O físico teórico e divulgador científico Stephen Hawking, ao escrever seu livro “O Grande Projeto” (2011), afirmou, de forma categórica, que a filosofia estava morta.

Para o autor, a filosofia deixou de acompanhar o avanço da ciência, em especial os da física. Se antes do desenvolvimento da ciência a humanidade se debruçava sobre questões como a natureza da realidade, a origem e o comportamento do universo e a existência ou não de um criador, todas essas questões podem agora ser respondidas pela ciência. Em outros termos, “foram os cientistas que pegaram a tocha da nossa busca do conhecimento”(UNISINOS, 2011).

Nessa lógica, o pensamento de Hawking (2011) podeser definido como cientificismo, uma posição filosófica que busca afirmar que a ciência não apenas é superior a todas as outras formas de compreensão humana da realidade, como é a única capaz de produzir conhecimento confiável, mesmo ao tratar de questões não científicas.

Curiosamente, a ciência como conhecemos nasce a partir da sistematização de pressupostos filosóficos da lógica que culminam com o método científico. Nessa perspectiva,Hawking (2011) parece desconsiderar a concepção de que o método científico possui limitações, uma vez que se ampara na seguinte parametrização: observação, descrição, previsão, controle, falseabilidade e explicação das causas.

Não obstante, diversos fenômenos cotidianos e indagações da vida humana são inexplicáveis e impossíveis de se parametrizar. Dessa maneira, a persistência dessas questões pode ser interpretada e investigada a partir de referenciais que transcendem o intelecto humano, comoquestões espirituais, éticas e morais.

Como crítica ao cientificismo exposto não apenas por Hawking (2011), mas também por outros cientistas e divulgadores científicos, o filósofo Massimo Pigliuccicunhou o termo “complexo antifilosofia” (SANTIAGO, 2015) para se referir de forma irônica aos ataques dos cientistas à filosofia.

Para Pigliucci (2012), o complexo antifilosofia é um transtorno derivado do complexo de Édipo freudiano. Uma vez que a filosofia é a mãe da ciência, os cientistas, ao atacarem sem conhecê-la profundamente, estariam, na verdade, reprimindo seu amor por ela.

Nesse sentido, é importante salientar que Stephen Hawking não inventou o pensamento antifilosófico. Muito antes dele, já no século XIX, o cientificismo era bastante popular no meio filosófico. O filósofo Auguste Comte, ao defender que o único tipo de conhecimento válido é aquele obtido pela observação empírica, deu origem ao positivismo. Comte defendia que todo conhecimento científico precisa ter utilidade prática, pois ele acreditava na evolução da sociedade pela ciência. Assim, todo conhecimento que não se mostrasse prático, ainda que científico, deveria ser descartado. (COSTA, 2020).

Ainda de acordo com Costa (2020), Comte assume queas sociedades passam por três estágios no que diz respeito às explicações sobre os fenômenos naturais: o estágio teológico, onde as explicações aos fenômenos são baseadas em superstições e misticismos; o segundo estágio seria o metafísico, típico da filosofia, onde os fenômenos são explicados com base em essências, princípios, causas e leis que não podem ser observadas ou testadas; e, por fim, o estágio científico, onde as explicações metafísicas dão lugar às descrições científicas. Com base nisso, Comte chega a defender que a abordagem metafísica fazia parte de um momento histórico evolutivamente ultrapassado e que deveria ser superado.

Dessa forma, a distância entre filosofia e ciência aumentou cada vez mais à medida que o século XIX avançava. As grandes inovações tecnológicas e conceituaiseram trazidas não por filósofos, mas por cientistas, e a importância social da filosofia foi radicalmente reduzida. O ápice desse movimento aconteceu com o neopositivismo do século XX, quando a filosofia foi relegada ao papel de ser uma reflexão sobre a ciência (COSTA, 2020).

Atualmente, o movimento antifilosófico ainda segue forte em meios científicos. Hawking não era uma exceção. Outros cientistas como Richard Dawkins e Lawrence Krausssão ferrenhos defensores da morte da filosofia (PIGLIUCCI, 2012). Para esses cientistas, a filosofia e a ciência buscam o mesmo objetivo, que seria a compreensão completa da natureza da realidade, mas a ciência sempre estaria à frente, em termos de obtenção desse conhecimento. (STOKES, 2013).

