Direito e norma

Autores: Bárbara de Oliveira Aguiar, Lucas Moreira Ribeiro, Ludmila Laiara de Oliveira Queiroz, Mário Pereira Machado Filho, Samuel Lucas Machado Lopes.

Introdução

O presente estudo tem como objeto a seguinte pergunta: “Faz sentido considerar que o direito é um conjunto de normas?”, com destaque  para uma análise sobre a concepção do direito e suas extensões a partir do “Direito Achado na Rua”, de José Geraldo da Souza Junior.

Inicialmente, destaca-se que a origem do Direito está situada anteriormente a formação das primeiras sociedades.  O ordenamento jurídico na época dos povos ágrafos, que não possuíam escrita, era constituído por regras abstratas, difundidas pelas gerações, de pessoa para pessoa, de forma oral.

Neste sentido, a transmissão oral gerava alterações, variações, e uma grande diversificação entre as tribos existentes. Embora a descentralização, a distância entre as tribos e a evolução dessas comunidades contribuíssem para essa condição, haviam características identitárias únicas entre os diferentes povos, tais como a tradição e a religiosidade que, por vezes, se confundiam com o próprio direito.

Posteriormente, com a invenção da escrita, tornou-se evidente que os compilados eram formas muito mais efetivas para a proteção da tradição, das normas e da história, a exemplo do “Código de Hamurabi”. A partir do surgimento da escrita, o significado e a forma com que os povos passaram a se relacionar com o direito sofreu diversas alterações, se devolvendo, cada vez mais, com a concepção e objetivo de prover a segurança jurídica e o bem estar entre os povos.

Outro marco importante para a compreensão da evolução histórica da noção do que é o direito foi a consolidação do sistema filosófico na Grécia Antiga. O desenvolvimento do pensamento crítico e filosófico gerou diversas reflexões sobre aspectos do direito, tais como a política, a ética e a liberdade. Portanto, embora não houvessem leis aplicáveis a todos os gregos, vez que cada cidade-estado possuía o seu próprio direito, o estabelecimento do regime democrático em algumas cidades, com destaque para a cidade de Atenas, foi imprescindível para consolidação da ideia de que as leis eram fruto de construções humanas, superando as noções antigas de leis extremamente vinculadas às “vontades dos deuses”.

Além disso, posteriormente, o Direito Romano foi capaz de alterar esse paradigma, a evolução das noções de proteção da vontade do indivíduo, autonomia da família e valorização da palavra falada, bem como a diferenciação do direito público e privado, aproximaram o Direito Romano da concepção e conceituação que adotamos atualmente.

Fato é que a forma como os indivíduos compreendem e se relacionam com o direito enfrentou diversas alterações em razão das modificações e desenvolvimento das sociedades. Concomitantemente, a restrição da conceituação do direito a um simples “conjunto de normas” passa a ser questionada por diversos autores frente às novas demandas sociais, como José Geraldo de Souza Junior e Roberto Lyra Filho.

Desenvolvimento

A ideia de que o Direito se porta como um conjunto de normas de conduta que, por força coativa imposta pelo Estado, são traduzidas em princípios de conduta social, pautadas na justiça, liberdade e na coexistência pacífica dos indivíduos em sociedade é amplamente difundida.

Hans Kelsen, conceitua o Direito como “"um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema". Nesta linha, Já Wilson Campos de Souza Batalha e Vicente Rao, respectivamente, definem o Direito como:

"conjunto de comandos, disciplinando a vida externa e relacional dos homens, bilaterais, imperativo atributiva, dotado de validade, eficácia e coercibilidade, que tem o sentido de realizar os valores da justiça, segurança e bem comum, em uma sociedade organizada".
“sistema de disciplina social fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhe atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em consequência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo Poder Público".

Entretanto, essa visão é colocada em xeque por alguns autores que, a partir do desenvolvimento de um pensamento crítico social, com destaque para as demandas das classes marginalizadas, passam a entender o Direito de forma muito mais complexa e relativa.

Dentro do contexto brasileiro, destaca-se José Geraldo da Souza Junior, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília e criador do “Direito Achado na Rua”, uma tentativa de construção inovadora sobre o Direito, promotora de uma nova leitura da realidade, com uma visão mais humanista, justa e que defenda, lute e promova os Direitos Humanos.

O Direito Achado na Rua vai de oposição à visão e às características da conceituação do Direito Moderno Ocidental, fazendo críticas e apondo seu pensamento ao Positivismo e ao Jusnaturalismo. Segundo o autor, o Direito atual funciona como um mero instrumento, utilizado pelas classes e grupos dominantes e detentores do poder político, como forma de dominação e o modelo unitário e centralizador do Direito espelha sua ineficácia e injustiça. Segundo ele, o Positivismo moderno causa a redução do Direito à ordem estabelecida, desta forma, sua nova visão seria a realização da inclusão, no Direito Constitucional, de outras formas de compreender as regras jurídicas.

