Roberto Lyra Filho: Por que estudar direito, hoje?

Roberto Lyra Filho foi um professor de Direito Penal e de Filosofia do Direito que teve uma importante atuação na Universidade de Brasília entre as décadas de 1960 e 1980 e foi um dos nomes mais importantes da teoria marxista do direito no Brasil.

Ele se notabilizou pela postura crítica que adotou no fim dos anos 1970, que o levou a fundar a chamada Nova Escola Jurídica Brasileira, chamada por ele de Nair. Várias de suas publicações foram palestras oferecidas aos estudantes de direito, sendo uma das mais interessantes o texto que se segue, publicado originalmente em 1984 e republicado cerca de dez anos depois na coletânea O Direito Achado na Rua, de 1993.

Por que estudar direito, hoje?

Uma das mentiras mais comuns é sustentar que vocês devem, primeiro, conhecer bem as leis e os costumes da classe, grupos e povos dominantes; e, depois, se quiserem, tratá-los, em mais largas perspectivas sociológicas, políticas e críticas.
Os juristas, duma forma geral, estão atrasados de um século, na teoria e prática da interpretação e ainda pensam que um texto a interpretar é um documento unívoco, dentro de um sistema autônomo (o ordenamento) jurídico dito pleno e hermético e que só cabe determinar-lhe o sentido exato, seja pelo desentranhamento dos conceitos, seja pela busca da finalidade, isto é, acertando o que diz ou para que diz a norma abordada.
Isto é ignorar totalmente que o discurso da norma, tanto quanto o discurso do intérprete e do aplicador estão inseridos num contexto que os condiciona, que abrem feixes de função plurívoca e proporcionam leituras diversas. A moderna lingüística, a semiologia, a nova retórica, a nova hermenêutica já assentaram, há muito, que o procedimento interpretativo é material criativo, não simplesmente verificativo e substancialmente vinculado a um só modelo supostamente ínsito na dição da lei.
Desta maneira, assim como a triunfante visão da pluralidade dos ordenamentos jurídicos fez explodir a concepção do ordenamento único, hermético e estatal, a teoria e prática da interpretação, considerando, cientificamente, este suposto ordenamento único, em suposta coerência intra-sistemática, fizeram implodir o esquema tradicional das fontes e da hermenêutica.
Eis aí uma questão de grande alcance para a vida do Direito, que se revelou móvel, e não fixo, dialético e não “lógico”.
A própria jurisprudência, e geralmente sem dar por isto, mostra então o processo cujo dinamismo cabia a doutrina assinalar, analisar e sistematizar – o que geralmente não ocorre, porque falta ao jurista clássico (o mais comum, o que se prepara com as teses obsoletas de compêndios poeirentos e desatualizados) aquela informação indispensável sobre o que vem ocorrendo nas ciências da expressão e comunicação, desde que a pseudociência dogmática do Direito se isolou numa redoma de servilismo político e defasagem técnica.
Não posso deter-me, agora, na questão da hermenêutica, mas a ela faço referência, porque desmoraliza a tese de que há um Direito feito e acabado a conhecer como algo suscetível de paralisação, entre uma lei que o promulga e outra que o revoga, entre uma ordem constitucional que vige, formalmente, e uma “revolução” ou reforma que muda as regras do jogo.
Para dar a vocês apenas um exemplo prático, lembro que a lei de segurança do poder, que se diz de “segurança” de toda a nação, trumbicou-se, em parte, no Supremo Tribunal, quando pretendeu definir, com bitola autoritária, o que é segurança nacional.
A reavaliação judiciária estabeleceu-se, não em termos do que a lei trazia, mas da lei feita por ministros liberais e a.luz de pressuposições opostas às da internacionalidade draconiana e pretensa clareza textual. E o choque de mentalidades acabou nisto que o eminente Fragoso exprime de forma contundente “a fórmula complicada da lei não teve ressonância na jurisprudência dos tribunais”, isto é, no ato de interpretá-la e aplicá-la, os juízes, apesar de tudo, liam um sentido consentâneo com o seu posicionamento, e não com o do legislador.
