Em uma breve síntese, trata-se de embargos de divergência formulado contra o acórdão da Terceira Turma do STJ referente a comunicação dos bens aquestos na constância do casamento sob o regime de separação obrigatório de bens “independentemente da prova de esforço comum”.
A parte embargante demonstrou a ocorrência de importante divergência nos entendimentos das turmas do STJ em relação à referida matéria. Apontou que a 3° e 4° Turma tiveram o entendimento da necessidade de comprovação de esforço comum para comunicação de bens quando o casamento for regido pelo regime de separação legal.
Nesse enredo, foi delimitado o epicentro do embate entre as teses, sendo concentrada na necessidade ou não da comprovação do esforço comum do casal na aquisição de bem, para fins de direito à meação pelo cônjuge supérstite.
Com intuito de buscar fundamentação no Direito material e jurisprudencial, o relator projetou a hermenêutica jurídica dos arts. 258 e 259 do Código Civil de 1916, do art. 1.641 do Código Civil de 2002 e da Súmula 377 do eg Supremo Tribunal Federal. A principal inferência dessa pesquisa foi em relação a interpretação do artigo 259, fomentador da súmula 377, no qual entendeu que o texto normativo, “Embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto, à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”, teria aplicação para fundamentar a comunicabilidade dos bens no regime de separação legal independente de comprovação de esforço mútuo dos cônjuges.
Por fim, o relator conclui que apesar de haver fundamentos que corroboram para interpretação da súmula 377 do STJ para presunção do esforço comum, o entendimento jurisprudencial e doutrinário moderno defende e protege, mesmo que de maneira mínima, a manutenção da exigência de comprovação de esforço mútuo para fins de meação no regime de separação obrigatória sob a fundamentação da necessidade preventiva probatória. Com isso pretende-se proteger o objetivo normativo do regime de separação obrigatória dos bens, que é resguardar os bens da parte que o adquiriu onerosamente sem a participação do outro cônjuge nas causas suspensivas de casamento.
Diante do exposto, passo agora a fazer uma análise crítica do tema.
Para o correto posicionamento, a meu ver, é necessário recorrer ao direito material e apontar os objetivos do diploma normativo referente ao tema. Com isso, é possível entender o que se buscava ao positivar tal norma e, assim, convergi o Direito material aos fatos reais de modo a pacificar as possíveis divergências.
Recorrendo ao Código Civil vigente, a matéria em questão está descrita principalmente no artigo 1.641, a saber: “é obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; ”. Deste dispositivo infere-se uma associação lógica entre o regime obrigatório de separação de bens e a causa suspensiva da cerimônia de casamento.
A pretensão por trás desse dispositivo está na proteção dos bens de um dos cônjuges adquiridos onerosamente sem auxílio do outro com intuito de afastar os casamentos motivados meramente por interesse econômico e a confusão patrimonial.
Todavia, o referido artigo não trata especificamente do tema central da discussão, deixando em aberto a interpretação a respeito dos bens aquestos para fins de meação sob regime legal de separação de bens. Daí se tem o entendimento da súmula 377 do STJ e sua nova releitura para sanar o vácuo normativo.
A presunção de esforço mútuo dos cônjuges para adquirir bens durante a vigência do casamento é muito precária por generalizar padrões de comportamento a todo e qualquer matrimônio. Dessa forma, através dessa interpretação, mesmo nas relações conjugais onde não houvesse esforço mútuo para compra de bens, seria considerado bens aquesto e passíveis de comunicação. Esta solução diverge da pretensão da norma do Direito material desse tema. Incorre em uma interpretação contrária ao que pretende tutelar no artigo 1641 do CC de 2002, justamente a proteção patrimonial do cônjuge que adquiriu os bens sozinho na vigência do casamento.
A comprovação do esforço, mesmo que mínima, sem exigências maiores por se tratar de uma relação meramente familiar e não comercial, é necessária para a comunicação dos bens adquiridos na vigência do casamento uma vez que traz a segurança à meação para fins de direito sucessório e familiar. Essa é uma forma de proteção jurídica para quem está se casando e para os potenciais herdeiros do titular dos bens.
Porém, esse posicionamento traz consigo um grande problema associado à liberdade dos indivíduos de disporem livremente dos seus bens que lhe pertencem nos limites da lei. Dessa sorte, surge uma questão extremamente relevante: é possível o cônjuge afastar a incidência da súmula 377 com aplicação de pacto antenupcial nos casos de regime de separação obrigatória dos bens?
Sabe-se que “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros” (art. 1.639, § 2º). ”. De tal sorte, que a necessidade de autorização prévia judicial, o posicionamento do ministério público e terceiros interessados diretamente faz com que a confecção do pacto antenupcial seja triplamente verificada ao passo que traz consigo a segurança jurídica necessária tanto para o afastando a comunicabilidade dos bens aquestos como a possibilidade do reconhecimento da presunção de esforço comum.
Dessa forma, é possível concluir que nas hipóteses de separação obrigatória dos bens, a interpretação da súmula 377, não havendo pacto antinupcial prévio reconhecido judicialmente, devem convergir com o entendimento do relator Ministro Lázaro Guimarães do embargo, reafirmado a tese de que, "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição".