Tércio Sampaio Ferraz Jr.

  

  Autores: Carlos Alberto Rabelo Aguiar, Guilherme Domingos dos Reis, Jhonas de Sousa Santos, Raíck Junio dos Santos Silva e Rebeca Cristina Pereira Araújo.

  Tércio Sampaio Ferraz Jr. é um advogado, jurista e filósofo brasileiro, considerado um dos introdutores da filosofia da linguagem no contexto brasileiro, com importantes contribuições para a Teoria da Argumentação Jurídica.

​  Nascido em São Paulo (SP), em 02 de julho de 1941, graduou-se em Filosofia, Letras e Ciências Humanas e em Ciências Jurídicas e Sociais em 1964, ambas pela Universidade de São Paulo (USP). Em 1968, fez Doutorado em Filosofia pela Johannes Gutemberg Universitat de Mainz, na Alemanha, e, retornando ao Brasil, doutorou-se em Direito pela USP em 1970, tendo sido orientando de Miguel Reale. Em 1974, fez pós-doutorado em Filosofia do Direito, também pela USP.

​  Desde cedo, dedicou-se à atividade docente, tendo substituído Goffredo da Silva Telles Jr. na cadeira de Filosofia de Direito da USP, tendo ocupado tal função de 1969 a 2011. Em 1973, começou a lecionar Filosofia do Direito na PUC-SP, posto que ocupa até hoje. Além disso, desde 1996 é consultor da  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

​  Em 1990, foi secretário-executivo do Ministério da Justiça e, de 1991 a 1993, exerceu o cargo de Procurador-Geral da Fazenda Nacional. Além disso, integrou diversos escritórios de advocacia, atuando como advogado, parecerista e árbitro em diversos ramos jurídicos, tais como Direito Tributário, Concorrencial, Econômico, Administrativo e Constitucional. Também foi diretor jurídico da SIEMENS S.A em diversos períodos, além de Membro do CONJUR - Conselho Superior de Orientação Jurídica e Legislativa da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

​  Possui vasta obra, com diversos livros e artigos publicados, além de participações em grupos de pesquisa e bancas de monografia. Dentre as suas principais obras estão: "Direito, Retórica e Comunicação" (1973), "Teoria da Norma Jurídica" (1978), "A Ciência do Direito" (1980), "Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação" (1988), entre outras. Além disso, tem desenvolvido estudos recentes sobre democracia e intervenção do Estado na economia.

II. PONTOS PRINCIPAIS DA TEORIA

​  Em síntese, o jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior fundamenta um modelo teórico de dogmática jurídica tecnológica que se inicia pela identificação de um problema central inerente à ciência do direito que é a decidibilidade dos conflitos. O ponto de partida é a configuração do direito como um sistema comunicacional que visa controlar os comportamentos humanos de maneira articulada, em um mecanismo em que a norma jurídica exerce esse papel de articulador principal, com isso “o jurista concebe as relações sociais normativamente, por imputação de normas a situações sociais” (LEMOS, 2011, p. 76).

Assim, sua proposta é a de tratar o direito, enquanto um sistema explicativo do comportamento humano, do ângulo normativo, sem afirmar que ele se reduza a normas, e sob um viés específico, que é o da pragmática jurídica, sem afirmar que a norma possua apenas essa dimensão (LEMOS, 2011, p. 76).

​  Ferraz Jr. incorpora à sua teoria a certeza de que inexiste a possibilidade de não estabelecer elos de comunicação que garantem a interação entre os seres. O ato de se comunicar permite a criação de conflitos e dentro deste arranjo as normas jurídicas se revestem como “discursos normativos” passíveis de dirigir comportamentos que visam a decisão jurídica. Os discursos normativos iniciam sua atuação de controle quando existem conflitos de expectativas normativas, ou seja, quando há um conflito simultaneamente se impõe a primordialidade de institucionalizá-lo, de modo que uma decisão seja regulada para tal. Surge daí o papel de generalização do direito, que nada mais é do que estabilizar as expectativas que advém dos conflitos estabelecidos que se dão nas seguintes modalidades: temporal, por meio da normatização; estrutural, no momento de institucionalização; e prática, quando identificada a generalização de conteúdos, todas funcionando de forma inter relacionada (LEMOS, 2011, p.76).