Há, sempre, direitos, além e acima das leis, até contra elas, como o direito de resistência, que nenhum constitucionalista, mesmo reacionário, poderá desconhecer; ou o Direito Internacional, que encampa direitos contra os Estados, tal como no caso do genocídio praticado mediante leis que oprimem e destroem grupos e povos, ou o direito de resistência nacional contra o invasor estrangeiro, ainda quando os governos de fato – os Estados, portanto – ordenam a cessação das hostilidades.
No entanto, para que se determinem os limites jurídicos da própria insurreição legítima, é forçosamente necessário estabelecer uma abordagem do campo abrangedor e complexo do Direito em totalidade e movimento e dos direitos humanos que não se esgotam nas declarações oficiais.
Por outras palavras, é preciso encontrar o padrão objetivo (mas não imutável) do Direito interno, no momento histórico determinado.
A isto se dedica a Nova Escola Jurídica Brasileira – Nair, numa visão global, que, pelas razões já explicadas, eu me limito a enunciar, pedindo que procurem, no escrito mencionado, o desenvolvimento dessas idéias.
Para a Nova Escola Jurídica Brasileira – Nair, o Direito, em totalidade e movimento, é padrão atualizado de Justiça Social militante, que enseja a determinação das condições de coexistência das liberdades individuais, grupais e nacionais, com as únicas restrições admissíveis, na raiz da validade específica de toda normação legítima. E são elas, precisamente, que definem, de forma evolutiva e concreta, a essência manifesta da liberdade, como “direito de fazer e buscar tudo o que a outrem não prejudica”.
Por outras palavras, a liberdade Jurídica não é o que resta, depois que um “direito positivo” qualquer impõe o que não se pode fazer, senão que as ilicitudes devem ser constituídas, num Direito legítimo, apenas na medida em que viabilizem a liberdade – já que a total liberdade de todos acabaria obstruindo a deste por aquele. Mas também não se pode colocar o livre desenvolvimento coletivo num sufoco público, senão que em função estrita do livre desenvolvimento de cada um.
A fundamentação desses princípios, que emanam do processo histórico e sua polarização progressista, assim como a concretização deles, nas diferentes conjunturas, com o vetor correspondente assinalando as fronteiras dos direitos humanos em cada etapa – já foram longamente analisados e defendidos no meu livrinho já citado e ao qual me reporto.
O grande equívoco, evidentemente, é confundir o Direito com aquilo que a pseudociência dogmática isola, para enfocar apenas um aspecto mutilado do Direito, que urge recompor.
E esta situação continuará prevalecente, enquanto as próprias correntes de esquerda reforçarem a posição conservadora, adotando a sua visão do Direito, isto é, encarando este último como simples veículo superestrutural de dominação, para dar-lhe apenas outra explicação e destino.
Nos compêndios tradicionais, o boi jurídico vira carne de vaca metafísica (o jusnaturalismo) ou aparece na rabada (positivista), que só aproveita o seu apêndice posterior e inferior. O positivismo só vê, no Direito, a bunda estatal.
Mas o Direito se vinga, cresce, pressiona, conquista alargamentos notáveis, brilha nos estandartes dos espoliados e oprimidos, ecoa na voz dos advogados progressistas, transborda nas sentenças de magistrados mais inquietos, encorpa-se e procura uma sistematização no pensamento dos professores rebeldes, sacode a poeira dos tratados conservadores, rompe as bitolas dogmáticas e retempera o ânimo dos que, cedo demais, queriam dar a causa Jurídica por indefensável e perdida.
Como seria possível, numa situação ainda pouco propícia, de obstruções institucionais e violência repressiva, – atuar, nada obstante, com vista à transformação do mundo, sob a égide libertadora do autêntico e bom Direito?
