ENTRE DEBATES RASOS E CONCLUSÕES PROFUNDAS: RESSIGNIFICANDO O CONCEITO DE “GERAÇÃO MIMIMI”
Autores: Abigail; Katia; Joelane; Pedro Henrique; Vitória; Samuel Eugenio.
Comumente tem se associado à geração mais jovem, os millennials, o estigma de que reverbera nesse grupo uma competição acerca de quem se exime mais dos conflitos da sociedade. Sob a alcunha de geração “mimizenta”, o que se nota é que a generalização em torno do conceito destas personalidades, muitas vezes resultantes de uma análise filosófico-comportamental rasa e vaga, tem esvaziado pautas relevantes no confronto de estruturas discriminatórias e excludentes na atualidade.
Em verdade, esta é sim uma geração que se desenvolveu nos meios de proteção paternos e escolares e que aprendeu que diante da diversidade e do conflito há a possibilidade de esquivar-se da realidade, mesmo antes de pensar uma modificação interna através de transformações nos seus pontos de vista em determinadas situações. Importante esclarecer esse ponto, porque esta autoproteção e capacidade de entender seus próprios pontos e conflitos não é mais do que um resultado de nossas projeções narcisísticas, que nem sempre carregam valores negativos.
Segundo Christian Dunker, em vídeo da sua série “Falando Nisso”, a geração mimimi foi associada ao jovens nascidos a partir dos anos 2000 e que em resposta aos anseios sociais de decisões objetivas e a quase imposição de adequação dos jovens aos blocos comportamentais pré estabelecidos, têm apresentado atitudes evasivas quando se fala em concorrência e conflito. Para o autor, tais questões advêm de uma compleição narcísica que acaba por criar um cenário de expectativas de reconhecimento que está além daquilo que, de fato, esta geração de jovens irá encontrar. O que o psicanalista e professor explicou é que essa geração “pretende ser reconhecida nos termos, linguagem ou gramática que esses jovens elegem e escolhem para serem reconhecidos”, não obstante este reconhecimento deva ser conferido sem que a geração precise ou queira lutar para tanto.
Explica o autor, que o ponto de atenção deste conceito são os estereótipos extremistas que se atribuem à “juventude mimizenta”. Ocorre que as transformações da sociedade, naturalmente, são acompanhadas de mudanças comportamentais e, principalmente, da transfiguração na forma de se enxergar o mundo. De se ver, por exemplo, que o comportamento de resposta que se vincula tão somente ao ego é característica presente não só na juventude, Luiz Felipe Pondé há anos tem ponderado a relação entre o mimimi e o comportamento passivo-agressivo que sempre esteve presente na humanidade mas que com a multiplicidade das ferramentas de comunicação passou a ser notado com mais frequência.
Constructo popular, o termo está sempre associado a reclamações demasiadamente frágeis, infundadas ou sem argumentação à medida que se problematizam situações com base naquilo que as pessoas acreditam como certas para elas, e tão-somente. A consequência disso, hodiernamente, é que debates históricos que envolvem pautas de raça e gênero têm sido reduzidos a discussões desnecessárias e até invisibilizadas por uma crença de que a sociedade sempre funcionou bem desta forma, então não há motivos para reclamar.
Este conceito encontrou terreno fértil em outro grande grupo criticado: o academicismo. Criou-se em torno dos intelectuais acadêmicos a figura de personagens prolixos e desnecessários. As universidades viraram cenário de balbúrdia, e os estudos sociais têm sido constantemente sucateados por serem vistos como investimentos inúteis. É neste diapasão, que o assédio institucional encontra os espaços de graduação, lidos como sítios de formação do famigerado "mimimi''. Nada mais descabido. Necessário, portanto, refletirmos um pouco mais sobre o uso do termo mimimi.
Nesse ínterim, Dunker chama atenção para o aspecto positivo desta geração: o respeito a valores intrínsecos de cada pessoa, ou seja, cada ser humano merece ser respeitado por quem é. Na mesma linha, Kant disserta que as pessoas são dignas apenas pelo fato de serem humanas, logo, merecem respeito em sua dignidade incondicionalmente.
Ocorre que há um aprisionamento em torno do termo mimimi, especialmente por quem o utiliza para desqualificar o argumento de outrem (argumento muitas vezes válido). Talvez esses críticos estejam sofrendo da angústia suscitada por Bauman, pois temem que consentir com dadas reivindicações possa prejudicar ou ameaçar o modo de vida “tradicional”. Esse retorno da defesa dos valores tradicionais a um passado mítico e a defesa de que “antigamente era melhor” pode ser associada a um receio de que o novo afete a chamada “zona de conforto” daqueles que são beneficiados pelo modelo vigente (que se contesta). Seria a angústia em privilegiar a liberdade em detrimento da segurança a que Freud faz referência? Ou seria a angústia em escolher a estabilidade e se adequar a um padrão vigente ao invés de se lutar pelo reconhecimento de outras formas de se viver?
