CETISMO POLÍTICO E DEMOCRACIA – PARALELO ENTRE O PRESENTE E A FILOSOFIA DE CARL SCHMITT

É evidente no senso comum a adoção de um pensamento coletivo quase que unânime em relação à política, mais especificamente no que diz respeito à desconfiança e ceticismo em relação aos governantes. Isso porque acredita-se que os representantes políticos não visam uma boa gestão governamental, nem em projetos que visam o bem estar da população, mas sim o bem estar pessoal consubstanciado em um subjetivismo quase que factual.

Esse aspecto fica ainda mais claro quando analisamos pesquisas objetivas: segundo o Instituto Locomotiva/Ideia Big Data, em 2018, 95% dos entrevistados acreditam que os políticos não são transparentes e 94% acreditam que os governantes não pensam na população para tomar as decisões. Assim, percebe-se a proporção preocupante de brasileiros que sequer acreditam na funcionalidade política e nas garantias do Estado Democrático de Direito.

Tamanha desconfiança é resultado de uma construção político-social da sociedade brasileira que permeia, principalmente, nas últimas décadas, em que esquemas de corrupção, fraudes e mentiras acabaram por se tornar algo intrínseco ao pensamento político da população brasileira, independentemente de gênero, raça, escolaridade ou idade.

Essa desconfiança e descontentamento atual diverge do Brasil anterior aos anos 1980, em que a população apresentava maiores índices de confiança. Junto a isto, ocorre outro grande problema, qual seja, a desconfiança em partidos políticos, principalmente, no período que sucede a ditadura militar. Esse fator é preocupante, pois denota um pensamento majoritário favorável a um governo "forte", o que nem sempre é o melhor caminho para as massas sociais, como a própria história já mostrou em vários de seus capítulos.

Desta forma, as reflexões apresentadas indicam que a explicação do fenômeno de desconfiança política no Brasil, assim como a de um conjunto de outras atitudes relacionadas aos posicionamentos dos indivíduos a respeito do regime democrático, tem natureza multidimensional e recorre a valores e avaliações objetivas, como a percepção da economia, da política e dos governos do momento.

Em contrapartida, a maioria da população acredita na Democracia, segundo pesquisa realizada por Eduardo Lazzari, em 2014. Esse apoio do cidadão sobre a democracia tem múltiplas dimensões, sendo possível ter pouca confiança em partidos políticos, mas apoiar o regime democrático, o reconhecendo como melhor forma de governo simultaneamente. Assim, ao invés de se distanciar da política, o cidadão passa a se engajar para aprimorar, de alguma maneira, este regime.

A questão ora debatida se torna mais ampla com a análise política de Carl Schmitt. Primeiro, cabe destacar a fórmula do amigo-inimigo trazida pelo autor, na qual a vida política é indissociável da hostilidade entre grupos humanos. Assim, para o filósofo:

o conhecimento político torna-se uma espécie de simulação intelectual da natureza extrema de conflito político.”

Junto a isto, o autor dispõe acerca do liberalismo para conceituar o político. Muitas vezes, o liberalismo se mostra como uma negação do político e, a partir dessa perspectiva, o filósofo diz que essa característica denota em uma tentativa de neutralizar e despolitizar a existência política. Assim, entende que a neutralidade liberal consubstanciada na possibilidade de eliminar o conflito do horizonte das relações humanas revela a recusa em assumir um posicionamento operante a situações importantes e críticas, ou seja, uma atitude contraditória diante das responsabilidades dos governantes.

Ainda na perspectiva do filósofo, faz-se necessária a discussão acerca da soberania, no sentido de um conceito-limite. Nesta seara, todas as decisões tendem a se tornar equivalentes, ou seja, o monopólio da decisão pelo soberano significaria a possibilidade de sustar a multiplicação de interpretações sobre a natureza do interesse público e, mais ainda, trataria de um conflito que não pode ser solucionado em função de critérios normativos. Assim para o autor, a decisão soberana é política e a única capaz de restabelecer a ordem.

Esses elementos quando trazidos para a realidade político-social demonstram o caráter “forte” defendido por muitos, no sentido de que é necessário um governante “soberano” capaz de tomar as melhores decisões em prol da coletividade. No entanto, trata-se de uma questão perigosa, eis que governos “fortes” tendem, em muitos casos, ao autoritarismo e, até mesmo, à ditadura, colocando em cheque, o liberalismo e a democracia.

Ademais, Schmitt entende que o problema do pensamento liberal não é propriamente o de organização do Estado, mas sim, o fato de que a autonomia individual ocupa as formas de existência da vida social. Assim, a organização do poder público nas constituições liberais tem como escopo, para o autor, a limitação e o controle do Estado, razão pela qual ele entende que esta perspectiva acaba por nutrir uma desconfiança em relação aos seus possíveis abusos.

Isso fica claro na perspectiva política presente na atualidade e nos dados apresentados no texto, em que a população, como já dito anteriormente, não acredita na capacidade dos governantes em tomar suas decisões em prol da coletividade, mas sim diante da sua própria subjetividade/autonomia individual.

Portanto, diante do posicionamento de Carl Schmitt, fica clara a necessidade no caráter neutro para a ordem pública liberal, razão pela qual se mostra essencial que esta garanta a chance incondicional igualitária de todas as opiniões, direções e movimentos concebíveis para alcançar a maioria e isso, na atualidade, se dá por meio da democracia, instrumento ainda forte e permanente na visão da maiorias das pessoas e que nos dá esperanças para a mudança do atual pensamento político-social e das desconfianças que permeiam a sociedade.

Por fim, embora verifica-se uma tendência crescente de desconfiança política, deve-se pensar na democracia como forma de resolução dos problemas, haja vista ser o instrumento mais poderosos de mudança, capaz de transformar realidades sociais e políticas por meio da decisão coletiva de toda uma sociedade.

BIBLIOGRAFIA:

G1.Globo, Política-2018. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/brasileiros-nao-se-sentem-representados-por-politicos-em-exercicio-aponta-pesquisa.ghtml

CONCLI, Raphael. O que está por trás da desconfiança em relação aos partidos do Brasil. Jornal da USP, 2017. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/o-que-esta-por-tras-da-desconfianca-em-relacao-aos-partidos-no-brasil/

A desconfiança política e os seus impactos na qualidade da democracia – O caso do Brasil. Disponível em: <http://www.nupps.usp.br/downloads/relatorio2013/Anexo_65_Livro_EDUSP_2013_versao_enviada.pdf>

D’URSO, Flavia. Perspectivas sobre a soberania em Carl Schmitt, Michel Foucault e Giorgio Agamben. Universidade Católica de São Paulo, 2014.

SCHMITT, Carl. Definition of Sovereignty. In: SCHMITT, Carl. Political Theology: Four chapters on the concept of sovereignty. Chicago: The University of Chicago Press, 2005.

SCHMITT, Carl. The Concept of Sovereign Dictatorship. In: SCHMITT, Carl. Dictatorship: From the origin of the modern concept of sovereignty to proletarian class struggle. Cambridge: Polity Press, 2014.

SCHMITT, Carl. O funcionalismo público e as diversas possibilidades de uma “independência” do Estado partidário pluralista. In: SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.