Creio que um paralelo nos pode servir de orientação.
O maniqueísmo mais tolo volta as costas à participação no que se põe como acessível, para dar-se o consolo triunfalista dum lance único de “tudo ou nada”.
Este caminho foi ardentemente combatido, aliás, pela maturidade lúcida de Marx, que nos advertia: Canaã não está ali na esquina e as forças democratizadoras “não podem chegar ao poder… sem passar por toda uma evolução revolucionária de bastante longa duração”. E, noutra oportunidade, reiterava: “vocês dizem que é preciso chegarmos imediatamente ao poder ou só nos resta ir dormir… Como os (liberal) democratas fizeram da palavra – povo – um fetiche, vocês fazem um fetiche da palavra – proletariado. Como os (liberal) democratas, vocês substituem pela fraseologia revolucionária a evolução revolucionária”.
Temos de absorver toda abertura para alargá-la (não para engolir o seu capcioso diâmetro, como os “realistas”); temos de vencer etapas limitadas, para superá-las (não para imaginar que com elas se resolva tudo, em lance milagreiro); temos de inserir-nos no contexto, para transformá-lo (não para nos julgarmos adstritos a ele, como o peru natalino, em torno do qual se traga um círculo de carvão: ele fica ali, dentro do círculo, pensando que é intransponível, até que o venham buscar, para o facão, o tabuleiro e o forno).
Quando Marx pregou a organização dos trabalhadores, para intervir, inclusive, no processo eletivo, disse que assim se poderia transformar o sufrágio universal e a democracia parlamentar, de instrumento de engodo, em instrumento de libertação.
A pressão libertadora não se faz, apenas, de fora para dentro, mas, inclusive, de dentro para fora, isto é, ocupando todo espaço que se abre na rede institucional do status quo e estabelecendo o mínimo viável, para maximizá-lo, evolutivamente.
No Brasil, houve um período em que a linha obtusa ou porra-louca deixou as esquerdas num falso dilema – o abstencionismo eleitoral ou as aventuras terroristas (o que só poderia facilitar o jogo da ditadura, de um lado faturando eleições desimpedidas e, de outro, explorando a repugnância natural ao terrorismo, revelada pelas grandes correntes oposicionistas, sempre necessárias à união nacional irresistível).
Rejeitemos os procedimentos insuportáveis do ceticismo paralítico ou da selvageria que “justiça” adversários indefesos.
Mutatis mutandis, alguns jovens chegaram a pregar o amuo que os afastava dos condutos participativos, na estrutura universitária, com o argumento de que eles representavam um buraquinho apertado pela repressão. A verificação era exata; mas a conclusão incorreta. Abandonando até esses caminhos, que restava? Esperar que o aparelho repressivo caísse de podre ou explodi-lo numa orgia terrorista. Num caso, a incompetência; de outro, a lei da selva, em que todos são feras idênticas e apenas com o sinal trocado.
A alternativa apareceu depois, quando se voltou ao trabalho interno, explorando as contradições e porosidades do sistema legal e recorrendo à ilegalidade não-selvagem com lucidez e comedimento, isto é, em condições de pressão dosada, que força a absorção de novos pontos positivos pelo sistema dominante.
Foi o caso, por exemplo, da ressurreição da UNE, que deixou o governo em posição ambígua e defensiva, sem condições de liquidar a entidade, nem jeito de “salvar face”, exceto com expedientes engraçados, como dialogar com dirigentes “não-reconhecidos”.
No curso jurídico, há moços que chegam a experimentá-lo e, depois, o abandonam, como se o fato de ali descobrirem um muro reacionário fosse razão para deixar como está, cobri-lo de lamentações ou… transferir-se para outro setor, onde as brechas já estão abertas (como os departamentos de ciências sociais, por exemplo).
