, entende, sistematiza e classifica.

Levando em consideração o que se tem por ciência, a função normativa do Direito não poderia ser classificada como tal, uma vez que este age diretamente na sociedade, isto é, opera alterações sociais e aqui entra o conceito de técnica, no qual há o interesse de mudança — prescreve uma conduta tida como correta, voltada para a ação. Portanto, o Direito normativo não pode ser considerado uma ciência porque ela não se limita a apenas descrever o fenômeno, mas tem uma postura proativa, de ação, depende da vontade dos sujeitos envolvidos.

Por outro lado, o Direito Descritivo pode ser considerado uma ciência – ao passo que ele visa à realidade normativa e elabora critérios de validação (FERREIRA, p.6). A “(...) ciência do direito define-se como sendo a investigação metódica e racional do fenômeno jurídico e a sistematização dos conhecimentos resultantes” (PIRES, 2008). Assim, no Direito Descritivo pode-se dizer que seria identificada a função do cientista: conhecer as regularidades dos fatos empíricos, a estrutura por trás das aparências (COSTA, 2020c). Logo, conclui-se que, nesse aspecto, o Direito se apresenta numa forma passiva — diferente de sua forma ativa como Direito Normativo. O que se pretende aqui é entender, destrinchar e descrever o Direito através da execução de métodos; não há exatamente um intuito de aplicar ativamente na sociedade o resultado obtido, visto que o Direito Descritivo busca apenas gerar e aprimorar o conhecimento.

Sobre isso, é importante perceber que “o conhecimento científico consiste na apreensão mental das coisas por suas causas ou razões, através de métodos especiais de investigação” (NADER, 2020, p. 2). Assim, a perspectiva científica não abrange apenas acontecimentos isolados, mas sim uma determinada área do saber de modo amplo. Esse conhecimento científico, na esfera jurídica, não é caracterizado pela simples noção do conteúdo e significado da lei, visto que pressupõe o conceito do objeto — que, no caso, seria o Direito — e compreende a visão unitária do sistema jurídico (NADER, 2020, p. 2).

Assim, o cientista constrói modelos para descrever os fenômenos observados no mundo, age, conforme pensamento de Rudolf von Jhering (1818-1892), tal qual um químico: decompõe os elementos e, assim, identifica as partículas fundamentais, e a partir disso torna-se possível o entendimento das unidades mais complexas (COSTA, 2020c).

Entretanto, apesar de se estabelecer como ciência e ter como objetivo descrever e explicar a realidade, não se deve olvidar que tal trabalho é operado pelo cientista (jurista) e este, por ser um ser humano, está sujeito a inclinações, as quais podem refletir na forma como conduz e resultam suas pesquisas e teorias.

Diante do que foi exposto, vê-se, então, que há diferença entre Direito e a Ciência do Direito, uma vez que, aquele é um conjunto de normas válidas, esta, é uma teoria que oferece descrição precisa de seu objeto. É importante ressaltar que, ao proceder à reflexão jurídica, o jusfilósofo, em razão da natureza desse objeto de pesquisa, não conseguirá atingir os fins a que se propõe se aplicar ao fenômeno jurídico a mesma lógica que é aplicável às ciências naturais. Isso acontece porque as ciências naturais são regidas pelo princípio da causalidade, com um nexo absoluto entre causa e efeito, permitindo que o cientista opere com medidas exatas; entretanto, o fenômeno jurídico, por ser objeto cultural, deve ser tratado com pautas flexíveis, tão ágeis e móveis quanto o quadro cultural contemplado (NADER, 2020, p. 29).

Retomando o que foi dito anteriormente, no positivismo cientificista, entendia-se que toda ciência precisaria de um objeto empírico e de um método determinado. Diante disso, fazer com que o direito assuma a posição de objeto empírico é aceitar que ele pode ser observado no mundo e captado pelos sentidos, o que vai contra a noção de que ele é deduzido da própria racionalidade. Assim, o direito não pode ser classificado exatamente como uma verdadeira ciência, mas sim como um fenômeno histórico (COSTA, 2020a).

Realmente, do ponto de vista histórico, o Direito não foi uma criação da Ciência, mas sim fruto da natureza humana. É importante observar que as primeiras normas foram determinadas pela experiência e motivadas pela necessidade de proteção dos interesses primários do homem; assim, são as condições próprias do ser humano que fazem surgir o princípio da ordem a ser estabelecida na sociedade (NADER, 2020, p. 27).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 15. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2021.

COSTA, Alexandre. Curso de Filosofia do Direito. 2020a. Disponível em: <https://novo.arcos.org.br/curso-de-filosofia-do-direito/>. Acesso em: 9 abr. 2021.

COSTA, Alexandre. David Hume e a Negação de uma Ordem Jurídica Natural. 2020b. Disponível em: <https://novo.arcos.org.br/david-hume-e-a-negacao-de-uma-ordem-juridica-natural/>. Acesso em: 6 abr. 2021.

COSTA, Alexandre. Hermenêutica Jurídica. 2020c. Disponível em: <https://novo.arcos.org.br/hermeneutica-juridica/#3ajurisprudnciadosconceitos>. Acesso em: 6 abr. 2021.

FERREIRA, Rafael dos Reis. O Direito é uma Ciência? Uma análise em Filosofia da Ciência. 2017. Disponível em: <https://www.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/view/268>. Acesso em: 6 abr. 2021.

NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

PIRES, Natalia Taves. A relação entre a Ciência do Direito e a Dogmática Jurídica. 2008. Disponível em: <https://www.diritto.it/a-relacao-entre-a-ciencia-do-direito-e-a-dogmatica-juridica/#:~:text=A%20Dogm%C3%A1tica%20Jur%C3%ADdica%20%C3%A9%20esp%C3%A9cie,fim%20prec%C3%ADpuo%20da%20seguran%C3%A7a%20jur%C3%ADdica>. Acesso em: 6 abr. 2021.