Para uma melhor compreensão, necessário o desenvolvimento de alguns conceitos chaves que serão explicados ao longo do texto, como pluralismo jurídico, Direito como ferramenta emancipatória social e igualdade social.

O Direito Moderno Ocidental se equivoca ao analisar o Direito como uma norma fixa, parada e estática. Assim como a realidade, o Direito deve ser analisado em uma perspectiva modelável em um processo de libertação constante da sociedade. A reivindicação de uma emancipação social, assim como a promoção de uma sociedade mais justa, plural, e livre que a atual estaria atrelada à compreensão sobre a atuação jurídica dos novos movimentos sociais e à conciliação da produção do conhecimento com as normas sociais.

A superação da separação entre teoria e prática remete à necessidade de substituição dos paradigmas jurídicos tradicionais, presentes na visão moderna do Direito. A variedade das fontes de normatização e direitos, assim como os modos diferentes de legitimar os saberes e os conhecimentos devem ser base para a construção de uma nova ordem pautada nas demandas dos segmentos marginalizados da sociedade.

Assim como José Geraldo da Souza Junior, Boaventura de Souza Santos elucida, em sua obra “Os conceitos que nos faltam”, a problematização que molda a crítica à visão do Direito moderno ocidental. O Direito parte de um ponto de análise equivocada, não somente pela forma de se passar os conhecimentos dentro do campo jurídico, mas também pela sua própria conceituação do Direito.

A redução do direito à um conjunto de normas seria, então, uma contradição às diversas realidades e necessidades e à fluidez da sociedade. Portanto, a legitimação dos saberes do conhecimento, assim como a variedade das fontes de conhecimento seriam ferramentas de combate à manipulação do Direito e da política por classes favorecidas e detentores de poder, sobretudo, político. Tal perspectiva representaria então uma nova realidade refletida no Direito, como ferramenta emancipatório das classes marginalizadas.

Por outro lado, com base numa análise histórica, é evidente que a normatização do direito foi imprescindível para o desenvolvimento, difusão e aplicação de regras na resolução das demandas sociais. Miguel Reale, em uma análise dos diferentes sentidos da palavra Direito, defende que eles correspondem a três aspectos básicos: um aspecto normativo, ou seja, o direito como ordenamento e ciência; um aspecto fático, o direito como fato, em sua efetividade social e histórica, completamente relacionável à crítica realizada pelo Direito Achado na Rua; e um aspecto axiológico, o direito como valor e busca pela efetividade da justiça. Vejamos:

“(...) toda experiência jurídica pressupõe sempre três elementos: fato, valor e norma, ou seja, "um elemento de fato, ordenado valorativamente em um processo normativo". O Direito não possui uma estrutura simplesmente factual, como querem os sociólogos; valorativa, como proclamam os idealistas; normativa, como defendem os normativistas. Essas visões são parciais e não revelam toda a dimensão do fenômeno jurídico. Este congrega aqueles componentes, mas não em uma simples adição. Juntos vão formar uma síntese integradora, na qual" cada fator é explicado pelos demais e pela totalidade do processo ". (NADER, 376-377)

Ou seja, por vezes, na história, o direito esteve confundido com diferentes esferas, a exemplo das noções de religiosidade e política, vez que é reflexo das demandas surgidas pelas próprias relações sociais. Sendo assim, evidente que a limitação de sua conceituação é capaz de comprometer não só o compreendimento do direito, mas também da própria sociedade e suas necessidades.

Conclusão

Por fim, com base no exposto, é evidente que, embora o Direito se estabeleça, para muitos, como um simples conjunto de normas, a exemplo dos conceitos mais modernos do termo, este não se limita à esta dimensão, mas como um verdadeiro reflexo das demandas, mudanças históricas e compreensões da realidade de cada sociedade.

O pensamento de Reale e José Geral de Souza Junior evidenciam a pluralidade conceitual do termo, destacando a característica do direito ser variável e modificável entre os povos e os tempos, embora que para Miguel Reale os três termos dessa experiência jurídica se mantêm constantes na história.

Finalmente, o Direito Achado na Rua se porta como ferramenta importante de reflexão em relação à efetividade e objetivação do Direito frente aos mais marginalizado, ademais, a conceituação do termo deve levar em consideração a representatividade das demandas e interesses de todos.

Bibliografia

Costa, Alexandre. Das teorias da interpretação às teorias da argumentação.

Reale, Miguel, 1910-2006. Filosofia do direito / Miguel Reale. 19. Ed. - São Paulo. Saraiva,1999.

Horta e Costa. Das Teorias da interpretação à Teoria da Decisão: por uma perspectiva realista acerca das influências e constrangimentos sobre a atividade judicial. Opinião Jurídica, v. 15, n. 20.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito/ Paulo Nader – 37. Ed,- Rio de Janeiro: Forense, 2015

SANTOS, Boaventura. Os conceitos que nos faltam. Disponível em: <http://odireitoachadonarua.blogspot.com/2018/08/boaventura-os-conceitos-que-nos-faltam.html>.Acesso em: 07 set. 2018.

SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. O Direito Achado na Rua: Concepção e prática. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2015.