A modernidade trouxe uma nova estrutura de controle e exploração das formas de trabalho, de seus recursos e produtos, o capitalismo, que se constitui em torno e em função do capital. A sociedade passa então, a ser apresentada enquanto uma sociedade do trabalho, onde o indivíduo é reduzido a um animal trabalhador.
Byung-Chul Han, a partir de sua obra “A sociedade do cansaço”, busca mostrar que a sociedade do século XXI não é mais pautada em particularidades como disciplinar, repressora e vinculada à negatividade da proibição e coerção, mas uma sociedade de desempenho e produção, cada vez mais desvinculada da negatividade, pois o que entra em cena é a motivação, a liberdade, a autonomia, a positividade. Outro aspecto central de sua análise é a ideia de que estamos diante de uma nova forma de organização coercitiva, que pode ser chamada de “violência neural”.
Individualizou-se na sociedade do desempenho, vive-se com a angustia de não poder fazer tudo que está ao seu alcance e a culpa é exclusivamente sua, das limitações do seu corpo que não é capaz de aumentar seu desempenho. Ao contrário do que se pensa essa sociedade não é livre, é coercitiva, o binômio senhor e escravo recebe uma nova roupagem, onde o senhor se torna o próprio escravo, carrega consigo seu campo de trabalho, explora a si mesmo e acredita que se trata de realização.
O filósofo explica que, com a cobrança diária dos indivíduos, e a pretensão de sempre apresentar bons resultados, a ideologia da positividade – ligada à ideia do “eu posso” / eu “consigo” – vem gerando um aumento gradativo de doenças neurais, tais como depressão, ansiedade, síndrome de hiperatividade, transtornos de personalidade. Essas enfermidades do século XXI são provocadas não pela dialética da negatividade, mas pelo excesso de positividade, resultante da superprodução, superdesempenho e/ou supercomunicação. Para o autor, essa positivação do mundo ainda faz com que surja novas formas de violência, que “não partem do outro imunológico. Ao contrário, elas são imanentes ao sistema”.
Então, se a negatividade é capaz de produzir loucos e delinquentes, o filósofo argumenta que a positividade é capaz de produzir depressivos e fracassados, ainda que a sociedade de desempenho seja rápida e produtiva. Neste sentido, a depressão é o adoecimento da sociedade que sofre com a dialética da positividade, ela “reflete a humanidade que está em guerra consigo mesma”, argumenta o Byung-Chul Han, pois o sujeito depressivo que é vítima, agressor também o é. Afinal, o “não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão.” Então, numa sociedade em que tudo é possível, como não conseguem maximizar seus desempenhos?
Assim, com o trabalho excessivo vem a autoexploração, que caminha lado a lado com o sentimento de liberdade, que é bastante paradoxal. Essa positividade excessiva remete a uma falsa liberdade quando impõe aos indivíduos o imperativo de superação, de realização e de liberdade constantes, que faz com que o indivíduo chegue mais perto do colapso por tamanho desgaste e exploração de recursos físicos e mentais.
Ademais, a falsa sensação de liberdade por não estar atrelado a dominação de alguém além de a sua própria, faz com que a coerção e liberdade coincidam na autoexploração. Enganam-se com expressões falsamente emancipatórias como empreendedorismo e flexibilização, usando sua liberdade para se matar de trabalhar numa jornada que nunca acaba, veja o exemplo dos motoristas e dos entregadores de aplicativo que trabalham “por sua conta", de maneira informal pela falta de regulamentação, em situações precárias sem qualquer auxílio do “intermediador", a empresa por trás do aplicativo.
A partir disso, também é possível observar que o sujeito está cada vez mais individualista e excessivamente competitivo, acreditando que quanto mais trabalha, mais rápido o progresso chegará, e acreditando também que detendo a primazia dos seus meios de produção pode se tornar o melhor, pois foi convencido de que tudo é possível, sem notar que também foi convencido a aderir um modo de vida que o deixa doente.
Em síntese, o eu pós-moderno se tornou totalmente isolado, o cansaço é solitário, individualiza e isola, isso se dá pelo fato de que a sociedade perdeu a fé, não somente na religião mais na própria realidade, o que tornou o mundo como um todo transitório. Uma época de Aceleramento, onde os dias não possuem começo e nem fim somente se unem em um só, o futuro sendo somente uma extensão da atualidade, sem que se perceba a passagem do tempo, de maneira a estarem sempre cansados e sempre correndo atrás do tempo que nunca sobra.
Em suma, devemos nos atentar aos efeitos colaterais do discurso motivacional, o que nos ajudará a compreender certos males do século XXI. Esse excesso de positividade que se manifesta no excesso de estímulos, informações e impulsos, proporciona uma baixa tolerância do chamado “tédio” – que também faz parte do processo criativo. Assim sendo, acreditamos que uma “desaceleração” poderá proporcionar que as pessoas realizem atividades mais contemplativas, propiciando a diminuição do quadro de doenças emocionais e maior qualidade de vida.
A falta de repouso na hiperatividade da sociedade pós-moderna gera no indivíduo uma resposta a todo e qualquer impulso sem um momento para reflexão, isso não gera mais liberdades e sim novas coerções, a passividade do sim só prolonga o que já existe, é uma falácia acreditar que quanto mais se torna ativo mais livre é. Gera mortos vivos, incapazes de viver somente sabem sobreviver.
Faltam interrupções, uma negatividade do não fazer, o dia do inútil seria então onde o descanso é fundamental, destrói muros, aproxima as pessoas, desacelera a vida e faz com que as decisões sejam tomadas de maneira mais lenta e com reflexão, deixa-se de lado a economia da eficiência.
Referências Bibliográficas:
Andrade, Andrei. Pensadores discutem o cansaço da sociedade contemporânea em Caxias do Sul. São Paulo. Atualizada em 23/06/2017. Disponível em: http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-tendencias/noticia/2017/06/pensadores-discutem-o-cansaco-da-sociedade-contemporanea-em-caxias-do-sul-9823602.html. Acesso em: 17/09/2020.
Byung-Chul Han. “Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização.” Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/07/cultura/1517989873_086219.html. Acessado em: 15/09/2020.
Han, Byung-Chul, Sociedade do cansaço / Byung-Chul Han; tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
Exaustos-e-correndo-e-dopados.Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/04/politica/1467642464_246482.html. Acessado em: 15/09/2020.
Brandão, Lucas. Byung-Chul Han mostra-nos a sociedade do cansaço e da individualidade. 07/09/2020, em Livros, Sociedade. Disponível em: https://www.comunidadeculturaearte.com/author/lucas-brandao/. Acesso em: 17/09/2020.