Com efeito, a história tem sido constantemente bombardeada por esse processo de ruptura e retrocesso. Cada etapa da história: Antiguidade, Idade Média, Modernidade, Idade Contemporânea e Pós-Contemporânea marcam profundas transformações, sejam elas culturais, tecnológicas, religiosas, morais, etc.
Porém, essas transformações foram acompanhadas de resistências. Ao realizar a reforma protestante, Lutero incitou a Igreja Católica a questionar seus conceitos, resultando, por seu turno, na contra-reforma com muitos adeptos. Noutro passo, em 1789, a Revolução Francesa ao interpelar a monarquia não constituiu ponto final desta forma de governo que teve sua restauração através da figura de Napoleão. Já na Russia, mesmo apos a Revolução Russa, subsistiam defensores da família Romanov, alguns deles, inclusive, estavam próximos da casa Ipatiev quando do assassinato da Família Real. Nas terras tupiniquins, mesmo após a Proclamação da República continuamos a ter defensores da Monarquia, com certa expressão política.
O que pretendemos ilustrar com esses exemplos, é a naturalidade com que a sociedade tem se adaptado e se reencontrado diante de mudanças que invariavelmente ocorrem.O fato é que: transformações são inevitáveis e não há como escapar delas. Precisamos saber como lidar com isso.
Não obstante esta necessidade de adequação, a realidade é que em uma esfera de convivência coletiva, sobretudo em sociedades desiguais como a que se contrasta no Brasil, as mudanças devem ser lidas como fatos que ultrapassam a esfera individual e que, portanto, têm efeitos diversos diantes dos múltiplos espectros sociais.
Naturalmente, aqueles que se vêem prejudicados, mormente em uma conjuntura na qual as pessoas se recusam a reconhecer seus espaços e posições de privilégios, receberão essas transformações de forma derrotista, inclusive elaborando argumentos para contestar tais mudanças. Temos assim, uma angústia coletiva.
A pergunta que vem à tona é: Se a geração atual é mimizenta, como podemos descrever a geração que se esforça incessantemente para impugnar o mimimi?
O momento atual que vivemos nos parece ser um desses que traz reflexões as quais impactam a sociedade proporcionando sentimentos conflitantes que trazem sentimentos dúbios e muitas vezes difíceis de assimilar. São problemas que ultrapassam a seara filosófica e atingem, nomeadamente, o domínio da comunicação.
Não há espaço de compreensão, de escuta e, muito menos, de silêncio. Ao conversar com pessoas mais velhas, criadas sob uma perspectiva conservadora ou tradicional, como nossos avós e avôs, sobre poliamor ou relacionamento aberto, por exemplo, é comum encontrarmos julgamentos negativos sobre essas formas de se relacionar. É recorrente também o apelo aos argumentos da moralidade e da religião, sobre como isso vai acabar com as famílias e como a família (entenda-se pai-homem, mãe-mulher e filhos) é a base da sociedade merece ser protegida. O que se ignora com tais argumentos é que infidelidades sempre ocorreram, relacionamentos paralelos ao matrimônio sempre foram comuns e milhares de mulheres sempre criaram seus filhos sozinhas.
O que podemos fazer então?
Seria muita irreverência nos aventurarmos em oferecer uma solução! O que pretendemos deixar como contribuição é a reflexão de que mudanças e transformações ocorrem e que sim, isso resulta em sentimentos controversos, o que é natural. Precisamos melhorar, como sociedade, e na forma de lidar com esses fatos. Não podemos simplesmente elencar todos os discursos que vão de encontro às nossas ideias como mimimi. Antes de sair por aí proferindo opiniões, muitas vezes reproduzindo discursos de outrem tomados como verdades, precisamos analisar com diligência esses discursos postos e tirarmos nossas próprias conclusões.
REFERÊNCIAS
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Costa, Alexandre. Os desafios da filosofia contemporânea. Arcos, 2020. Disponível em: https://novo.arcos.org.br/os-dilemas-da-contemporaneidade-2/. Acesso em: 14. ago. 2021.
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______. Freud e o mal-estar da modernidade. Arcos, 2020. Disponível em: https://novo.arcos.org.br/freud-e-o-mal-estar-da-modernidade/. Acesso em: 14. ago. 2021.
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______. Bauman e o mal-estar da pós-modernidade. Arcos, 2020. Disponível em: https://novo.arcos.org.br/bauman-e-o-mal-estar-da-pos-modernidade-2/. Acesso em: 14. ago. 2021.
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______. Nietzsche e a crítica aos valores absolutos. Arcos, 2020. Disponível em: https://novo.arcos.org.br/nietzsche/. Acesso em 14. ago. 2021.
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DUNKER, Christian. O que é geração mimimi? (vídeo). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JU6LdsszXEo. Acesso em: 14. ago. 2021.