Autores: Bárbara de Oliveira Aguiar, Lucas Moreira Ribeiro, Ludmila Laiara de Oliveira Queiroz, Mário Pereira Machado Filho, Samuel Lucas Machado Lopes.
Cada dia que passa as pessoas têm visto mais o direito como algo além de apenas normas, as situações estão sendo resolvidas, às vezes por pressão da própria população, de um modo um pouco mais humanizado. É complicado seguir pensamentos de que o válido é apenas o que está escrito. O filósofo Paul Silbert costumava dizer que a relevância do normativismo na nossa compreensão do direito tem sido algo difícil de mensurar por causa dessa tese de que o direito é um conjunto de normas. Voltando um pouco a atenção para Hans Kelsen e resgatando seus pensamentos sobre esse normativismo, vemos que ele procurou apresentar a Teoria Pura do Direito como meio para excluir os elementos da realidade social do próprio campo da ciência jurídica. Isso quer dizer quer caberia à filosofia do direito as discussões mais profundas sobre o bem, a justiça e outros.
Tudo isso levaria a uma aplicação da ciência jurídica tendo como objeto de estudo apenas o processo de produção de normas e não necessariamente sua prescrição. De uma forma bastante resumida, e até perigosa, essa teoria reduz o Direito à norma por meio de uma certa forma de purificação, excluindo dele o que seria de incerto das áreas filosóficas e sociológicas. E, para ajudar com essa separação entre o direito e a sociologia, Kelsen definiu uma jurisprudência normativa, para tratar apenas das normas e da validade do direito; e a jurisprudência sociológica, para tratar de assuntos mais alheios à norma mas que ainda assim contribui para uma aplicação mais efetiva do direito, como é o caso ou não da própria eficácia do Direito e sua fundamentação axiológica. Trazendo, assim, uma separação clara da norma dos valores.
Outro ponto bastante interessante para ressaltar é que Kelsen acabou rejeitando as ideias jusnaturalistas, afirmando que a norma aceita qualquer conteúdo, obrigando que a todos seja imposta sua imperatividade, mesmo que seja imoral ou injusta. Além disso, ele colocou a justiça como algo relativo, na qual a conduta será justa quando corresponder a uma norma. O grande problema dessa teoria, que apesar de linda no papel, é que se tivermos de fato essa separação o direito não seria algo modelável à sociedade, seria algo engessado. No qual as normas seriam algo rígido e condicionadas a requisitos frios como validade e hierarquia das normas. Essa hierarquia de normas colocaria a norma fundamental acima da Constituição e essa norma seria a responsável por toda a legitimação do ordenamento jurídico.
De acordo com Paul Silbert essa tese de que o direito é apenas um conjunto de normas, excluindo os direitos subjetivos, deveres e conceitos, foi algo que tornou tão dominante que fez com que fosse difícil mensurar a relevância da contribuição do normativismo para nossa compreensão do direito. E de fato ele tem razão. Engessar o direito do modo que Kelsen propôs não é algo totalmente ruim, as normas são de fato importantes, mas isso não significa dizer que os campos de estudo dela devem ser separados. A concepção de justiça faz parte da própria essência do direito e ela é fundamental na aplicação dele, pois isso é o que torna a norma legítima. Não há como analisarmos apenas quesitos rasos como a validade e achar que está tudo bem.
Sobre a hierarquia das normas, percebemos que se trata de um conceito bem legal, de fato existem normas que se sobrepõem a outras, mas essa famosa pirâmide precisa de valores e princípios para ser construída. Afinal, não adiantaria muita coisa criar uma norma dizendo apenas que é proibido matar se não houver valores e princípios por trás disso, com um significado mais profundo para o que seria tirar a vida de alguém. Ou ainda, como apenas aplicar a norma de que se um indivíduo matar alguém ele será punido sem observar o caso concreto? Sabemos ou não se foi em legítima defesa? O direito precisa da justiça, do bem, da filosofia, da sociologia, da moral e da ética para funcionar.
