Embora a obra Crepúsculo dos Ídolos seja atribuída e considerada uma das mais importantes do acervo do filósofo Friedrich Nietzsche, é possível atribuir à David Hume a figura de grande responsável pela decadência de ídolos antigo (Filosofia Grega) e, mais do que isso, instigador do que seria o início da derrocada da relevância da filosofia para a sociedade.
David Hume, nesse sentido, estabeleceu por meio de sua filosofia que a ordem natural das coisas não está disposta para acesso na medida em que se imaginava no campo científico e filosófico. Com efeito, Hume entendia que a subjetividade das percepções não seria capaz de gerar nada mais senão modelos explicativos baseados em crenças dogmáticas. De fato, observa-se essa impossibilidade de acesso a constatações absolutas para o autor no seguinte trecho de uma de suas principais obras:
Mas, excluindo um metafísico desse tipo, eu me aventuro a afirmar que o resto da humanidade não é nada além de um feixe ou coleção de diferentes percepções, que se sucedem umas às outras com rapidez inconcebível e se encontram em fluxo e movimento perpétuos. Nossos olhos não podem mover-se em suas órbitas sem mudar nossas percepções. Nosso pensamento é ainda mais variável que nossa visão, e todos os nossos sentidos e faculdades contribuem para esta mudança; nem há nenhum poder da alma que permaneça inalterado, sequer por um momento. A mente é uma espécie de teatro, onde várias percepções se sucedem, passam, repassam, desaparecem e se misturam em uma variedade de maneiras e situações. Não há propriamente nenhuma simplicidade nela em nenhum momento, nem uma identidade na diferença; apesar de alguma tendência natural que possamos ter para imaginar esta simplicidade e identidade. A comparação com o teatro não deve nos enganar. Não possuímos a mais remota noção do lugar onde essas cenas são representadas, nem do material de que são compostas. [1]
Por mais dura que sua crítica seja em face tanto da filosofia como da ciência, as repercussões nessas áreas manifestaram-se de formas completamente distintas. Se por um lado, a filosofia, antes orgulhosa de sua capacidade de entender o mundo em termos absolutos e de supervalorização do metafísico, estremeceu frente as fortes críticas humeanas, que foram direcionadas a sua própria base; por outro lado, a ciência, dependente de seus efeitos práticos para sua legitimação social, pouco sentiu frente as mesmas críticas e, além, mostrou-se cada vez mais dissociada da filosofia e da sua necessidade de fundamentação filosófica. Sobre esse ponto, com maestria o Professor Alexandra Araújo Costa tece o seguinte comentário:
E ocorre que, diversamente da filosofia, cujo impacto na vida das pessoas foi pequeno no século XIX, o impacto da ciência foi gigantesco. A ciência não demanda uma justificação filosófica para que seja aceita e respeitada, ela demanda resultados práticos efetivos, que foram alcançados em demasia ao longo do século XIX, em vários campos diferentes. (...)
Que sentido havia em insistir na inacessibilidade do mundo físico pela racionalidade quando os discursos sobre o mundo físico nos ofereciam os avanços da ciência moderna? [2]
O grupo acredita que é exatamente fruto desse cenário que, no século XXI, o grande cientista Stephen Hawking concebe a polêmica frase: “a filosofia está morta” [3]. Tal conclusão desenvolve-se pelo raciocínio de que a filosofia se tornou filha da ciência, isto é, campo de conhecimento completamente secundário no que diz respeito às ferramentas voltadas para o conhecimento das verdades do mundo [4]. Nessa perspectiva, o cientista dá densidade ao seu argumento a partir da exposição de como o ser humano é curioso por natureza e como a ciência conseguiu se adaptar ao tempo, aliás, sendo melhor que qualquer área de conhecimento na modernidade na tarefa de dar respostas.
Além disso, como mencionado, a lógica da própria ciência é diversa da filosófica. Além do papel comum de entregar respostas para a sociedade, a ciência busca - até arriscamos dizer que -, de forma primordial, proporcionar o conforto material ao ser humano, diferente da filosofia. Ou seria correto concluir que esta última foi essencial para o desenvolvimento das geladeiras; dos celulares; dos carros? Dessa lógica, reforça-se a secundariedade da filosofia em face da grande legitimação social da ciência.
Como não bastasse, constata-se que a filosofia pós-humeana caiu em um grande limbo de abstração. É dizer, os filósofos que buscaram uma resposta para a teoria de David Hume, como Immanuel Kant, lançaram mão de respostas complexas e abstratas ao ponto de serem inacessíveis para a sociedade como um todo. Exemplo disso é a complexa análise desse filósofo acerca da própria racionalidade humana, de onde as pessoas poderiam retirar valores absolutos, mas parece que essas consideram mais esse sistema como “abstrato demais para ser compreendido pelas pessoas que podiam viver sem uma fundamentação objetiva de seus valores”. Portanto, é provável que, diante e por todo exposto, o brilhante cientista decreta a morte da filosofia.
[1] MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2.ed. ver. Rio de Janeiro:Zahar, 2007. p. 113.
[2] Costa, Alexandre. A ascensão dos discursos científicos no séc. XIX. Filosofia.arcos, 2020.
[3] HAWKING, S.; Mlodinow, L.. The Grand Design. New York: Bantam Books, (imprint of Random House Publishing Group), 2010.
[4] SILVA, Diogenes Galdino Morais; MAAMARI, Adriana Mattar. A filosofia acuada: breves indagações sobre vida e morte no ensino de filosofia. UNIVERSITAS, n. 13, 2014.
Referências bibliográficas:
COSTA, Alexandre. A ascensão dos discursos científicos no séc. XIX. Filosofia.arcos, 2020.
HAWKING, S.; Mlodinow, L.. The Grand Design. New York: Bantam Books, (imprint of Random House Publishing Group), 2010.
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2.ed. ver. Rio de Janeiro:Zahar, 2007. p. 113.
SILVA, Diogenes Galdino Morais; MAAMARI, Adriana Mattar. A filosofia acuada: breves indagações sobre vida e morte no ensino de filosofia. UNIVERSITAS, n. 13, 2014.