O Apocalipse de Dostoievski

No interrogatório do inquisidor a Jesus na obra: “Os irmãos Karamazov” de Dostoievski, nota-se a premissa do autor em relacionar a tentação do Cristo pelo diabo no deserto com as instituições de seu tempo.

Ao seu turno, tendo como base a premissa supra, nos propusemos a fazer o mesmo contextualizando com o tempo presente.

Inicialmente, a primeira tentação em que a antiga serpente propõe ao Messias a transformação de pedras em pães, com o fim de saciar sua fome, traz em seu bojo a sutil revelação da relativização de valores (usurpação da matéria), para o atendimento a um bem maior (matar a fome).

Não poderia ter melhor relação quando remontamos à proposta “hobesiana`” de relativizarmos a nossa liberdade individual, para em nome do bem maior - segurança, abdicarmos do nosso estado de guerra, delegando o arbítrio da paz a um outro ente, o leviatã (Estado).

Como todos sabem, Jesus não cedeu e ao final se viu alimentado por anjos.

Já a sociedade, não teve melhor sorte, tal como “profetizado” por Dostoievski recebemos o pão que nós mesmos produzimos e ainda nos foi exigido a virtude de nos tornamos escravos.

De outra ponta, a segunda tentação nos coloca frente à frente a necessidade narcisística de aparecer ou ser reconhecido em alguém ao ponto de torná-lo um ídolo, objeto de culto, ou para os mais íntimos apenas mito. Nada mais alvissareiro e atual, se considerarmos o culto à exposição gratuita, justificado por míseros “likes” nas redes.

Essa é a proposta inserida no bojo de pular do lugar mais alto do templo e ser socorrido por uma miríade de anjos, em plena luz do dia e à vista de todos - nada de sofrimento ou cruz. Os braços que o acolherão são os mesmos que o colocarão no panteão dos heróis.

Convenhamos, que do ato em apreço emergiria um ser tal como sonhado por Carl Schmitt, o perfeito líder carismático que encarna em si a soberania e o poder da última palavra, em que todos aqueles que discordam são automaticamente classificados como inimigos. Nele reside tudo e todos ao ponto de se confundir com a própria constituição – “eu sou a constituição”, dejavú do mês passado.

Sabe-se que o Cristo escolheu seguir sua paixão, já o povo de vez em sempre procura o seu messias.

Por fim, a terceira tentação em que todos os reinos são colocados à serventia de Jesus é a proposta da uniformização do ser, da cultura global, da ideologia única e da eliminação dos contrários.

É a busca insaciável dos impérios de todos os tempos, desdenhada pelo carpinteiro, desejada pelas nações.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.