A revolução científica e tecnológica das últimas décadas incontestavelmente tornou o cotidiano mais fácil. Tarefas diárias que há alguns anos demandavam tempo, deslocamento e espera, hoje podem ser facilmente cumpridas por meio de alguns cliques em um computador que cabe na palma da mão, ao qual chamamos de smartphone. Com efeito, o avanço tecnológico usualmente tem o viés de tornar a vida do homem mais fácil, poupando-lhe incômodos e recursos. No entanto, se pudéssemos escolher um modo de vida para viver, escolheríamos o modo de vida da sociedade atual?

Pode-se argumentar que responder a tal pergunta seria irrelevante. Afinal, já estamos aqui e uma viagem no tempo parece algo improvável... No entanto, reflexões dessa natureza ajudariam a orientar a produção científica e tecnológica não apenas no sentido de menos incômodos e menos escassez, mas também no sentido de aumento de bem-estar da humanidade. Afinal, se as evoluções da humanidade trazem consigo novos “problemas”, identificá-los e compreendê-los é essencial para a mitigação do risco de retrocessos: não necessariamente a evolução científica e tecnológica torna a vida mais fácil.

É nesse contexto que se insere a “Sociedade do Cansaço”, do filósofo sul-corenano Byung-Chul Han, categoria recente que busca explicar como o atual modo de vida, imerso em soluções tecnológicas, tem produzido indivíduos inquietos e hiperativos a partir dos motes atuais de autorrealização e superação constantes. Para elucidar sua nova categoria, Byung-Chul a contrapõe com a “Sociedade Disciplinar”, de Michel Foucault, caracterizada pelo apreço à obediência. Enquanto a Sociedade Disciplinar produziu loucos e delinquentes a partir da obediência e da coerção, a Sociedade do Cansaço produz indivíduos depressivos e fracassados a partir do mote da eficiência e do desempenho. O “você deve!” deu lugar ao “você pode!”; a submissão a um terceiro deu lugar a submissão a si próprio. A liberdade e a autonomia passam a ser os grilhões dos novos tempos.

De fato, a Sociedade do Cansaço ajuda na compreensão do mundo atual, apresentando uma hipótese razoável acerca das causas que subjazem à maior incidência de transtornos mentais nos últimos tempos, tal qual a síndrome de burnout e a depressão. Em uma sociedade que prega que o sucesso do indivíduo depende apenas dele mesmo, como se as contingências da vida fossem algo irrelevante, perder tempo pensando em nada ou fazendo algo prazeroso (mas não produtivo) parece algo inaceitável, um desperdício de tempo e de oportunidades. Desvendar como chegamos a isso e porque esse proselitismo encontra ressonância na sociedade é algo que só é possível a partir de um pensamento estruturado, devidamente decantado e refinado, algo que nossa sociedade praticamente repudia nos dias de hoje.

Com efeito, para a elaboração deste post, foram dedicadas algumas poucas horas, incluindo o tempo necessário para rápidas pesquisas na internet. Mesmo se nos fosse disponibilizado mais tempo, muito provavelmente o utilizaríamos para outras atividades, reservando apenas as mesmas poucas horas para sua conclusão às vésperas do prazo concedido. No fim das contas, resta a dúvida se de fato há pouco tempo disponível para a quantidade de atividades cotidianas (pessoais, profissionais, acadêmicas etc.) ou se nos acostumamos a reservar pouco tempo para elas, acreditando na ilusão de que somos, de fato, multitarefa.

Referência bibliográfica:

CORBANEZI, Elton. Sociedade do cansaço. Tempo soc.,  São Paulo ,  v. 30, n. 3, p. 335-342,  Dec.  2018 .   (https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.141124.)