Isto, no fundo, é um comodismo, que só quer engajar-se em batalhas previamente ganhas e num terreno onde reconheça a presença já organizada de um grupo progressista. De que vale bramir, de longe, contra a situação da área fechada, quem nada fez para alterá-la? Ou, pior: de que vale disfarçar esse comodismo, com a pretensa certeza de que ali não há nada a fazer e, em vez de espancar a ideologia com nova ciência do Direito, repetir que o Direito é pura ideologia?
Que Direito aí se considera? O das normas estatais, aceitas dogmaticamente, como único direito pessoal.
Assim se cai na “armadilha kelseniana”. E assim também se ignora que, apesar de todos os avanços e recuos, ambigüidade e formulações imprudentes apenas eventuais, nem Marx dá, em última análise, um apoio àquela colocação: o que ele, afinal, combatia era o direito dos dominadores e, especialmente, o direito burguês.
Organizados, vocês podem atuar, aqui mesmo e apesar de todas as dificuldades, em dois planos, ao mesmo tempo:
a) o plano institucional-administrativo, em que devem pressionar os órgãos e titulares, para que reconheçam e absorvam as reivindicações necessárias, a fim de que o corpo discente deixe de ser tratado como súcubo dum processo “educativo”, no qual TUDO lhe é imposto -currículo, programas, normas organizacionais, disciplinares e toda a parafernália autocrática e repressiva: a meta será, em cada passo, o pólo ideal, progressivamente aproximado, de uma co-gestão universitária;
b) o plano do ensino e pesquisa em que devem, igualmente, intervir, questionando as teses apresentadas como certas, desde os “dogmas” até os corolários, que tornam o positivista jurídico um beija-flor de pacotes.
Mas não se trata, sequer, de rejeitar, em bloco, a erudição de docentes conservadores.
Estes dividem-se em três grupos principais: os ceguinhos, que servem a dominação por burrice e ignorância; os catedráticos, que a ela servem por safadeza; e os nefelibatas, que acabam fazendo a mesma coisa, por viverem nas nuvens.
Vocês os conhecem. O ceguinho é aquele que “adota” um compêndio do tipo Maluf, para ser decorado pelos alunos, e, nas aulas, disfarça a pobreza de espírito, repetindo um outro livro, não citado, que é a “cola” do mestre. Descubram este último, e ele está no papo.
Nos meus tempos de estudante, havia um ceguinho que nos mandava rezar, nas provas, os capítulos do Direito Processual Civil, do Gabriel Rezende Filho, e salvava face recitando nas aulas os verbetes escolhidos duma enciclopédia italiana.
Os catedr’álicos me recordam aquele outro professor da época, que considerava “comunista” o Primeiro-Ministro da Inglaterra e berrava, agitando os óculos no ar, como o deputado Amaral Neto agitava o revolver quando se fala nas eleições diretas: “comigo é na lei, estão ouvindo? E no Código! E quem critica a lei, a ORDEM é CO-MU-NIS-TA!” Ele tinha tanto medo de “comunista” que, a noite, mandava a esposa verificar o que estava debaixo da cama, com receio de que lá se ocultasse o sr. Luís Carlos Prestes, junto do penico.
Mas há também os nefelibatas, aqueles que conhecem mil leis, mil doutrinas, mil teorias, mas nem suspeitam o que elas representam, como projeção de circunstâncias, classes, grupos, povos em luta, no mundo real e material. E fazem uma salada semelhante à que Marx censurava a Stirner, com a “idéia do Direito”, que tiram da cabeça, e das leis, em lugar de vê-la em função das relações sociais. Assim, leis e doutrinas tornam-se “fantasmas”, numa pseudociência de assombrações e porrinhos idealistas.No entanto, se vocês souberem fazer a triagem, entre as divagações alienadas e o que nelas, apesar de tudo, se reflete do que realmente interessa e importa, verão que ali não se deixa de ministrar um conjunto de elementos reenquadráveis numa perspectiva diferente.
