A resposta à indagação acima se dá pela máxima de todo advogado arguto diante da realidade fática expressada pelo seu cliente: ....depende.
Pois, se falarmos na perspectiva jusnaturalista contemporânea balizada nos ditames da Lei Natural, defendida por John Finnis, que em nada tem a ver com a metafísica, mas que é constituída a partir da Razão Prática. Direito não é um conjunto de normas.
Vez que essa Lei Natural percorre o axioma de que as ações humanas devem ser pensadas a partir do seu fim, ou seja, a partir do bem a que elas se destinam, trilhando o caminho percorrido por Aristóteles na Ética a Nicômaco, cujo trecho vale destacar: “Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem.”
Ressaltamos que se trata de um axioma, pois na visão do ilustre professor não é possível pensar o comportamento humano se não for dessa maneira. Assim, o convívio social justo, parte do pressuposto do exercício da racionalidade prática, ou seja, só existe a possibilidade do homem conviver no espaço político se ele for racional, o que nos faz lembrar do conceito de Hanna Arendt do “politikon zoon” – animal político: “Essa relação especial entre a ação e estar junto parece justificar plenamente a antiga tradução do zoon politikon de Aristóteles com o animal socialis, que já encontramos em Sêneca e depois, com Tomás de Aquino, tornou a tradução consagrada: homo est naturaliter politicus, ide est, socialis (o homem é, por natureza, político, isto é, social).”
Assim, voltando ao raciocínio, a Lei Natural que fundamenta a teoria contemporânea Jusnaturalista, está calcada na Razão Prática, que proporciona o convívio social justo, alimentado pelo debate político na esfera pública assentada em elementos universais que são pressupostos em qualquer ação humana, os quais são classificados como Princípios da Lei Natural ou Princípios Morais Fundamentais: a vida, o conhecimento, o jogo, a experiência estética, a sociabilidade, a razoabilidade prática e a religião, que são irrefutáveis, os quais devem ser resguardos e protegidos, pelo Estado, por meio do direito positivo, mas que existem independentemente da norma.
Já, se a perspectiva se der do ponto de vista do Positivo moderno, Direito é um conjunto de normas.
Desse modo, salutar trazermos a conceituação de Paulo Nader : Em sua dimensão positiva, Direito é o conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os princípios de justiça.
Ao fim, em tempos de prevalência do pós positivismo de Dworkin e Alexy, há que se levar em conta o realismo jurídico, em contraponto às visões anteriores, vez que rejeita um Direito assentado na moral, bem como critica a centralidade da norma.
Isso porque, na visão dos que militam nessa corrente o Direito não é produto do Legislativo, portanto não é formal normativo, mas ele é fruto das decisões repetidas dos Tribunais (comportamentalista) que acontecem por razões variadas, todavia possível de serem mapeadas, por conta dos recursos tecnológico hoje disponíveis, consoante se apura em trecho do artigo de Alexandre Araújo Costa e Ricardo de Lins e Horta, ao comentarem as decisões dos juízes no judiciário americano: “...estudiosos norte-americanos têm sugerido, por exemplo, que um juiz não leva em conta apenas sua preferência político-ideológica ao decidir num determinado sentido; ele considera a chance, a priori, de ter sua decisão revertida em tribunais superiores, ou de ser derrotado no colegiado que integra, antes de pautar a causa.”
De outra ponta, agrega-se ao cabedal de influências externas ao Direito produzido pelos magistrados, as regras sociais relacionadas à Psicologia Cognitiva e Social (psicológico), conforme se apura na pesquisa de Lawrence Baum, citada no artigo de Alexandre Araújo Costa e Ricardo de Lins e Horta: Como quaisquer pessoas, juízes se preocupariam precipuamente com as opiniões dos seus pares e das pessoas que lhe são caras. Assim, a visão de familiares, amigos, colegas magistrados, do meio acadêmico em que se inserem, das corporações que integram, dos grupos de interesse que apoiam, etc., teriam um peso substancialmente maior do que a das demais pessoas.”
A síntese dessas duas vertentes do realismo jurídico (comportamental e psicológica) encontramos em Alf Ross: “Deste modo, o direito é vigente porque é aplicado pelos tribunais. Contudo, a interpretação puramente comportamental do conceito de vigência não é suficiente, pois é impossível predizer a conduta do juiz por meio de uma observação puramente externa do costume.”
De onde se conclui, que também sob essa perspectiva, Direito não é um conjunto de normas.
Referências:
Aristóteles (384-322 a.C.) Ética a Nicômaco / Aristóteles ; tradução, textos adicionais e notas Edson Bini – São Paulo : EDIPRO, 2014. (Série Clássicos Edipro) (Livro I)
ARENDT Hannah, A condição Humana, Forense Universitária, RJ, 2014, tradução Adriano Correia, p.28.
Esclarecendo apenas que a palavra “ação” negritada acima não se trata do substantivo usualmente conhecido na língua portuguesa, mas no conceito de Arendt, devidamente sintetizado por Tércio Sampaio Ferraz Jr, temos que: “O cidadão exercia sua atividade própria em outro âmbito, a polis ou civitas, que constituía a esfera pública. Aí ele encontrava-se entre seus iguais, e era livre sua atividade. Esta se chamava ação.” FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 23.
Nader, Paulo - Filosofia do direito / Paulo Nader. – 26. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Costa, Alexandre; Horta, Ricardo de Lins. Das teorias da interpretação à teoria da decisão: por uma perspectiva realista acerca das influências e constrangimentos sobre a atividade judicial R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 20, p.280, jan./jun. 2017.
Costa, Alexandre; Horta, Ricardo de Lins. Das teorias da interpretação à teoria da decisão: por uma perspectiva realista acerca das influências e constrangimentos sobre a atividade judicial R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 15, n. 20, p.284, jan./jun. 2017.
Ross, Alf. Direito e justiça cit. , p.99