Byung-Chul Han e a democracia de espectadores

No livro Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas formas de poder, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han reflete, sinteticamente, sobre a seguinte questão: a amplitude das possibilidades de conexão e comunicação faz de nós pessoas livres?

O autor descreve a nossa sociedade atual como a do controle psicopolítico, materializado pela constante necessidade de comunicação, exposição de dados e sentimentos de nossas vidas, inclusive por meios de dispositivos de automonitoramento. Essa superexposição retorna em forma de um controle, muitas vezes exercido de forma sutil, sobre as nossas preferências, a maneira como utilizamos nosso tempo e até mesmo sobre a forma como nos comportamos na qualidade de cidadãos preocupados com a democracia. Ao longo do livro, o autor defende que a afirmação da liberdade, nesse contexto, depende de uma postura que ele aproxima daquela que caracteriza o herege, porque pressupõe não se amoldar.

No primeiro capítulo do livro, Byung-Chul Han fala sobre o que chama da crise da liberdade, que parte da seguinte constatação: "o eu como projeto, que acreditava ter se libertado das coerções externas e das restrições impostas por outros, submete-se agora a coações internas, na forma de obrigações de desempenho e otimização". (HAN, 2018, p. 9).

Neste trabalho, a premissa do autor dialoga com outros diagnósticos de Byung-Chul Han sobre o encorajamento à autoexploração que ocorre em nossos dias, circunstância que faz com que a liberdade - inclusive em nossos relacionamentos com os outros, frequentemente ditados por propósitos - seja cada vez mais ausente.

Essa autoexploração - distribuída por todas as classes - decorre, especialmente, dos modos de produção contemporâneos, que se relacionam, em grande medida, à "solitude do empreendedor que luta consigo mesmo, enquanto explorador voluntário de si" (HAN, 2018, p. 15).

Trata-se de uma forma de arranjo que não nos permite visualizar claramente o explorador e o explorado, o que impede a formação de um Nós político. Nesse sentido, é o seguinte trecho do livro:

Essa autoexploração sem classes é completamente estranha a Marx e torna a revolução social impossível, já que esta é baseada na distinção entre exploradores e explorados. E, por causa do isolamento do sujeito de desempenho explorador de si mesmo, não se forma um Nós político capaz de um agir comum.
Quem fracassa na sociedade neoliberal de desempenho, em vez de questionar a sociedade ou o sistema, considera a si mesmo como responsável e se envergonha por isso. Aí está a inteligência peculiar do regime neoliberal: não permite que emerja qualquer resistência ao sistema. (HAN, 2018, p. 16)

É claro que a sociedade informacional nos trouxe muitas facilidades comunicativas, constantemente enunciadas como transparência. É praticamente impossível que alguém veja a transparência (por exemplo, na política) como algo negativo. A questão que Byung-Chul Han nos propõe, contudo, é mais sutil e talvez possa ser formulada assim: em que essa transparência nos transforma?

O autor afirma que a comunicação ilimitada se transformou em monitoramento e controle total e que as mídias sociais seriam o que chama de panópticos digitais. A participação das pessoas ocorreria "em forma de reclamação e queixa", e "povoada por espectadores e consumidores, a sociedade da transparência funda uma democracia de espectadores" (HAN, 2018, p. 22).

Haveria, assim, uma grande restrição à autodeterminação informacional e, consequentemente, à própria liberdade, pois a psicopolítica digital chega ao extremo de restringir até a vontade própria das pessoas.

O parágrafo conclusivo do capítulo provoca reflexões sobre atos comuns de nossa rotina:

"Devoto significa submisso. O smartphone é um objeto digital de devoção. Mais ainda, é o objeto de devoção do digital por excelência. Como aparato de subjetivação, funciona como o rosário, e a comparação pode ser estendida ao seu manuseio. Ambos envolvem autocontrole e exame de si. A dominação aumenta sua eficiência na medida em que delega a vigilância a cada um dos indivíduos. O curtir é o amém digital. Quando clicamos nele, subordinamo-nos ao contexto de dominação. O smartphone não é apenas um aparelho de monitoramento eficaz, mas também um confessionário móvel. O Facebook é a igreja ou a sinagoga (que literalmente significa «assembléia») do digital."

Eis, em síntese, a ideia do primeiro capítulo de Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas formas de poder.

Referência

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas formas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018.