Biografia

Filho de espanhóis, Luis Recaséns Siches nasceu na Guatemala em 1903, mas aos dois anos foi levado à Espanha, onde viveu boa parte de sua juventude. Após o início da Guerra Civil Espanhola em 1936, Siches morou em vários países, como França, México e Estados Unidos. Ao longo de sua trajetória profissional, foi professor universitário (principalmente de Filosofia do Direito), deputado municipal, subsecretário de Ministério, perito em Filosofia do Direito na ONU, entre outros. Siches escreveu diversas obras, valendo mencionar: Nueva Filosofía de La Interpretación Jurídica (1956), Tratado General de Filosofía del Derecho (1959), el Panorama del Pensamiento Jurídico en el siglo XX (1963), Introducción de Derecho (1970) e Experiencia Jurídica, Naturaleza de la Cosa y Lógica Razonable (1971).

Principais Contribuições

Luis Recanséns Siches foi um grande oposicionista do positivismo jurídico predominante em seu tempo. Refutou fortemente, como ferramenta de decidibilidade, o dedutivismo, o qual estabelecia que os casos complicados seriam julgados segundo um nível teórico de adequação aos preceitos legais substantivos preestabelecidos (GONZAGA, 2017). Sisches não aquiescia que, por meio dos instrumentos da dedução racional, as normas jurídico-positivas seriam axiomas lógicos com capacidade de fornecer, de forma autônoma, solução para todos os conflitos humanos (ERICKSEN, 2012).

Esta lógica tradicional formal, que se fundamenta em uma racionalidade matemática científica e preconiza somente a subsunção da norma ao caso concreto, estaria ultrapassada e seria insuficiente para uma aplicação adequada do Direito. (GONZAGA, 2017). Ela leva a respostas que são contrárias a elementos basilares do Direito, como decisões injustas, as quais os próprios intérpretes verificariam e afastariam tais conclusões (ERICKSEN, 2012).

Há alguns exemplos para mostrar a problemática da aplicação da lógica formal. Um dos mais famosos é o de um parque que possui uma regra proibindo a entrada de cachorros. Segundo a lógica tradicional, seria proibida a entrada no parque de uma pessoa cega com o seu cão-guia. Entretanto, seria possível entrar com outro animal, como um urso, por exemplo. Sieches critica justamente a falta do componente da justiça e da razoabilidade numa situação como esta (BARLETTA, 2016).

Antes de explicar a lógica do razoável de Siches, cabe fazer uma sucinta consideração ao modelo que ele objetivava superar, o subsuntivo. Esta teoria propõe que as dificuldades jurídicas da decidibilidade deveriam ser sempre resolvidas com base em decisões anteriores imparciais, nas quais já teriam sido verificados, empiricamente, os elementos relevantes e universalizáveis. Este modelo é criticado principalmente por três argumentos: vagueza dos termos (problemas vinculados à indeterminação natural da linguagem e à amplitude de certas regras gerais, como boa-fé e dignidade da pessoa humana), incoerência (problema prático relacionado à impossibilidade de universalização de parâmetros para aplicação de qualquer norma) e complexidade (problema da subsunção tendo que se basear em todo ordenamento jurídico) (GONZAGA, 2017).

O positivismo jurídico, confrontando com estes problemas, acaba adotando a linha da discricionariedade. As pessoas competentes a decidir escolhem de forma discricionária o que seria relevante para fundamentar a decisão. Esta decisão, por ter sido tomada por alguém legitimado, é válida e aceita no sistema, entretanto não se sabe se ela é realmente justa. E Siches, contemporâneo da crise do Direito após a 2ª Guerra Mundial, acaba por concluir que este discurso científico e formalista da lógica tradicional não é suficiente para obter decisões justas e se concentra assim em formular um modelo de interpretação das normas que seja principalmente ferramenta de concretização da justiça (GONZAGA, 2017). O paradigma lógico-formal positivista acabava por priorizar exclusivamente os valores relativos à segurança jurídica os quais se impõe frente à busca pela real justiça (ERICKSEN, 2012). O Direito deve proporcionar segurança no justo e não apenas segurança jurídica no âmbito de ordem e estabilidade social.

Neste contexto, Siches então formulou a lógica do razoável (ou lógica da equidade). Segundo ele, é imprescindível levar o ato de interpretar ao caso concreto em análise. O foco não deve ser a norma e sim a situação-problema como um todo. O sentido da norma seria atualizado a cada decisão judicial. Deste modo, a justiça não estaria na norma posta, mas seria encontrada por meio dos valores sociais e dos fatos do caso concreto. O jurista trilharia um caminho iniciando pelo fato, passando pela atualização dos valores correlatos e, por fim, desenvolveria o aspecto normativo que forneceria segurança jurídica ao caso. A decisão seria então “prudente, equitativa e razoável para o caso, de modo a permitir um eficiente acesso à justiça e uma maior efetividade do Direito” (GONZAGA, 2017).

Seriam sete os aspectos basilares da lógica do razoável: histórico, fático, valorativo (axiológico), concreto, teleológico, cultural e proporcional. Quanto às características histórica e fática, deve-se considerar que os fatos se originam de atos humanos realizados dentro de um determinado tempo, espaço e cenário social. No que se refere ao aspecto axiológico, é admitida uma Teoria dos Valores, pois não há como dissociar os valores dos próprios seres humanos. No âmbito do aspecto concreto, todas as circunstâncias do fato devem basear a interpretação do juiz. Em relação aos aspectos teleológico e cultural, as ações humanas são todas dotadas de vontade, pois são finalísticas quanto às condutas que praticam. E, por fim, o aspecto proporcional conduziria a lógica do razoável pelo discernimento da congruência e adequação quanto a: realidade social e os valores mais pertinentes; as finalidades mais importantes a serem concretizadas; a possibilidade e a conveniência da concretização destas finalidades; e a ética e a eficácia dos meios. (GONZAGA, 2017)

Portanto, a lógica do razoável está diretamente vinculada à realidade concreta da sociedade que está imersa. Cabe ao julgador levar o caso concreto ao sentido da norma com o objetivo principal de aplicá-la de forma justa e razoável, tendo como guias, além do ordenamento jurídico vigente, as circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas (BARLETTA, 2016). Ou seja, os valores não estão intrínsecos no Direito, são externos, sociais. A aplicação do Direito estaria imersa em valores extrajurídicos.

Referências

BARLETTA, Bruna. A lógica do razoável de Recaséns Siches e sua aplicabilidade pelo judiciário brasileiro. Revista Jurídica, Santa Cruz do Rio Pardo, v.3, n.2, p. 1-15, 2016.

ERICKSEN, Lauro. A lógica do razoável como cerne interpretativo da filosofia do direito pós-positivista: a superação da lógica matemática na seara jurídica. XXI Encontro Nacional do CONPEDI. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2012.

GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Lógica do razoável. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

Universidad Carlos III de Madrid. Diccionario de catedráticos españoles de Derecho. Recaséns Siches, Luis, 2014.