1.      BIOGRAFIA

Jeremy Bentham foi um filósofo e jurista inglês. Nasceu em Houndsditch, Londres – Inglaterra, em 15 de fevereiro de 1748. Era o filho mais velho do casal Jeremiah Bentham e Alicia Whitehorn. O pai era advogado e aumentou seus ganhos através de transações imobiliárias. Aos quatro anos de idade, Bentham começou a aprender latim e grego. Estudou na Escola de Westminster e em 1760 ingressou no Queen’s College, em Oxford. Terminou a graduação com apenas 16 anos, em 1764 e ingressou na Lincoln’s Inn, buscando se qualificar para a prática em Direito, curso que concluiu aos 19 anos de idade. Chegou a exercer a advocacia, mas se dedicou à Filosofia.

Inconformado com algumas questões na época, dedicou-se à reforma da jurisprudência na Inglaterra, tanto na área cível quanto na penal. Foi contrário ao antirreformismo de Blackstone, que foi seu professor em Oxford e era averso à ideia do Direito Natural.

Em 1786, na Rússia, estudou a reforma do sistema penitenciário. Retornando à Inglaterra em 1788, no ano seguinte, publicou sua obra mais relevante, denominada Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. É nela que ele apresenta sua famosa teoria filosófica conhecida por utilitarismo.

Também é relevante destacar que Bentham escreveu diversas obras, dentre as quais: Um Fragmento Sobre o Governo (1776), Defesa da Usura (1787), Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação (1789) – sua obra mais importante, Manual de Economia Política (1795), Tábua dos Moventes da Ação (1817), Deontologia ou Ciência da Moralidade – publicado postumamente em 1834. O filósofo morreu no ano de 1832, em Londres.

2. PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES

A principal contribuição de Jeremy Bentham para o pensamento filosófico é sua teoria utilitária, em que sustentava que os indivíduos buscam mais prazer e menos dor. Essa forma de pensar está diretamente ligada à ideia de custo-benefício, onde as pessoas agirão esperando alcançar maior felicidade. Apesar disso, é importante salientar que as vantagens maiores que os prejuízos se dão numa perspectiva coletiva e não individual. Ainda que individualmente haja essa busca, a consideração ética e a conveniência da legislação levam em conta o cálculo de prazer e dor para a coletividade, visto que é para essa coletividade, e não apenas para o indivíduo, que a ação gera efeitos e tais efeitos podem concorrer para a felicidade por meio de sua realização na comunidade.

Em vista disso, há uma aproximação entre indivíduo e coletividade, não estando a felicidade dos indivíduos em dicotomia com o funcionamento da coletividade. Pelo contrário, há interdependência e este é um dos pontos-chave para o utilitarismo de Bentham. Quando indivíduos defendem recursos sejam alocados para o benefício da coletividade e não destinadas a setores individuais da sociedade, não se trata de pensar a coletividade sobre o indivíduo. A coletividade é um meio de obtenção de prazer ou dor para os indivíduos; levar em conta, porém, os indivíduos alheios à coletividade impedem que este caminho seja maximizado na felicidade que oferece. Defender a coletividade, então, se torna um meio para aumentar as chances de felicidade do indivíduo e dos indivíduos, pluralmente (DIAS, 2013).

Outra contribuição de Jeremy Bentham, a partir de sua teoria utilitária, se deu no campo da Filosofia Moral e Política, trazendo uma forma de enxergar o mundo através de um moral consequencialista, em que visando a uma maior felicidade, tanto cidadãos quanto legisladores utilizam-se desse modo de pensar em diversas circunstâncias do dia a dia. Assim, a coisa certa a fazer depende da consequência da ação, de outra forma, é aquela que maximizará a utilidade. Afinal, prazer e dor governam nossas ações determinando o que devemos fazer. (SANDEL, 2015)

Na visão benthamiana, até mesmo o imperativo categórico de Kant se sustentava na maximização da felicidade humana. Bentham não compartilhava do imperativo categórico como fundamento para a ética ou para o direito. Enquanto este princípio era basilar para Kant, para Bentham a ética e o direito se assentavam no princípio da utilidade. Como o imperativo categórico é uma decorrência da razão e para Bentham a ética e o direito tem como pano de fundo a vida empírica, com todas as suas contradições e pluralidades, é apenas no cálculo de custo e benefício para a coletividade que os imperativos poderiam fazer sentido. Em certa medida, perdendo as suas características de acordo com a doutrina kantiana.