​  A pragmática jurídica de Ferraz Jr. encara as normas como discursos racionais ambíguos que, em uma ocasião decisiva, requerem sua aplicação por parte do legislador/juiz na figura de um orador que atua como terceiro comunicador mediante os endereçados. Vale explicar que os endereçados são as partes interessadas e o editor atua numa posição privilegiada, no qual suas indagações são pontos de partida da discussão, de forma mais simples, os editores exercem a função de formatar um consenso geral presumido com potencial de ser generalizado, por exemplo, por premissas de valores, ideologias, papéis sociais e outros meios (LEMOS, 2011, p. 76).

​  Para melhor exemplificar, confira-se:

Essa relação estabelece-se em nível de cometimento da comunicação normativa (é metacomunicacional, portanto), e compõe a estrutura monológica do discurso normativo, porque não pode ser atacado e, segundo, Ferraz Jr., é expresso por meio dos operadores normativos de obrigação, proibição e permissão. A relação autoridade/sujeito prescinde do cumprimento efetivo do relato. Como, porém, o descumprimento constante pode levar ao rompimento da comunicação, o editor, sem abrir mão de sua autoridade, a suspende, aparecendo, também, como parte argumentante, para que sua autoridade também possa ser compreendida. Aí reside o momento dialógico do discurso normativo. (LEMOS, 2011, p. 77)

​  Essa sistemática remonta a estrutura dialógica que segundo a Ferraz Jr. permite o uso de táticas de convencimento por parte do editor que como dito acima, constrói argumentos que vão em direção aos intérpretes. Todo esse apanhado ora pensado, se apresenta como primórdio da argumentação muito estudada pelo jurista e filósofo Tércio Ferraz Jr. e se dispõe como um âmbito interpretativo hermenêutico que se revela de múltiplas formas.

​  Refletindo-se a respeito da teoria de Ferraz Jr., é nítida a sua tentativa em conceber uma abordagem pragmática da norma jurídica, que é base para determinação dos comportamentos humanos. Ou seja, pode-se compreender que a norma jurídica também é uma decisão jurídica. E por meio desta abordagem supramencionada, o professor visa justamente a determinação de um sistema explicativo.

​  Na ótica de Ferraz Jr., devido ao fato de as normas jurídicas serem ambíguas, é vital que a comunicação seja um elemento de auxílio da aplicação destes dispositivos dentro de sistemas mais complexos, conhecidos notoriamente como ordenamentos jurídicos. Estes, enquanto reflexos das relações de complexidade dos discursos normativos — nos quais se opera a comunicação — trazem à tona os conceitos de: validade, efetividade e imperatividade das normas jurídicas (LEMOS, 2011, p. 78).

​  Em termos didáticos, a validade pode ser compreendida como a legitimidade da autoridade que elaborou as normas jurídicas; a efetividade diz respeito à capacidade de produzir efeitos ao longo do tempo; e a imperatividade, à capacidade de coerção das normas para impor comportamentos, independentemente da vontade alheia. Isto posto, salienta-se que nem toda norma jurídica possui esses três elementos, pois “uma norma pode ser válida e inefetiva ou destituída de imperatividade (...), ou pode ser imperativa ou efetiva e, não obstante, ser inválida” (Ibidem, p. 79).

​  Um ponto interessante da teoria elaborada por Ferraz Jr. é o diálogo com o pensamento do sociólogo alemão Niklas Luhmann, no qual o jurista brasileiro se apoia filosoficamente para considerar que o ordenamento jurídico é um sistema que tem a capacidade de produzir seus próprios elementos, mas permite a importação/exportação de informações de outros sistemas sociais. Ou seja, “o sistema normativo é um subsistema social, auto-referencialmente e aberto cognitivamente” (Ibidem).

