O filósofo Paul Silbert vê que a grande relevância do normativismo, em especial a obra de Hans Kelsen, é distorcida pelo senso comum que entende o direito como um conjunto de normas (não diferindo de textos) imposto pelo Estado. E afirma que o conceito dado por Kelsen é bastante preciso ao dar significado à norma, o que examinaremos a seguir.

Primeiramente, a teoria pura de Kelsen busca demonstrar o que é o direito por meio somente de seu âmbito Jurídico afastado de suas conexões, como, por exemplo, a psicologia, a ética, que o desvirtuam, tendo como proposta ser uma teoria da interpretação.

"Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental."(Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed.).

Ademais, Kelsen argumenta que podemos conceber o Direito como uma ordem normativa, como um sistema de normas que são capazes de regular a conduta, o comportamento dos indivíduos. Ele expressa que as normas são um ato de vontade do legislador que regulamenta o comportamento humano, de forma que deve-se obedecer a autoridade e agir conforme prescrito na lei. O que vale ressaltar é que só o fato de alguém ordenar que algo seja feito ou não, não é o suficiente para considerar tal comando como válido, afinal, apenas autoridades competentes podem estabelecer normas que sejam consideradas válidas.

E, mesmo diante de tais afirmativas, Kelsen ainda nos traz alguns questionamentos: (i) o que fundamenta a unidade de uma pluralidade de normas? (ii) por que é que uma norma determinada pertence a uma determinada ordem? (iii) Por que é que uma norma vale, o que constitui o seu fundamento de validade?

Antes de respondermos tais questões, gostaríamos de ressaltar os significados dos termos “norma” e “validade”, conforme a teoria kelseniana.

O termo norma é abordado no sentido de que algo deve ser ou acontecer de determinada maneira, que o indivíduo se deve conduzir da forma que está prescrita. Na verdade, “a norma é um dever-ser e o ato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser.” Já o termo “validade” refere-se à existência de determinada norma que, quando descrito o sentido, o significado de um ato normativo, dizemos que uma conduta é prescrita, exigida, proibida, consentida ou facultada. Então,

“Se, como acima propusemos, empregarmos a palavra “dever-ser” num sentido que abranja todas estas significações, podemos exprimir a validade de uma norma dizendo que certa coisa deve ou não deve ser, deve ou não ser feita.  [...] A norma é o significado de um ato de vontade, e não um ato de vontade.” (Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed.).

Dando andamento às respostas para as questões introduzidas por Kelsen, dizermos que uma norma “vale” quer dizer que o indivíduo se deve conduzir do modo prescrito por ela.

"Com o termo “norma” se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira. É este o sentido que possuem determinados atos humanos que intencionalmente se dirigem à conduta de outrem. Dizemos que se dirigem intencionalmente à conduta de outrem não só quando, em conformidade com o seu sentido, prescrevem (comandam) essa conduta, mas também quando a permitem e, sobespecialmente, quando conferem o poder de a realizar, isto é, quando a outrem é atribuído um determinado poder, especialmente o poder de ele próprio estabelecer normas. Tais atos são - entendidos neste sentido - atos de vontade."(Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed.).

Ainda, o fundamento de validade de uma norma “apenas pode ser a validade de uma outra norma”. Neste sentido, uma norma que é capaz de representar o fundamento de validade de uma outra, é considerada norma superior, sendo a outra, norma inferior. E, como norma mais elevada, ela é pressuposta, sua validade não pode ser derivada de outra que seja ainda mais elevada, pois “o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão”, afinal, ela é pressuposta como mais elevada, por conseguinte, designada como norma fundamental – fonte de validade de todas as normas que pertencem à mesma ordem normativa. O ordenamento então resultaria de uma norma fundamental que confere validade às constituições positivadas. Em outras palavras:

“É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.” (Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed.).

Isto posto, pode-se dizer, ainda, que a norma funciona como esquema de interpretação, isto é,

“o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa. [...] Isso quer dizer, em suma, que o conteúdo de um acontecer fático coincide com o conteúdo de uma norma que consideramos válida.” (Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed.).

Desta forma, o conhecimento jurídico, do qual o direito é o objeto, é destinado às normas jurídicas que conferem a determinados fatos o caráter de ato jurídico por uma transformação através de seu conteúdo que lhe confere uma significação jurídica por se interligar ao conteúdo da norma, que também permite a interpretação do ato conforme esta norma.

Para Kelsen, o que transforma um fato em ato jurídico é o sentido objetivo ligado a este ato, à significação que possui. Assim,

“O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo esta norma.” (Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed.).