Se por acaso levarmos a sério a premissa de que o direito aceita qualquer conteúdo, ainda que de alguma forma prejudicial, estaríamos aceitando absurdos que já aconteceram no mundo, como é o caso de ditaduras. Que legitimidade tem uma pessoa que não se preocupa com o bem do mundo ao elaborar suas teorias? Kelsen se colocou num posicionamento apenas de mero operador de normas. Precisamos entender que as normas são criadas gradativamente, com base nos desejos da população, com base em valores muito importantes para a grande maioria das pessoas que vem de muito tempo. Mesmo que ainda não possamos entender ao exato o que seria essa separação do direito e da filosofia, entendemos desde muito novos a distinção entre o bem e o mal. Por maior que seja nosso desejo em fazer o mal, sabemos que o estamos fazendo. É uma questão de escolha. Então os grandes ditadores convenceram algumas pessoas do mal, sabendo que eram escolhas ruins, mas por estarem fazendo isso dentro da lei, acreditaram estar certos. E isso tudo é extremamente perigoso para o desenvolvimento da nação como um todo. Nem tudo que é norma está correto.
As normas devem ser condizentes com a realidade e desejo da comunidade que vai viver sob os ditames dela, as normas devem ser firmadas sob uma consciência coletiva das pessoas. Além disso, uma forma bastante prática de mostrar essa participação das pessoas é a própria constituição, e cabe a ela prover a legitimidade do estado, e não a uma suposta lei superior. Os limites podem ser introduzidos já na própria edição da Constituição. As nossas ações devem ser concretas e não baseadas em suposições de idealidade, como é o caso da norma fundamental. O direito não pode estar fundado em algo tão abstrato assim, ele precisa fornecer segurança.
Sendo assim, é algo bastante complicado colocar o direito numa caixinha e dizer que ele se trata apenas da norma pura e aplicada, isolado de tudo e todos. O mundo é amplo, com diversas áreas de conhecimento e o jurista deve estar aberto a elas. Não é cientificamente possível que uma pessoa que estudou leis a vida inteira entenda de que ponto surge a vida até que ponto ela vai. Assuntos como aborto, eutanásia, desligamento de aparelhos médicos que estão segurando a vida de uma pessoa, microcefalia e tantos outros devem ter um viés médico para serem discutidos, não é seguro que qualquer pessoa além de alguém que entende e estudou o assunto diga o que seria cada uma dessas coisas. E, somente após uma análise bem profunda, com embasamento científico, seria possível que os juristas, com o apoio da população começassem a tentar entender e normatizar esses temas.
As normas não são ruins, pelo contrário; Elas são de extrema importância, trazem ordem, organização, hierarquia, controle. Mas tudo deve ser feito de modo bastante cuidadoso. O direito tem um sentido que vai muito além de apenas normatizar tudo, ele deve ser primado em princípios, moral, bem comum, harmonia. E apesar de Kelsen ter sido extremamente importante para nossa compreensão sobre esse jus positivismo, essa redução do direito à norma deixa de fora tanta coisa necessária para o bom desenvolvimento da sociedade como um todo que se torna até complicado tentar defendê-lo.
Após essa longa e necessária análise sobre alguns pensamentos de Kelsen, é válido retornar ao que Silbert disse quando afirmou que o conceito de norma em Kelsen foi preciso ao colocá-la como o sentido objetivo de um ato de vontade, e que, apesar disso, a norma não é apenas texto, mas significado. Para ele, as leis não são apenas normas, mas um conjunto de textos que, uma vez interpretados, podem revelar normas subjacentes ao significado que lhe é atribuído. E voltamos aqui ao que seria entendido como uma discordância dessa ideia de norma pura e separada das ciências filosóficas. Normas dependem de uma realidade para serem interpretadas.
E Silbert nos coloca ainda que esse equívoco acaba distorcendo a obra de Kelsen, pois o ele queria colocar em evidência um caráter mais linguístico interpretativo do direito e acabou por se tornar um defensor da aplicação literal das leis. Mas de fato é complicado defender Kelsen em tudo, pois, por mais que o objetivo não fosse de fato uma aplicação pura das leis, separar o direito da norma e do mundo de um modo mais geral não é algo seguro juridicamente por nos colocar numa posição de prisão em relação às leis.
Apesar de as teorias de Kelsen terem sido de extrema importância para o entendimento do direito atualmente, precisamos entender que o direito é muito mais que apenas leis duras e rígidas que devem ser aplicadas a qualquer custo. Não há possibilidade de defesa para uma teoria que exclui os valores éticos, o bem e a justiça da própria concepção de lei. Afinal, como diz o próprio Silbert: “A norma não é texto, mas significado”.
Bibliografia
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Forense, 2003.
FREITAS, Viviane de Andrade. Aspectos fundamentais da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4724, 7 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49444. Acesso em: 8 out. 2021.
Psike, Oriana. A Concepção normativista Kelseneana. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2010/a-concepcao-normativista-kelseneana-juiza-oriana-piske. Acesso em: 08/10/2021.