Autores: Bruno Fernandes, Gabriele Esmeraldo, Luís Carlos, Maiara Cristina, Nicholas de Vasconcelos, Rafaela Ventura e Vitor Naegele
Não restam dúvidas que a modernidade trouxe consigo grandes avanços e comodidades, que se devem, principalmente, às novas maneiras de organização social e às implementações científicas. Todavia, para tanto, o ser humano teve que sair de uma espécie de "zona de conforto", cujas ideias guiavam a filosofia de vida do imaginário social.
É dizer, antes, moldado por uma ideia de ordem natural, de predeterminação, de submissão ao destino, as pessoas estavam dispostas em um ambiente de poucas responsabilidades e escolhas, já que reféns do destino; a partir da modernidade, com um paradigma completamente distinto, que tem como base a liberdade e a autonomia individual, os seres humanos são, em princípio, os guias de seus respectivos destinos, sobre os quais deve-se ter o mínimo de interferência externa possível, para que construam o seus caminhos com soberania individual.
Sobre o paradigma antigo, aponta com o professor Alexandre Costa: "Uma ideia compartilhada entre várias culturas antigas era a de que cada pessoa tinha os papéis sociais que lhe eram destinados e que, por isso, deveríamos acolher com abnegação (e, se possível, com felicidade) as consequências necessárias do lugar social que ocupamos." (COSTA, 2020)
Diante desse contexto moderno de autonomia individual, é interessante que observemos a atual pandemia do novo coronavírus e que possamos refletir acerca dos seus efeitos na sociedade atual. Assim podemos levantar dois pontos centrais: (i) sobre a implicações das medidas de prevenção, dentro de uma lógica de extrema liberdade individual e; (ii) acerca da (não) individualidade do ser humano exposta em meio às restrições da pandemia.
Sobre o primeiro ponto, é observado uma grande dificuldade: muitos países que são guiados pelos ideais da liberdade e autonomia individual não conseguiram assimilar bem restrições necessária para conter o novo vírus, como a obrigatoriedade do uso de máscaras e as limitações sobre o livre trânsito. Para o grupo, esse tipo de manifestação escancara um forte desequilíbrio entre as liberdades individuais e os interesses coletivos, supervalorizando o primeiro e subvalorizando o segundo, que, em nossa concepção, é um valor essencial, inclusive para a integral satisfação das liberdades individuais. Uma manifestação em Berlin, que reuniu cerca de trinta mil pessoas, em sua maioria sem máscara e não cumprindo o protocolo de distanciamento mínimo, ilustra bem essa questão. Manifestantes expuseram faixas com dizeres como "acabem com a ditadura do corona".
Ou seja, pode-se afirmar que há um quadro claro não apenas de supervalorização da importantíssima liberdade individual, mas sim de negativa de restrições temporárias e fundamentadas dessas, as quais visam proteger a coletividade, em prol de uma pretensa realização pessoal.
Por outro lado, assistimos consequências sociais que nos fazem questionar esse lado individual e independente do ser humano. Ocorre que, com o paradigma da autonomia individual, fundou-se o imaginário de que as pessoas não precisam de ninguém senão delas mesmas para a consecução dos seus objetivos. Todavia, nesses períodos de completa exceção, o ser humano mostrou-se um animal extremamente sociável – isso fica claro nos problemas psicológicos causados pelo isolamento e nos limites temporais de capacidade de confinamento das pessoas, as quais tendem a começar a desrespeitar os protocolos a partir de um certo período. Nesse sentido, pontua a filósofa Claire Marin:
"Isto nos pôs perante nossa capacidade de estarmos sozinhos. É uma expressão que achamos em alguns psicanalistas. Donald Winnicott diz que crescer, tornar-se adulto, é ser capaz de estar sozinho. Talvez sejamos muito menos individuais do que pensávamos. Também descobrimos nossa dependência material, vital, inclusive as pessoas que se achavam muito autônomas e independentes." (MARIN, 2020)
É inviável falar e defender essa liberdade individual de maneira absoluta, sem exceções, uma vez que as ações particulares de cada pessoa podem afetar a vida de outras, bem como a coletividade. Certo é que foi decretado apenas estado de calamidade pública, o que não autoriza, de acordo com a Constituição Federal, a restrição de Direitos Fundamentais, no entanto neste caso, há um conflito entre tais direitos: de um lado o direito à liberdade e de outro o direito à saúde.
O dito popular, “o seu direito termina quando começa do outro”, nunca fez tanto sentido. Ao mesmo tempo em que alguns valorizam o exercício do seu direito de ir e vir, outros importam-se com o seu direito à saúde. É necessário que ambos sejam colocados em uma balança em busca do equilíbrio, de modo a que a saúde de uns não seja prejudicada pela falta de coletividade de outros. O cerceamento da liberdade hoje resume-se a uma passageira flexibilização em prol do bem coletivo futuro.
Se com todas as medidas tomadas – não necessariamente as corretas ou efetivas –, inclusive diversos estados com lockdown durante meses, o Brasil possui 4.558.068 casos confirmados (dado retirado do próprio site do governo, em 21/09/2020: https://covid.saude.gov.br/), não é difícil imaginar como seria a situação caso a não tivesse ocorrido nenhuma iniciativa estatal na tentativa de estabelecer um isolamento social para controlar, minimamente, a disseminação do vírus e preservar o coletivo. Em uma situação de pandemia toda a sociedade é afetada, independentemente de colocar ou não suas necessidades individuais à frente de todo um grupo. É, portanto, exatamente neste contexto de caos social que vemos a necessidade de cooperação mútua e senso de coletivo.
NOTAS E REFERÊNCIAS
COSTA, Alexandre. Direito e Modernidade. Arcos, 2020a.
COSTA, Alexandre. O senso comum teórico dos juristas modernos. Arcos, 2020b.
MARIN, Claire. “Talvez sejamos muito menos individuais do que pensávamos”. Silvia Ayuso. EL PAÍS. Disponível em: https://brasil.elpais.com/cultura/2020-09-02/claire-marin-o-confinamento-nos-mostrou-ate-que-ponto-somos-seres-sociais.html. Acesso em: set. 2020.