A preocupação de Bentham com a vida empírica também se traduziu na proposta, reiteradamente apresentada ao governo inglês, do panóptico. Atualmente, talvez, o panóptico seja mais conhecido pelas críticas realizadas por Michel Foucault na obra “Vigiar e Punir” do que pelo próprio propositor. Baseia-se na ideia que a pena é uma dor que só se justifica se produzir um benefício subsequente que a compense.

Segundo Sandel (2015), com o desejo de tornar a lei penal mais eficiente e humana, o jurista propôs alguns projetos na área penal, inclusive o panóptico. O conceito central do panóptico o apresenta como um presídio com uma torre central que permitia um supervisor enxergar todos os presos sem que fosse visto. Tal formato de prisão até hoje está presente em muitos países. Bentham também propôs a ideia de concentrar os mendigos em abrigos, já que as pessoas poderiam sentir dor ao vê-los nas ruas ou mesmo repugnância aos mais insensíveis. De uma forma ou de outra, a felicidade estaria sendo reduzida.

Ademais, o filósofo foi um defensor dos direitos dos animais. Para ele, não importava se os animais eram capazes de pensar ou não, importava, porém, que eles eram capazes de sofrer, e isso era o bastante para serem sujeitos direitos. Outro ponto relevante é o de que, para ele, as leis não são tomadas por absolutas, são modificáveis e aperfeiçoáveis, o que leva à necessidade de um empenho permanente para se ter uma legislação que possa promover a máxima felicidade para o maior número possível de pessoas. (ANTISERI & REALE, 2005)

Como a teoria de Bentham se fundamentou num aspecto puramente quantitativo, como uma equação matemática em que a diferença entre prazer e dor tivesse que ser sempre positiva, uma alteração nessa composição demonstraria uma violação ao princípio universal, e por essa razão a violação deveria ser punida. Na seara criminal isso justificava a punição, que nesses casos era vista como legal. Nas palavras de Dias (2015):

No utilitarismo de Bentham, tanto a ética quanto o direito possuem instrumentos de coação. No que concerne à ética, a coação acontece quando um membro de destaque da comunidade desaprova determinada ação, pelo fato de ter proporcionado mais dor do que prazer, no cômputo do balanço entre prazer e dor. No caso do direito, a forma de coação mais efetiva que existe é a punição legal.

Sob outra ótica, poder-se-ia afirmar que a punição gera dor e, portanto, iria de encontro com a própria teoria do utilitarismo de Bentham, ao fazer tal indagação teria o filósofo alguma resposta para isso? Ao responder essa pergunta, Bentham diria que concorda a primeira parte da pergunta, pois a punição é um mal em si mesma, porém, a punição nesse caso, apesar de ser um mal, seria aplicada para evitar o mal maior, dessa forma, ela estaria trazendo benefícios para a coletividade e não desconforto. Mais precisamente, seguem as palavras de Bentham quanto à aplicação da punição:

[...] acontece, porém, que toda punição constitui um ato pernicioso; toda punição constitui, em si mesma, um mal. Por conseguinte, com base no princípio da utilidade – se tal princípio tiver que ser admitido–, uma punição só pode ser admitida na medida em que abre chances no sentido de evitar um mal maior. (BENTHAM, 1973)

Ainda sobre a punição, é possível pensar que a punição poderia também causar mais dor do que prazer. Nesses casos, segundo Bentham, ela não deveria ser aplicada, pois ao gerar mais dor que prazer, isso significaria que a punição seria infundada, ineficaz e, portanto, excessivamente onerosa, sendo então totalmente desnecessária. (BENTHAM, 1973, p. 65). Dessa forma, nem todas as questões que demandam a ética, estabelecida na conduta privada e perseguindo fins individuais de felicidade, demandará a legislação, meio de alcance da felicidade coletiva, seguindo os mesmos princípios utilitaristas da ética (ROSA, 2013).