Todavia, tal concepção é questionável, uma vez que, na atual conjuntura, a ciência e a filosofia não estão em concorrência para seu campo de estudo, pelo contrário,percebe-se, que, graças a um conjunto de pressupostos filosóficos, a ciência impulsiona a investigação da filosofia, centrando-se em problemas reais, no intuito de obterexplicações testáveis.

Ademais, enquanto a ciência se ocupa em produzir conhecimento sobre o universo, a filosofia da ciência se ocupa em estudar os princípios filosóficos que fazem a investigação científica ser bem sucedida, bem como abordar as questões filosóficas decorrentes dessa atividade.

Várias questões não têm uma resposta “científica-tecnológica”, especialmente quando há interesses em conflito. Obviamente, existem diferenças de pensamento, por exemplo, sobre questões normativas, valores, política eética, em que não é possível formar um julgamentobaseando-se unicamente na ciência.

À vista disso, salienta-se que um dos permanentes aspectos da filosofia é justamente a sua possibilidade de comparar e avaliar as distintas visões de mundo existentes. Isto posto, a afirmação de que “a ciência está morta” é sustentada por uma filosofia que supõe que o avanço científico-tecnológico inevitavelmente vai de encontro amelhorias em todos os aspectos da sociedade, uma ideia que, indubitavelmente, pode ser contestada. Nessa lógica, é notório que, enquanto existir esse debate, as afirmações de que a filosofia está morta podem ser compreendidas como, no mínimo, controversas.

Destarte, vale destacar a entrevista do físico e filósofo argentino Mario Bunge (2003), que assentiu a ideia de que “a filosofia ainda não está morta, mas está gravemente doente”. Sendo assim, ele considera que os filósofos atuais não abordam novos problemas, não sabem o que está acontecendo na ciência e na tecnologia e nem sequer examinam os principais problemas que enfrenta a humanidade. Por fim, o grande desafio da filosofia seria descer da torre de marfim e se engajar de forma mais enfática nos motores intelectuais que movem a sociedade moderna: a ciência e a tecnologia.

Referências Bibliográficas:

“A filosofia está morta. Só nos resta a física”. Unisinos, 2011. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42158-a-filosofia-esta-morta-so-nos-resta-a-fisica>. Acesso em: 4 nov. 2020.

COSTA, Alexandre. A ascensão dos discursos científicos no séc. XIX. Filosofia do Direito. Disponível em: <https://filosofia.arcos.org.br/a-ascensao-dos-discursos-cientificos-no-sec-xix/>. Acesso em: 4 nov. 2020.

FE, Eduardo Martínez de la. Mario Bunge: la filosofía no ha muerto, pero está gravemente enferma. Tendencias21, 2003. Disponível em: <https://tendencias21.levante-emv.com/mario-bunge-la-filosofia-no-ha-muerto-pero-esta-gravemente-enferma_a150.html>. Acesso em: 5 Nov. 2020.

HAWKING, Stephen; MLODINOV, Leonard. O grande projeto: novas respostas para as questões definitivas da vida. Mônica Gagliotti Fortunato Friaça (Trad.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. 152p.

PIGLIUCCI, Massimo. Lawrence Krauss: another physicist with an anti-philosophy complex. Rationally Speaking, 2012. Disponível em: <http://rationallyspeaking.blogspot.com/2012/04/lawrence-krauss-another-physicist-with.html>. Acesso em: 4 nov. 2020.

SANTIAGO, Daniel Galarza. A moda de matar a filosofia. Universo Racionalista. Disponível em: <https://universoracionalista.org/a-moda-de-matar-a-filosofia/>. Acesso em: 5 nov. 2020.

STOKES, Patrick. Philosophy under attack: Lawrence Krauss and the new denialism. The Conversation, 2013.Disponível em: <https://theconversation.com/philosophy-under-attack-lawrence-krauss-and-the-new-denialism-12181#:~:text=In%20response%20to%20a%20critical,and%20philosophy%20doesn’t%E2%80%9D.>. Acesso em: 6 nov. 2020.