​  Assim, para a teoria do professor Tércio Sampaio, o ordenamento jurídico é circular e não admite uma norma fundamental, e sim várias normas-origem. Dentro desse sistema, ocorre a “utilização das regras de calibração, que buscam uma norma-origem que dê conta da tarefa de garantir a decidibilidade dos conflitos”. Logo, centraliza-se a ideologia como o mecanismo capaz de empregar o sentido das normas jurídicas, “na medida em que só por ela é possível determinar, numa situação dada, que tipo de efetividade deve o sistema normativo possuir, para que suas normas constituam cadeias válidas e, em consequência, que tipo de autoridade deve ser tida como legítima” (Ibidem).

​  Por fim, a respeito do uso da ideologia pelo Direito, denota-se que ela é o mecanismo capaz de dar sentido aos valores imersos na ordem jurídica. Neste processo, menciona-se a “violência simbólica” que subjaz, pois há uma imposição arbitrária de quais valores serão comunicados na relação de autoridade/sujeito. Contudo, esta imposição arbitrária não equivale necessariamente à imposição da força, mas sim fundamenta-se no “uso ideologicamente justificado da força” (Ibidem, p. 80).

III. LEGADO PARA A FILOSOFIA DO DIREITO

​  Tércio Sampaio Ferraz Júnior deixou, sem sombra de dúvidas, um grande legado para a filosofia do direito, principalmente no campo da teoria da norma e da interpretação.

​  Como se sabe, esse grande filósofo do direito foi orientado por duas grandes mentes, que abalaram o modo de pensar o direito no século XX: Miguel Reale e Theodor Viehweg.

​  De Miguel Reale, Tércio trouxe, para as suas construções teóricas, a compreensão de que o direito é um fenômeno pluridimensional, passível de ser influenciado pelos elementos externos ao sistema normativo, tal como a ideologia e os valores.

​  De Theodor Viehweg, importou, para o contexto acadêmico brasileiro, relevantes contribuições atinentes ao pensamento tópico.

​  A principal contribuição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior se deu no campo da interpretação da norma jurídica. Tércio, a partir de noções da pragmática linguística, construiu um método pragmático de interpretação da norma jurídico: a pragmática jurídica. No estudo de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a pragmática linguística, quando aplicada à investigação da norma jurídica, tem como preocupação apresentar um modelo operacional que possibilite a investigação do discurso normativo e dos aspectos comportamentais e da relação discursiva (LEMOS, 2011, p. 15).

​  O principal feito da pragmática jurídica de Tércio foi trazer a compreensão ao campo de investigação da norma jurídica de que os elementos afetos ao meio social, tal como os valores e a ideologia, influenciam significativamente no modo de compreensão do sistema normativo vigente.

​  Além disso, como supramencionado, introduziu, no contexto acadêmico brasileiro, o pensamento tópico de Theodor Viehweg. No pensamento tópico de Tércio Sampaio Ferraz Jr., o sistema normativo e seus topois (interesse público, boa-fé objetiva) são rebaixados do status de imutabilidade – como o concebia o pensamento jurídico do século XX - para o estado de constante tentativa (LEMOS, 2011, p. 29).

​  Por fim, uma das mais importantes contribuições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, pelas quais recebeu a alcunha de ter formulado uma teoria anti dogmática do direito, foi a de introduzir, no campo da investigação jurídica, o enfoque zetético de investigação. A importância dessa contribuição relega-se ao fato de que prevalecia, no século XX, o enfoque dogmático de investigação jurídica, que concebia o direito como um fenômeno posto.

Referências.

  • FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Currículo. Disponível em: https://www.terciosampaioferrazjr.com.br/curriculo. Acesso em: 04/05/2021.
  • LEMOS, Luis Fernando Bittencourt de. A teoria da norma jurídica de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Trabalho de Conclusão de Curso (UFRGS). Orientador Flores, Alfredo de Jesus Dal Molin. Rio Grande do Sul, 2011. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/36495 Acesso em: 08 de maio de 2021