Ronald Dworkin
1. Biografia
Ronald Myles Dworkin (Massachusetts, 1931- Londres, 2013) foi um jurista, filósofo e professor americano com relevante e significativo destaque na área de filosofia do direito e direito constitucional. Tem sido um dos principais participantes nos debates centrais para a filosofia jurídica e política desde o final do século XX até os dias atuais. Depois de se formar na Harvard Law School e trabalhar como assistente do juiz americano Learned Hand, ele ocupou vários cargos de professores ilustres nos Estados Unidos e na Inglaterra, incluindo Professor de Jurisprudência na Universidade de Oxford e de Filosofia do Direito na University College London. Suas obras causaram um impacto não só na teoria como também na prática, inspirando juristas e instigando debates de temas contemporâneos importantes como a eutanásea, liberdade de expressão, aborto, etc. Dworkin possuía a capacidade de interligar diferentes áreas de estudo para solidificar suas teorias, como Filosofia Política e Filosofia Moral e Ética, que segundo o autor, são matérias que se relacionam entre si. Trataremos a seguir de alguns dos pontos mais significativos das suas principais s obras, entre elas: Taking rights seriously (1997), A Matter of Principle (1985), Law’s empire (1986), Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality (2000), Justice in Robes (2006), Is Democracy Possible Here? Principles for a New Political Debate (2006).
2. Principais aspectos
1) Crítica ao positivismo jurídico e modelo de regras e princípios
Um dos mais importantes aspectos formulados por Dworkin consiste na sua indagação e oposição ao positivismo jurídico, principalmente ao clássico positivista, H. L. A. Hart, cuja obra, Conceito da Lei (1961), é usada como referência para Dworkin embasar sua tese.
A primeira crítica sustentada de Dworkin ao positivismo de Hart foi seu artigo de 1967, O Modelo de regras. Nessa peça, Dworkin articula três teses que ele pensa captar a essência do positivismo, incluindo o de Hart (PATTERSON, 2019):
a) “A lei de uma comunidade pode ser identificada e distinguida por critérios específicos, por testes tendo a ver não com seu conteúdo, mas com seu ‘pedigree’ ou a maneira em que foram adotados ou desenvolvidos” (DWORKIN, 1967).
Conhecida por "tese de pedigree", a primeira afirmação do crítico se refere a que, em qualquer sistema jurídico, existe uma regra mestra que distingue o direito do não-direito. Segundo Dworkin, essa regra chave estabelece critérios de legalidade que se referem apenas a fatos sociais. É importante pontuar que a regra principal pode não articular critérios de legalidade que depende do valor moral de uma norma, ou seja, a regra principal nunca pode exigir legalidade para ser condicional à moralidade.
b) "O conjunto dessas regras legais válidas é exaustivo da 'lei', de modo que se algum caso não é claramente coberto por tal regra (porque não há nenhuma que pareça apropriado, ou aqueles que parecem apropriados são vagos, ou por algum outro motivo) então esse caso não pode ser decidido pela "aplicação da lei". Deve ser decidido por alguns oficiais, como um juiz, ‘exercendo seu arbítrio’ ” (DWORKIN, 1967).
Nessa tese, chamada de Discrição, o autor pontua que o direito, para Hart, é um fenômeno composto por regras primárias e secundárias. Dworkin discorda de Hart sobre as normas legais argumentando que ele notoriamente deixou de levar em conta os princípios legais. Ele afirma que regras se aplicam em um modo “tudo ou nada”, ao passo que os princípios têm uma dimensão de peso ou importância. Se um caso não se enquadre em uma regra legal existente, o juiz deve exercer o arbítrio para resolver a disputa. Veremos mais sobre esse ponto no tópico seguinte.
Para o autor, esses direitos e outros fatores valiosos para sociedades específicas são relativos e demonstram um certo tipo de "Moralidade", que pode ser determinada empiricamente para indicar o que é importante para a sociedade.
c) "Dizer que alguém tem uma 'obrigação legal' é dizer que seu caso se enquadra em um regra legal válida que exige que ele faça ou se abstenha de fazer algo” (DWORKIN, 1967).
A terceira tese se formula a partir da segunda. Se as obrigações legais só podem ser geradas por regras legais, então, na ausência de uma regra legal existente, nenhuma obrigação pode ser encontrada.
A partir de sua notória crítica e alternativas relevantes ao positivismo jurídico, Dworkin pode ser considerado representante do pós-positivismo.
2) Natureza interpretativa do direito
Dworkin começa a construir a sua teoria interpretativa do direito nos ensaios publicados entre seus livros Levando os direitos a sério (1977) e Uma questão de princípio (1985). Em O império do direito (1986). Em O império do direito (1986), Dworkin recapitula seus argumentos sobre objetividade e interpretação e os desenvolve de forma mais sistemática numa formulação positiva do direito como integridade.