A legislação somente é levada em consideração quando os malefícios atingem a coletividade e a resolução que aponte traga aproximações à felicidade coletiva maiores que o dano que causa à própria coletividade. Sem esse cálculo, por mais que não sejam éticas determinadas ações, elas serão resolvidas não pela legislação, mas através da ética. Um desafio, portanto, para concepções que enxergam na legislação a resposta para todas as tensões ou, ao menos, para todas as situações que prevê, indistintamente.

Ainda assim, cabe frisar que a proposta de Bentham é universalista por enxergar, no princípio da utilidade, o princípio único que deve nortear a ética e o direito, inclusive fazendo as distinções de qual caminho deve ser seguido para lidar com atos que tragam prejuízos a outros indivíduos e à coletividade (DIAS, 2013).

Nota-se que o utilitarismo de Bentham exerceu bastante influência na evolução do pensamento filosófico e ainda hoje percebe-se em muitas ideologias o pensamento de viés utilitário. Nesse ponto, é importante que a sociedade esteja vigilante, afinal, em nome de um possível benefício coletivo, existe o perigo da tirania, dado que essa maneira de pensar pode levar a um cenário em que os direitos individuais deixariam de ser respeitados em nome das ideias de uma maioria.

Bentham via a guerra como algo inútil, pois gerava prejuízos para todos os envolvidos, logo, com base no que era o cerne de sua teoria, mais prazer e menos dor, ela não deveria ocorrer. Uma das justificativas eram os dispendiosos gastos para entrar e manter uma guerra. Assim, além do aspecto econômico, haveria o custo social.

Por fim, pode-se afirmar que o utilitarismo de Bentham aponta para a instrumentalização das escolhas, pois tinha como base a consequência das decisões a serem tomadas, algo que até hoje fazemos, seja em âmbito individual (o que não ele não defendia) ou coletivo (para o bem de todos).

3. PERFIL DAS QUESTÕES ANTERIORES NA PROVA DA ORDEM

No que diz respeito ao Exame da Ordem duas abordagens de sua teoria foram objeto de questões nos Exames XIV e XXV. Elas tratavam, respectivamente, sobre o âmago da teoria da utilidade de Bentham, abordando a maximização da felicidade (mais prazer e menor dor), enquanto a outra destacou a conveniência da punição na perspectiva utilitária. Os dois assuntos podem ser encontrados na obra de Bentham “Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação”.

4. CURIOSIDADE


Bentham repudiava os costumes cristãos pós-morte, por isso, deixou instruções escritas sobre o que deveriam fazer com o seu cadáver após a sua morte. Resultado: foi mumificado e colocado para exibição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia, 5: do Romantismo ao Empiriocritismo. São Paulo: Paulus, 2005.

BENTHAM, Jeremy. Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

DIAS, Maria Cristina Longo Cardoso. O Direito e a Ética em Bentham e Kant: Uma Comparação. Trans/Form/Ação, Marília, v. 38, n. 1, p. 147-166, abr. 2015. Disponível em<htpp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010131732015000100147&lng=pt&nrm=iso> acesso em 15 maio 2021. https://doi.org/10.1590/S0101-31732015000100009.

DIAS, Maria Cristina Longo Cardos. A MEDIDA DA ÉTICA EM BENTHAM. Cadernos De Ética E Filosofia Política, 1(20), 6-21, 2013. Recuperado de https://www.revistas.usp.br/cefp/article/view/55951

ROSA, Christian Fernandes Gomes. Jeremy Bentham e a constituição do conceito de direito no pensamento jurídico moderno. Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 14, n. 20, 2011.

SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.