Ideologia lá, ciência cá é um tipo de maniqueísmo que sacrifica a dialética e empobrece a ciência, pois esta nunca deixa de portar certas contradições ideológicas, tal como a ideologia não deixa de transmitir certas verdades deformadas.
Desprezemos os compêndios de resumo flatulento e diarréia fedida, mas consultemos as fontes criativas que eles assimilam mal e expelem com mentalidade purgativa.
Vocês devem, inclusive, aproveitar as lições de seus mestres conservadores. Se o ceguinho remói as suas fontes, se o catedr’áulico irrita com a arrogância de cortesão, se o nefelibata da sono com os seus discursos, onde há pérolas de erudição sem um fio que as reúna em colar de verdadeira cultura – todos eles, sem querer, trazem milho para o nosso moinho.
A questão é não comer o milho (não somos galinhas agachadas diante dos galos de terreiro pedagógico) e, sim “moer” o milho, isto é, constituir com “ele” o nosso fubá dialético, acrescido com outras malarias que os ceguinhos, catedr’áulicos e nefelibatas, ou não conhecem ou deturpam; e, em todo caso, não usam, porque eles são do Planalto e nós da planície, democrática, popular, conscientizada e libertadora.
Como dizem os ingleses, é preciso cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água do banho.
Não se esqueçam, também, de que, além dos professores de índole e posicionamento conservadores, há (embora em minoria) os docentes de intencionalidade progressista; e que, sejam quais forem as divergências entre nós, não devemos perder de vista o que podemos fazer juntos; em dois sentidos: 1) a conjugação de esforços para certos objetivos comuns (por exemplo, o combate à dogmática jurídica ou a introdução, no ensino, do elemento de conscientização política); 2) debate fraternal, em que a crítica dos companheiros com outra formação e modelo pode e deve ajudar-nos a repensar as nossas próprias opções, reavaliá-las e aperfeiçoá-las, sem deixar que a posição antidogmática se esterilize na simples troca de um dogma por outro.
Não existe ciência acabada e perfeita, e a noção de um “núcleo de verdade invariável”, em qualquer sistema filosófico ou científico, transforma o “divino mestre” em deus a contragosto, para encher a boca de xingamento ao “misticismo” e substituí-lo por uma triste mistificação.
O domínio da fé é um “acréscimo de sentido”, que fica situado em plano diverso das modestas tarefas empíricas e racionais do filósofo e do cientista.
Não é honesto jogar, neste terreno, com as cartas marcadas, pois assim se acaba misturando as estações e transformando a ciência e filosofia numa teologia bastarda e numa dogmática sacrílega.
Vou concluir, se vocês me permitem, com algumas sugestões da minha experiência intelectual e política.
A mania do velho é dar conselhos; mas, desde que ele não pretenda transformá-los em diretivas autoritárias, é também mania inofensiva de quem se angustia, no desejo de converter as lições positivas e negativas do seu itinerário em um elenco de propostas sobre a maneira de evitar as alocações do caminho.
O conselho é o avesso dos nossos próprios erros passados, que procuram redimir-se no depoimento e na advertência: “já caí em muitas armadilhas e custou muito livrar-me delas. Eis como penso que vocês evitariam perder tempo com mesmos acidentes”:
Não pensem que é fácil, que é cômodo abordar a ciência.
Não esperem que a verdade vá surgir de um esqueminha “simples” e “claro”.
Nenhum acervo científico é dominado sem esforço metódico, demorado, persistente – tanto “mais necessário”, quando se trata de abrir caminho, quebrar as rotinas e inovar.
O bom estudante não é borboleta, é incansável pica-pau, capaz de perfurar a rija madeira dos conceitos e teorias.
Lembrem-se, sempre, da carta de Marx a Maurice Lachatre. “Eis o inconveniente contra o qual nada posso fazer, exceto prevenir e premunir o leitor preocupado com a verdade: não existe uma estrada-mestra para a ciência e só tem chance de acesso aos seus cumes luminosos aqueles que não temem cansar-se, escalando picadas íngremes.”