Ele ilustra esta discussão sobre como resolver hard cases no caso de Riggs vs. Palmer (1899, Estado Unidos), que se constitui na questão principal da possibilidade de um assassino receber a herança prevista no testemunho de sua vítima em um sistema em que a sucessão testamentária indicava claramente que um beneficiário nomeado em um testamento sempre teria o direito de herdar. Na ausência de outras regras, o tribunal dos Estados Unidos decidiu aplicar o princípio jurídico de que ninguém deve se beneficiar de suas ações ilícitas e negou ao assassino a herança. Para Dworkin, o que este caso demonstrou foi que onde um regra existente iria claramente resultar na resposta errada, o tribunal usou um princípio para chegar à resposta certa que tinha o mesmo nível de validade como se a regra fosse usada em seu lugar.
Dworkin desenvolve sua tese ao explicar a função dos juízes, que não está preenchendo "lacunas" através do exercício de discrição, mas realizando um processo de interpretação em casos mais complexos. Para fazer isso, Dworkin estabelece três etapas (NALBANDIAN, 2009, p. 370): em primeiro lugar, o juiz (ou advogado) tem que conhecer os dados (fase pré-interpretativa), em segundo lugar o juiz deve avaliá-lo e avançá-lo em sua melhor luz possível (estágio interpretativo) e então, em terceiro lugar, as questões jurídicas podem ser resolvidas, pois haverá uma resposta certa ou a melhor resposta que se encaixa conforme discutido acima.
A fase pré-interpretativa portanto, pode restringir a discrição, pois o juiz terá que levar em consideração textos e outros materiais relevantes, como casos anteriores. Mesmo que haja alguma restrição, o juiz mantém a capacidade de avaliar e interpretar a lei de uma maneira que ele/ela sente se encaixa com os julgamentos anteriores, enquanto equilibrando-o com a 'coerência' ou os padrões morais substantivos relevantes de a sociedade, como objetivos sociais, bem como princípios de justiça para surgir com a única resposta certa ou a melhor resposta.
3) Igualdade distributiva
Em vários escritos reunidos em seu livro Virtude Soberana (2000), Ronald Dworkin apresenta a sua teoria política do Liberalismo Igualitário. Ele insiste que a igualdade deve ser o atributo indispensável da soberania democrática. Assim, um governo legítimo deve tratar todos os seus cidadãos como iguais, ou seja, com igual respeito e preocupação.
O autor sugere que o ideal da igualdade só poderia ser alcançado através dos recursos com os quais as pessoas alcançam o bem-estar, e por isso chama sua teoria de "igualdade de recursos". Todavia, ao contrário do que o título parece sugerir, não se trata aqui de uma divisão igualitária estrita de recursos. Essa é a teoria da igualdade da "velha esquerda" que Dworkin rejeita, pois viola a ideia central do igualitarismo liberal. Assim a teoria do autor consiste em uma igualdade de recursos e não igualdade de bem-estar.
Dworkin toma como objeto dois princípios humanistas fundamentais: primeiro, é de igual importância objetiva que todas as vidas humanas tenham a chance de se desenvolver e, segundo, cada pessoa é responsável por definir e alcançar o desenvolvimento de sua própria vida. Com esses princípios o autor fundamenta sua tese de que a verdadeira igualdade significa equivalência no valor dos recursos que cada pessoa comanda, não no sucesso que alcança. Para Dworkin, igualdade, liberdade e responsabilidade individual não estão, portanto, em conflito, mas fluem umas das outras como facetas da mesma concepção humanista de vida e política. Sua teoria é melhor entendida aplicando-a a tópicos controvérsos contemporâneos como a distribuição de assistência médica, seguro-desemprego, reforma do financiamento de campanha, ação afirmativa, suicídio assistido, e engenharia genética.
3. Caráter avaliativo na Prova da Ordem:
Os temas relacionados ao autor Dworkin propostos nas questões da Prova da Ordem até então, de acordo com a tabela elaborada pelo professor Alexandre Costa (https://filosofia.arcos.org.br/modulo14-2/), se referem aos ideais de Regras e Princípios (caso Riggs v. Palmer) tratado nas obras “Levando os direitos a sério” (1977) e “Uma questão de princípio” (1985), além do tema de Igualdade Distributiva (recurso x bem-estar) abordado na obra Virtude Soberana (2000). Ambos os assuntos foram explicados e contextualizados acima.
4. Referências Bibliográficas:
COSTA, Alexandre Araújo. Filosofia do Direito para a Prova de Ordem. Filosofia do Direito. Disponível em: https://filosofia.arcos.org.br/modulo14-2/. Acesso em: 15 de mai. de 2021.
DWORKIN, Ronald. The Model of Rules. 35 Univ. Chicago L. Rev. 14, 1967.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge, USA: Harvard University Press, 1977.
DWORKIN, Ronald. A matter of principle. Cambridge, USA: Harvard University Press, 1985.
DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue: the theory and practice of equality. Cambridge, USA: Harvard University Press, 2000.
NALBANDIAN, Elise. Notes on Ronald Dworkin’s Theory of Law, Mizan Law Review, Vol. 3 N 2, 2009.
PATTERSON, Dennis. Dworkin’s Criticisms of Hart’s Positivism, In P. Mindus & T. Spaak (eds.), The Cambridge Companion to Legal Positivism, 2019.