Aproveitem as lições dos mestres conservadores, pois, como já lhes disse, eles não trazem apenas um monte de inutilidades e bobagens; a questão não é rejeitá-los em bloco, mas separar o joio do trigo.
A propósito, lembrem-se das observações exatas e fecundas de Adam Schaff, “ninguém teve jamais ao seu dispor a verdade total e todos nós dispomos apenas de teorias que não escapam ao estado de hipóteses, pois devem ser constantemente verificadas e modificadas. O diferente reduz-se apenas a questão de saber quem possui uma verdade mais completa. Mas, embora persuadidos de que a nossa detém esse privilégio, o que é natural, não devemos admitir de antemão que as teorias concorrentes são inteiramente desprovidas do valor da verdade, dado que, teoricamente, até uma teoria oposta à nossa a pode possuir e esta questão deve ser sempre concretamente estudada e resolvida. É assim que a reflexão sobre o caráter relativo da verdade de que dispomos engendra a necessidade de tolerância e até a de nos instruirmos junto do concorrente, o que de nenhum modo significa que renunciemos a combater – mesmo violentamente – as suas opiniões”.
Por outro lado, a consciência de que só possuímos uma verdade relativa não desanda em relativismo (este último nível todas as verdades relativas admitindo que tanto vale uma como a outra), enquanto na concepção dialética, uma “verdade processo”, procuramos determinar qual é a verdade relativa que, no momento, representa o ponto vanguardeiro (“tendendo para a verdade absoluta”) e, de toda forma, admitimos, com Hegel, que as teorias científicas, tal como as doutrinas filosóficas mais avançadas, em cada época, vão acrescentando pedras à grande, à ininterrupta, à infinita edificação, e constituem, afinal, os “momentos imperecíveis do Todo”.
Não devemos ceder ao teoricismo. A Nova Escola Jurídica Brasileira pesquisa as leis, a jurisprudência, a doutrina, o Direito supralegal e, auscultando a práxis jurídica, sob o ponto de vista dos espoliados e oprimidos, sua conscientização, seus movimentos libertadores, traga rumos para a atuação do advogado na práxis, tanto de cidadão, quanto de profissional.
“Teoria é apenas teoria da pratica, assim como a prática não é senão a práxis da teoria”.
Direito é desenganadamente política, e a questão não é ser político ou não o ser, pois não o ser e um disfarce que adota a opção política de natureza conservadora – isto é, não quer que o estudante ou professor “façam política”, porque esperam que eles se acomodem docilmente à política oficial, que já tragou a função e a maneira de exercê-la: o Estado e o autor da peça; o dirigente da Faculdade e o produtor e diretor do espetáculo; e a nos cumpriria apenas desempenhar o papel que nos foi distribuído, sem “contestar”.
Não à toa o “direito” que se adapta a esse esquema, dito apolítico (isto é, político da direita) só pode ser um “direito” examinado, segundo a teoria “jurídica” de um positivismo (capado) ou de um jusnaturalismo (brocha).
Ser político, no sentido de pólis, de participação ativa na comunidade, do compromisso e deveres sociais, é recusar a desintegração do homem, numa teoria alienada, servindo uma práxis reacionária.
Mas ser político não é ser sectário; é orientar a conduta, em cada etapa e conjuntura, pela análise que determina a viabilidade dos passos presentes, com vistas ao objetivo final, ainda distante, mas que polariza toda a práxis vanguardeira.
Dizem comumente que política á a arte do possível, ao que Liebknecht respondia com o oposto: “política é a arte do impossível”.
Dialeticamente, direi que política é tornar possível o “impossível”, isto é, o objetivo final de toda ação, mediante a “evolução revolucionária”, constituída por sucessivas aproximações, que pressionam e dilatam as barreiras da reação e do conservantismo, com vista à transformação do mundo e, não a adaptação ao mundo da dominação instituída.